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Sexta-feira, Abril 19, 2024

À espera dos prémios

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

 

61º SEMINCI | Cinema de autor

Momento sempre esperado com alguma expectativa nos festivais de cinema é o do anúncio dos filmes premiados. Público e crítica vão especulando sobre o nome dos vencedores, fazem-se listas de favoritos e no final lá surgirá o veredicto do júri. Soberano, mas muitas vezes surpreendente e contestado. Nos últimos dias manifestámos aqui algumas das nossas preferências, mas como não somos chamados a dar o nosso voto resta-nos esperar pela divulgação do palmarés. Enquanto tal não acontece faremos breves referências aos últimos trabalhos apresentados na competição.

Enquanto esperamos pelos prémios SEMINCI

Maravilhosa Família de Tóquio

Maravilhosa Família de Tóquio

O japonês Yôji Yamada (Osaka, 1931) é um cineasta com uma longa carreira e figura já conhecida na mostra de Valladolid. Em 2013 apresentou aqui “Uma Família de Tóquio” trabalho que lhe valeu a “Espiga de Ouro” desse ano. Este ano volta a competir na SEMINCI com “Kazoku Wa Tsuraiyo”/ Maravilhosa Família de Tóquio. A influência do mestre Yasujiro Ozu volta a estar patente em mais um retrato da vida familiar, tema muito grato a Yamada.

Em “Maravilhosa Família de Tóquio” o tom é de comédia com algumas situações burlescas (em nossa opinião um tanto exageradas), mas o foco central do argumento é muito interessante: depois de décadas de casamento, no dia do aniversário da mulher, o marido pergunta-lhe o que lhe pode oferecer como prenda. Resposta da senhora: o divórcio. Este é o ponto de partida para uma curiosa e divertida reflexão sobre o papel de cada um dos membros da família e da importância da comunicação entre eles e, em particular, dentro do casal. Marcado pelo contraponto entre a tradição  e a modernidade o filme de Yamada é uma abordagem, umas vezes dramática outras extremamente divertida, da possibilidade de desmoronamento de relações aparentemente tidas como inabaláveis. Curiosa reflexão de um autor que vai já nos 85 anos de idade…

La Pazza Gioia

La Pazza Gioia

De Itália foi entretanto apresentado “La Pazza Gioia”/Loucas de Alegria, de Paolo Virzi. Também aqui estamos no domínio da comédia dramática. O filme conta a história de duas mulheres que sofrem de doenças do foro psíquico e que estão em tratamento numa clínica psiquiátrica (uma quinta em que os doentes beneficiam de um ambiente de alguma liberdade).

Uma estupenda Valeria Bruni Tedeschi representa o papel de uma mulher supostamente rica e aristocrata enquanto  Micaela Ramazzotti (também com uma interpretação superlativa) é uma mãe, com comportamentos marginais, que há muito perdeu o contacto com o filho (um rapazito entretanto adoptado por uma família). Entre as duas estabelece-se uma relação de amizade e cumplicidade recheada de episódios rocambolescos. Interessante esboço de situações que nos levam a pensar por onde passará a linha que separa a loucura da “normalidade”, o filme de Virzi, que tem argumento de Francesca Archibugi (outra talentosa cineasta italiana), faz-nos forçosamente pensar em “Thelma e Louise” ou em “Voando sobre um ninho de cucos”.

Inhebek Hedi

Inhebek Hedi

A afirmação do direito a cada um escolher o seu destino afrontando as tradições e a cultura das sociedades em que vivem, é o traço comum a “Inhebek Hedi”/Hedi, do tunisino Mohamed Ben Attia, e a “Sufat Chol”/Tempestade de Areia, obra de estreia da israelita Elite Zexer.

Curiosamente, em “Hedi”  a personagem que se rebela contra um casamento combinado é um jovem vendedor de automóveis que se apaixona por uma mulher que trabalha num resort, numa praia da Tunísia. Interpretado por Majd Mastoura (prémio de melhor actor no Festival de Berlim) o filme conta uma história que, ao memo tempo que faz um retrato da actual situação política da Tunísia, trata de forma bastante conseguida a luta de um homem para sair do colete de forças que o manieta e que aprende a desobedecer: primeiro no seio da família mas depois, quem sabe, perante a sociedade.

Sufat Chol

Sufat Chol

Muito semelhante a temática do flme israelita. Em “Sufat Chol”/Tempestade de Areia a vítima é uma jovem estudante universitária oriunda de uma comunidade beduína em que a prática da poligamia,  da combinação de casamentos (quase sempre encarados como um negócio ou uma troca de favores) e da mais completa subjugação do papel e dos direitos das mulheres são encarados (mesmo por elas) como algo completamente normal.

Fime muito feminino, realizado por uma mulher e com mulheres nos papéis principais, “Sufat Chol”/Tempestade de Areia trata do confronto entre a tradição e a modernidade, entre um pai e uma filha, entre um marido e a primeira mulher, tudo isto de um ponto de vista que sendo feminista logra sensibilizar todos os espectadores.

Réparer les vivants

Réparer les vivants

Uma referência final para o filme francês “Réparer les vivants”/Reparar os vivos, da costa-marfinense Kattel Quillévéré. A doação de órgãos, os transplantes, o “aproveitamento” da morte de alguns para salvar a vida de outros, tudo isto é tratado neste filme que combina questões médicas e científicas com problemas de ordem ética, filosófica e moral. Adaptado de uma obra literária, “Réparer les vivants”/Reparar os vivos denota alguma fluência narrativa e consegue agarrar o espectador embora tenha algumas partes excessivamente descritivas e imagens dos actos cirúrgicos completamente desnecessárias. Se o objectivo do filme é pôr o espectador a reflectir sobre os medos, as dúvidas e as angústias que estes assuntos suscitam parece-nos que a passagem da mensagem será mais eficaz com um pouco mais de contenção.

Os filmes em vídeo

“Maravilhosa Família de Tóquio”

“La Pazza Gioia”

 

“Inhebek Hedi”

https://youtu.be/9t7a3E2M618

 

“Sufat Chol”

 

“Réparer les vivants”

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