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Quinta-feira, Abril 25, 2024

No aniversário do assassínio de Sheikh Mujibur Rahman

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Assinala-se hoje o quadragésimo segundo aniversário do golpe militar que massacrou o então Presidente da República do Bangladesh, Sheikh Mujibur Rahman, e toda a sua família, incluindo mulheres, uma delas grávida, e crianças.

A data é assinalada como dia de luto nacional no Bangladesh e foi também assinalada pela Liga Awami do Bangladesh na Bélgica, que me convidou a falar na ocasião e que me deu assim a oportunidade de reflectir sobre a importância de Mujibur Rahman na afirmação do secularismo no mundo muçulmano.

Como muitos outros muçulmanos da Índia, o jovem bengali muçulmano Mujibur Rahman acreditou na necessidade da partição da Índia na base das suas duas principais identidades religiosas e que essa partição seria possível sem originar brutais limpezas étnicas e sem transformar o Paquistão num estado confessional.

Mujibur Rahman como o líder do Bangala Ocidental

A 11 de Março de 1948, Mujibur Rahman é preso pela primeira vez pelas autoridades paquistanesas na sequência da sua participação, em Daca, nos protestos contra a ilegalização do Bengali, a língua falada no Bengala. Menos de um ano depois da criação do Paquistão, Mujibur Rahman tinha entendido o logro que tinha sido a criação do país.

Mujibur Rahman impõe-se ao longo das décadas seguintes como o líder do Bangala Ocidental, entremeando longas estadias nas prisões paquistanesas, com o activismo social e político onde se vai erguendo uma agenda política matizada pelo nacionalismo bengali, pela democracia, pelo secularismo e pelo socialismo. Passa brevemente pela administração do Bengala Oriental na sequência de episódicas eleições regionais, e torna-se no secretário-geral da ‘Awami Muslim League’, mais tarde apenas ‘Awami League’.

Quando, finalmente, se realizam as primeiras eleições nacionais livres paquistanesas, a 7 de Dezembro de 1970, Mujibur Rahman consegue a proeza não só de obter quase todos os lugares em disputa no Bengala Oriental mas de obter uma maioria absoluta parlamentar em todo o Paquistão, em eleições que penalizam fortemente os partidos islamistas.

Independência do Bangladesh

A oligarquia político-religiosa-militar que domina o país não aceitou o resultado das eleições e, em consequência, Mujibur Rahman declara a independência do Bangladesh.

As autoridades paquistanesas apoiadas por milícias formadas por extremistas islâmicos lançam uma campanha de repressão no país tendo por alvo toda a intelectualidade bangladeshi e todos os não muçulmanos, com um número de vítimas que as autoridades estimam ter atingido os três milhões de habitantes. O genocídio viria a ser apenas interrompido pela intervenção militar indiana.

A formação do Paquistão é influenciada pelo afrontamento bipolar mundial, e o país é visto como uma zona tampão que impede a junção entre a União Soviética e a Índia. Nos anos setenta do século passado, esta é também a perspectiva chinesa.

O genocídio do Bangladesh…

O genocídio do Bangladesh tem lugar a um outro crime contra a humanidade em grande escala que foi a revolução cultural chinesa, e uma e outra são silenciadas no Ocidente, por razões semelhantes. A guerra sino-soviética de 1969 no rio Ussuri foi vista pelo Ocidente como uma oportunidade estratégica de ganhar um novo aliado na luta contra a União Soviética, objectivo que justificou tudo, nomeadamente o completo silenciamento das egrégias matanças da revolução cultural.

No Bangladesh a muralha de silêncio foi muito menos eficaz, tanto porque o Embaixador dos EUA, Archer Blood, se recusou a alinhar na política traçada pela Administração Nixon (o ‘telegrama Blood’ continua a ser uma das principais bases documentais sobre a tragédia) como pela voz livre de alguns jornalistas de origem paquistanesa (Anthony Mascarenhas é o mais conhecido) como ainda, e fundamentalmente, porque algumas personalidades do mundo da cultura se dedicaram à denúncia do crime (Ravi Shankar ou Joan Baez são os nomes mais conhecidos).

O Bangladesh obtém a independência mas não obtém a paz. Impossibilitado de perseguir em justiça os autores paquistaneses dos crimes, confrontado com um país totalmente saqueado que foi submetido a catástrofes naturais de uma enorme dimensão, contando apenas com a solidariedade da Índia, com os dirigentes islamistas exilados em conspiração, o Bangladesh sobrevive dificilmente entre instabilidade e fome em massa até ao golpe militar de 1975.

Como nos explica em recente artigo do The Asian Age, August 1975: When the lights went out, o articulista Syed Badrul Ahsan, momentos depois do massacre, a rádio oficial noticiava a conversão do Bangladesh em República Islâmica, deixando assim clara a lógica ideológica do golpe.

… como Jihadismo moderno

Como tenho defendido, o genocídio do Bangladesh é o primeiro genocídio promovido pelo jihadismo moderno, e o Bangladesh é o primeiro grande campo de batalha desta ideologia fanática e totalitária contra a modernidade.

Como tento explicar no livro de que sou o principal editor saído recentemente (Terrorism revisited) aquilo que o Ocidente vê como uma vaga de terrorismo, é a ponta do iceberg de uma paranoia ideológica colectiva que fez a moderna Jihad que tem muito em comum com as outras duas grandes paranoias do século XX, o nazismo e o comunismo.

Quem quiser compreendê-la vai ter de entender a sua história e o papel principal do ‘Jamaat e Islam’ e do seu fundador, Maulana Maududi. A leitura que faço dessa história é que temos de nos juntar e escutar, aqueles que no mundo muçulmano, por exemplo, no Egipto, no Irão ou no Bangladesh, compreenderam melhor que quem quer que seja no Ocidente, o que temos pela frente e como devemos enfrentar o fanatismo jihadista.

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