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Sexta-feira, Abril 19, 2024

As crises da Europa

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Há um ano atrás reinava ainda grande expectativa sobre a capacidade do sistema político europeu fazer face a três importantes desafios colocados pelo chamado ‘populismo’ em três países chave, a França, os Países Baixos e a Áustria.
Em qualquer dos três casos o sistema político europeu conseguiu ultrapassar o desafio sendo que, entre outras coisas mercê da boa conjuntura económica, esses reptos aparecem hoje como mais longínquos e incapazes de subverter a conjuntura política europeia.

Contudo, nos Países Baixos, o governo formou-se a semana passada na base de uma heteróclita coligação de quatro partidos que não consegue transmitir estabilidade e confiança. Em França, um jovem presidente afirma-se como o esteio de uma Europa reinventada sobre os escombros do tradicional sistema político. Na Áustria, um ainda mais jovem chanceler conseguiu afastar do poder a extrema-direita mas em larga medida fazendo seu o essencial do seu programa.

Como era previsível, a chanceler alemã conseguiu vencer as eleições, mas com uma margem eleitoral e imagem pública muito diminuídas, não sendo certo que consiga formar uma coligação e evitar a sua demissão ou eleições antecipadas.

Na República Checa, um milionário fez um partido e ganhou as eleições, mas sem maioria absoluta. O partido do anterior primeiro-ministro – socialista – obteve 7% dos votos, atrás, por exemplo, do ‘Partido Pirata’, com mais de 10%. As condições de governabilidade são duvidosas.

Temos assim neste momento quatro Chefes de Estado da União Europeia (Polónia, Hungria, Áustria e Chéquia) identificados com o ‘eurocepticismo’ e ninguém poderá apostar que o que foi nas últimas décadas o motor da Europa que temos – a Alemanha – não virá a juntar-se a esse clube.

Espanha sem fim à vista

A situação mais grave é no entanto a dos nossos vizinhos espanhóis, incapazes de fazer face por via democrática ao independentismo da Catalunha. Se numa primeira aproximação poderíamos pensar que se tratava da incapacidade do Primeiro-ministro, é claro hoje que o problema é mais fundo.

A intervenção do monarca foi desastrosa; a comunicação social perdeu todo o sentido da proporção e entrou num frenesim de insulto e histeria; as vozes do bom senso foram sendo esmagadas e estamos na iminência de ver entrar em cena as divisões blindadas de Madrid que poderão transformar a península nos Balcãs dos próximos anos.

A Europa e todos os seus actores foram incapazes até agora da menor influência positiva no desenrolar dos acontecimentos, contribuindo mesmo para o agravamento da situação, confirmando que as instituições europeias não conseguiram equacionar de forma clara, consensual e aceitável uma posição programática sobre o fenómeno nacional, e que os seus dirigentes revelaram uma total incapacidade de liderança para ultrapassar a crise.

E isto tudo quando a Europa atravessa a sua melhor conjuntura económica e social da década.

E como será se também esta derrapar?

A construção económica e monetária europeia deve a ultrapassagem da crise existencial que enfrentou a Mario Draghi, governador do Banco Central Europeu, que contra a letra e o espírito dos tratados europeus fez com que o banco central se assumisse como o grande mecanismo financeiro europeu, à imagem do que tinha antes sido feito pelos seus congéneres japonês e americano.

Mario Draghi não estará no BCE para sempre e tão pouco é claro que ele esteja hoje disponível – como esteve em 2014 – para aceitar assumir a liderança do projecto europeu.

Angela Merkel é uma profissional do apaziguamento, e essa mesma característica que a torna extremamente perigosa quando lida com regimes que só conhecem a linguagem da relação de forças – como a Coreia do Norte e o Irão – permitiu fazer com que a bomba relógio da construção monetária fosse despoletada.

Sem a visão e o bom senso de Draghi e sem a bonomia de Merkel, com uma nova geração ‘populista’ que nada entende dos equilíbrios económicos, sociais, políticos e monetários europeus, há que temer o pior.

Neste ponto, é importante que se entenda que todas as soluções apontadas pela elite que se pretende iluminada para gerir a Europa falham o essencial e são incapazes de assegurar a estabilidade económica e monetária europeia.

E, no entanto, da mesma forma que poucos previram o alcance da revolução que Draghi impôs na política monetária europeia, não podemos também descartar a possibilidade de que ele venha a ter continuadores à altura.

Resta-nos esperar que isso aconteça!

 

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