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Sexta-feira, Março 29, 2024

A boa imagem de Costa arde nos fogos de verão

José Mateus
José Mateus
Analista e conferencista de Geo-estratégia e Inteligência Económica

A comunicação do Governo parece estar na praia, enquanto António Costa tem as barbas a arder no fogo de uma bem calculada guerra de informação.

Fogos que ardem bem à vista de todos (ao contrário do amor de Camões), e a comunicação do Governo parece que foi a banhos para se livrar desta caloraça arrasadora. Mas, enquanto essa comunicação parece andar a refrescar-se, é a boa imagem de António Costa que arde nestes “fogos de Verão” (título, muito a propósito, de um tema dos OqueStrada).

Se a comunicação do Governo não foi a banhos e está no seu posto, então, é culpada de não ter visto em tempo nada do que aí vinha e não ter sabido que fazer quando a coisa lhe caiu em cima. E o que aí vinha era um Verão de “guerra de informação”, programada com impecável timing… E a comunicação do Governo é, portanto, culpada de ambliopia e maior ingenuidade.

Julho costuma ser o mês das mais altas temperaturas e dos “tradicionais” incêndios que muito úteis são para abrir noticiários e fazer manchetes, numa altura do ano em que as notícias “as usual” escasseiam. É assim há décadas, como sabe qualquer conhecedor do universo mediático. Nunca, porém, ninguém que se oponha ao governo em funções se tinha lembrado de preparar uma campanha de guerra de informação para o momento em que a habitual tragédia começasse…

Como sabe também qualquer conhecedor do universo militar, as contas nos “armeiros”, frequentemente, acertam-se regularmente e podem surgir ocasiões em que as ditas não batem certo com o material em stock, sem que tenha havido “desvios” e muito menos “assaltos”.

E isso acontece sobretudo em quartéis ou bases que integram “forças especiais” (fuzos, comandos, paraquedistas e “operações especiais”) sempre sujeitas a inesperados exercícios com fogo real. Quando às três da manhã, surge o grito “cinco minutos para estar em cima das berliets”, a passagem pelos “armeiros” faz-se a correr e não há tempo para “papéis”, as contas fazem-se no regresso. Aliás, ficou famoso, há uns anos, o caso de uma “força especial” que aquando da contagem do seu material apresentava… um tanque a mais!

O que há a fazer nestas ocasiões é matéria do conhecimento dos responsáveis. Mas qualquer responsável sabe também que quem quiser facilmente arranja aqui uma “ganda bernarda”… Ou seja, uma mãozinha marota facilmente monta, a partir duma frequente situação destas, uma bela guerra de informação.

Só alguém que “não tenha ido à tropa” e também não saiba nada de “information warfare” é que não viu ao que vinha o “assalto a Tancos”! Aposto que o senhor ministro da Defesa nunca marcou passo, nunca “pagou 50” e nada sabe da organização e funcionamento dos paióis. Os jornalistas também não foram à tropa (volta SMO, estás perdoado… depois de Rui Rio, Passos e outros te terem assassinado) e até tivemos direito a “especialistas” (de televisões) que confundiam “carregamentos” com “carregadores”…

Não contentes com isto, a senhora PGR, vários responsáveis e a senhora ministra da Administração Interna (que não soube controlar informação sensível…) resolveram entrar em cacofonia absoluta, num espectáculo de gritos e apitos em que nem sequer a honra dos Comandos foi respeitada… E, será bom lembrá-lo, este regime deve mais aos Comandos do que a toda aquela gente da cacofonia.

A ministra da Administração Interna, conceituada especialista universitária da área da “segurança”, esqueceu-se que, quando chega o Verão, o seu cargo passa a chamar-se de “ministro dos incêndios” e paga um preço terrível por esse esquecimento e pela sua inexperiência em cargos executivos.

Dadas as características destes dois ministros, a comunicação do Governo deveria ter sabido antecipar fragilidades políticas, antecipar a possibilidade de uma guerra de informação e ter um plano condizente e consequente. E, sobretudo, proteger a figura do chefe do Governo. Ora, o que se vê é o contrário disso com António Costa a ter que subir à primeira linha para “tapar buracos” e “apagar fogos”… O que, aliás, tem sabido fazer muito bem mas quando isto acontece, quando o chefe do Governo tem de acorrer a “controlar o prejuízo”, é porque o resto falhou e, portanto, o resultado nunca pode ser bom, por mais brilhantes que sejam as intervenções do PM.

Por isso, a boa imagem de António Costa está “a arder nestes fogos de Verão”, nesta eficaz guerra de informação.

Costa é um homem de extraordinária racionalidade política e de grande rapidez de movimentos. Tem, por isso, a capacidade para transformar esta crise numa positiva surpresa estratégica e afirmar-se numa inédita dimensão de homem de Estado.

A Defesa e a Administração Interna (ministérios sempre pouco considerados pelo PSD e pelo PS) são, nos conturbados tempos deste mundo em mudança e na conjuntura portuguesa actual, ministérios absolutamente estratégicos e que só esperam por alguém que saiba o que fazer com eles.

Quando esse “alguém” chegar, o País dar-lhe-à o tempo político que ele precisar e os mandatos necessários para concretizar a sua ideia estratégica e dar um novo horizonte de desenvolvimento e segurança aos Portugueses. Dar-lhe-à o tempo político que o primeiro estadista português do século XXI precisar… Umas horitas de trabalho com uns “focus groups”, bem formados, demonstrarão facilmente isto mesmo à tal comunicação que parece ter ido a banhos.

Conheço António Costa há bem mais de trinta anos, sempre admirei a sua fulgurante inteligência e sempre tivemos uma boa relação. Sou ainda amigo da senhora sua mãe, a combativa jornalista Maria Antónia Palla, e do respectivo marido, o coronel Manuel Pedroso Marques, uma das poucas pessoas, em Portugal, com quem posso partilhar a minha paixão pelos estudos de estratégia. Nada a esconder, portanto. Mas as relações pessoais não podem nunca obnubilar a objectividade da análise. Está dito.

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