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Sexta-feira, Abril 19, 2024

UBI: Pior a emenda que o soneto

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Professor Universitário

Censura na UBI - Universidade da beira Interior

Na mesma semana em que se ficou a saber que neste “jardim à beira mar plantado” a nossa Justiça Penal deixou caducar todas as medidas de coacção de Ricardo Salgado, permitindo-lhe assim fazer o que bem entender, e designadamente fugir para o estrangeiro, tudo isto não obstante o rombo de dezenas de milhares de milhões de euros que provocou no Grupo Espírito Santo – tema a que decerto teremos que voltar –, os novos factos que se vieram a conhecer relativamente à censura na Universidade da Beira Interior apenas serviram para a confirmar em toda a sua extensão e, pior, para demonstrar a completa falsidade das “explicações” com que o Presidente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas a tentou justificar.

Com efeito, o referido Presidente prestou entretanto declarações à Antena 1 em 6/12/16 – declarações essas que agora já terá pretendido negar invocando não ter prestado qualquer “entrevista formal” à rádio mas que são perfeitamente audíveis em Conferência sobre o Saara ocidental opõe alunos e Faculdade na Universidade da Beira Interior – e elaborou 3 dias depois um mais extenso e refinado “Comunicado da Presidência da FCSH”.

Porém, se se analisarem com atenção e rigor essas duas tomadas de posição, facilmente se constatam os seguintes pontos:

  1. O Presidente nega ter proibido a realização da Conferência da iniciativa do Núcleo de Estudantes invocando que, como estes não terão acedido a outro modelo (com a intervenção da Embaixada de Marrocos, que só estaria disponível a partir de… Fevereiro de 2017!) e a outra data que Sua Excelência lhes pretendia impôr, o que fez foi… apenas cancelar a mesma Conferência.

Mas estamos a brincar ou quê? Então, aqui, “cancelar” e “proibir” não são rigorosamente a mesma coisa?!…

  1. O dito Presidente diz também ser falso ter cedido a pressões da Embaixada de Marrocos mas não só no “Comunicado da Presidência” invoca como razão próxima para a decisão que tomou o comunicado que a Embaixada de Marrocos lhe fez chegar em 2/12/16 como tenta emendar a mão relativamente ao que dissera à rádio, onde clara e explicitamente invoca que no comunicado da dita Embaixada era dito “não sei se têm noção disto mas, por exemplo, uma das pessoas que vai aí falar foi recentemente condenado em Tribunal de Espanha, a 17 de Novembro ou a 16 de Novembro, por crimes contra a Humanidade” (o que, aliás e como também já foi informado e esclarecido entretanto, não passa de uma refinada e gravíssima mentira).

E mais adiante, sempre para procurar justificar o injustificável cancelamento (leia-se, proibição) da Conferência, refere nas mesmas declarações à rádio esta outra coisa absolutamente espantosa:

“antevi a possibilidade de haver um problema, não é? Que é, imagine que a Embaixada avisou, nós não fizémos, continuámos sem ligar nada, eles podiam vir por aí abaixo, criar um conflito ainda maior, pôr isto nas redes sociais também e criar aqui um clima que para mim não era agradável” (sic!).

O que é então?!…

Ora, se isto não é ceder às posições e pressões da Embaixada de Marrocos, o que é então?!…

Mas onde a real natureza “académica” e “científica” da censura – e da personagem que a pratica – assume todo os seu esplendor é noutros dois pontos particularmente significativos daquilo em que se transformam hoje muitas das Universidades.

Por um lado, e ainda nas declarações à dita rádio, o mesmíssimo Presidente, depois de referir que os alunos que organizaram a Conferência pertencem ao Curso de Ciência Política e Relações Internacionais, profere esta notável afirmação:

“se por acaso o curso for beliscado em termos nacionais e internacionais é óbvio que isso vai ter impacto no número de alunos que nós possamos ter no futuro. E portanto, como Presidente, tenho que salvaguardar essa componente” (de novo, sic!).

Ou seja, o que verdadeiramente importa não é a justeza do princípio da liberdade académica mas sim as pretensas consequências para o número de alunos (e, logo, para o valor das propinas) que o exercício dessa liberdade possa ter.

Cereja no topo do bolo

Realmente, a Liberdade e a Democracia saem caras, e mais baratas e lucrativas são a Censura e a Ditadura…

Finalmente, e qual “cereja no topo do bolo”, o Presidente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, para procurar demonstrar que “nem a FCSH nem a UBI se opõem à luta pela autodeterminação do Sahara Ocidental”, invoca o absolutamente extraordinário “argumento” de que naquela Faculdade já ali foi defendida em 2012 uma dissertação de mestrado, orientada por dois dos seus professores e com o tema “Sahara Ocidental: Persistência e interesses de Marrocos na última colónia africana”.

Como?! Então agora constitui um “mérito” de uma Universidade que os respectivos e imperiais dirigentes magnanimamente permitam que o mestrando escolha o tema da sua dissertação??!! Ou não corresponde a realização de tal prova à mais basilar e exigível normalidade de uma qualquer instituição universitária digna desse nome?

Que tipo de “argumento” é este? Não quer ele significar precisamente a verdadeira monstruosidade de que a Faculdade até poderia ter impedido a defesa de uma dissertação com esse tema mas, como é “democrata”, não o fez???!!!

A pele de cordeiro de democrata cai então por completo e outra coisa não resta que não seja, como se faz na parte final do “Comunicado da Presidência”, apelidar as mais que justas críticas de “danos colaterais, infâmias e acusações irresponsáveis”, no truque, mais velho que o Norte, do ladrão que tenta fugir gritando precisamente “agarra que é ladrão!”…

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