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Sexta-feira, Abril 19, 2024

A City e o Brexit: a realidade e os arautos da desgraça

Jorge Fonseca de Almeida
Jorge Fonseca de Almeida
Economista, MBA, Pos-graduado em Estudos Estratégicos e de Segurança, Auditor do curso de Prospectiva, geoeconomia e geoestratégia, Doutorando em Sociologia

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Antes e depois do referendo em que os britânicos votaram livremente pela saída do seu país da União Europeia, reganhando a sua autonomia estratégica num numero alargado de questões desde a economia à defesa, os arautos da desgraça profetizaram a derrocada do centro financeiro global que é a City de Londres e a fuga dos bancos e outras instituições aí sediadas para outras paragens. Uns aventavam Paris outros Francoforte.

Agora que a poeira começa a assentar e que já todos percebemos que a sensata escolha do povo inglês não provocou nenhuma hecatombe económica é tempo de olhar a realidade da City e compreender qual o verdadeiro impacto do Brexit sobre a indústria financeira.

A City, centro financeiro do mundo

A City é o maior e o melhor centro financeiro do mundo estando, mesmo, à frente de Nova Iorque ou de Singapura quer em valor das transações, em número de instituições presentes e na qualidade dos operadores. Aí estão sediadas dezenas de milhares de instituições financeiras que actuam em todo o planeta.

Alguns dados ajudam a perceber a distância entre a City e outros centros financeiros. Um dos maiores mercados sediados em Londres é o mercado de divisas (Foreign Exchange). O valor transacionado em Londres é da ordem dos 5 mil milhões de dólares por dia. O segundo maior mercado mundial é o de Nova Iorque que movimenta apenas 0,2 mil milhões de dólares, não chegando a 10% do transaccionado em Londres.

Outros números: trabalham nos serviços financeiros de Londres cerca de 200 mil pessoas e mais de um milhão de pessoas no Reino Unido nas mais de 40.000 entidades financeiras registadas. Não se trata de um mercado exíguo, deslocalizável do dia para a noite, mas do maior do mundo.

Uma preocupação real é sobre o futuro dos milhares de profissionais da indústria financeira que trabalham em Londres e são provenientes de todo o mundo incluindo de países da União Europeia. Apesar de não haver indicação de que poderão ficar sem problemas é fácil antecipar que os bons profissionais serão protegidos não se prevendo qualquer expulsão de estrangeiros. Provavelmente serão tratados como os americanos, australianos, canadianos aí instalados.

Global Financial Centers Index

O Global Financial Centers Index constrói desde 2007 um índice em que avalia os vários centros financeiros do globo. Os 10 primeiros são por esta ordem: Londres, Nova Iorque, Singapura, Hong-Kong, Tokyo, Zurique, Washington, São Francisco, Boston, Toronto. Em 2016 depois do Brexit a ordem manteve-se. Neste índice Paris surge na modesta 29ª posição e Fracoforte na 19ª. Lisboa nem aparece no radar deste índice.

Acresce que o Reino Unido dispõe de outros centros financeiros estritamente ligados a Londres e que lhe dão um maior músculo, como é o caso do das ilhas Caimão, Jersey, Guemsey, Gibraltar, Ilha de Man, Edimburgo, Glasgow. Outros centros financeiros não pertencendo hoje ao Reino Unido trabalham em grande sintonia com Londres como é o caso de Hong-Kong e de Singapura.

Londres dispõe das infraestruturas, dos profissionais, da regulamentação, da reputação e do enquadramento que lhe permite liderar neste campo desde o século XIX. Não perdeu nenhuma destas vantagens competitivas. Nem os seus concorrentes as ganharam.

É apenas um sonho irrealista ou mera propaganda política destinada à opinião pública desinformada, defender que o centro financeiro mundial se poderia deslocar para centros de segunda ordem. A única deslocação previsível da indústria financeira é dentro de Londres com muitas instituições a deixar o congestionado centro londrino, a City, e a instalar-se na nova e moderna zona de Canary Wharf, local que em tempos passados era o cais a que aportavam os navios vindos das Canárias.

Empresas financeiras apoiaram o Brexit

Aliás muitas empresas financeiras britânicas financiaram e apoiaram o Brexit. A saída da União Europeia não teve, a curto prazo, qualquer impacto sério sobre a economia britânica para além de uma desejada desvalorização da moeda que ajuda a absorver a dívida pública emitida em libras e a aumentar as exportações. A longo prazo tudo indica que será favorável.

Recentemente um banco russo, o VTB (Banco do Comércio Externo), anunciou que pretendia encerrar a sua filial inglesa abandonando a City. Mas não se trata de uma debandada causada pelo Brexit mas uma reação às sanções que o Reino Unido em sintonia com os Estados Unidos estão a impor à Rússia.

A tensão com a Rússia por via do conflito Sírio, essa sim, pode vir a tornar-se uma ameaça à estabilidade da City, reduzindo a presença de instituições e diminuindo o volume de transações realizadas.

Para evitar que os seus ativos sejam confiscados no ocidente as grandes empresas russas reduziram o recurso ao financiamento em dólares junto do mercado londrino e repatriaram activos sediados no Reino Unido e noutros países ocidentais. Alguns bancos ocidentais estão já a sofrer pesadas perdas por esta razão.

É uma situação séria que merece ser acompanhada.

Nota do Director

As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores e não reflectem necessariamente os pontos de vista da Redacção ou do Jornal.

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