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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Comércio Internacional – como não fazer

O potencial do comércio internacional para aumentar a prosperidade já é conhecido desde há muito, sendo já estudado desde Adam Smith, David Ricardo, etc. No entanto, o comércio internacional também tem potencial para agravar as desigualdades e o impacto negativo da actividade humana sobre o meio ambiente – nomeadamente, por via das emissões causadas pelo transporte de mercadorias, cujas externalidades ficam por internalizar.

Ao encorajar o comércio internacional, os estados colocam-se numa situação em que o investimento pode responder, negativamente, com mais facilidade, a qualquer legislação que proteja o trabalho, ou a qualquer tentativa de fazer recair o financiamento do estado social sobre os grandes negócios.

A sua soberania para encontrar o grau de tributação e redistribuição adequados fica assim limitada e tende a verificar-se uma «corrida para o fundo», onde cada estado procura captar o investimento dos restantes desprotegendo o trabalho e erodindo a protecção social. No fim, quase todos perdem, mas as multinacionais ganham.

Por estas razões, os blocos comerciais mais importantes viram reforçado algum grau de integração política (veja-se o reforço do poder federal nos EUA durante a segunda metade do século XX, e a passagem da CEE à UE), essencial para evitar a desagregação social e a devastação da qualidade de vida da classe média por via da concentração excessiva da riqueza nas mãos de uma pequena proporção da população.

No entanto, no final do século XX e início do século XXI, a preocupação com as desigualdades de rendimento e de riqueza perdeu espaço no debate público, e foi neste mesmo contexto que surgiram vários acordos de comércio internacional sem qualquer tipo de integração política.

Um dos mais importantes foi o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (geralmente conhecido pela sua sigla em inglês NAFTA).

Os benefícios do NAFTA para a economia dos EUA foram, de acordo com as mais recentes estimativas (por Lorenzo Caliendo e Fernando Parro em 2014), de um «bem-estar» médio acrescido de 0.08% (associados a um aumento de 41% no volume de comércio).

Ao mesmo tempo, a análise empírica mais detalhada aos efeitos do NAFTA no mercado de trabalho (por Shushanik Hakobyan e John McLaren em 2016) mostra que os impactos salariais negativos entre a mão-de-obra não qualificada chegaram a atingir os 17%. Ou seja: o NAFTA gerou um aumento muito significativo do volume de comércio internacional, ganhos de eficiência quase insignificantes, mas teve um impacto muito perverso entre as comunidades mais afectadas, agravando assim as desigualdades.

O corolário desta iniciativa conhecemo-lo hoje: Trump ocupa a Casa Branca. Quão mais inequivocamente problemáticas poderiam ser as consequências deste tratado?

Existem muitas outras razões para continuar contestar o tratado entre a EU e o Canadá que foi votado favoravelmente no Parlamento Europeu no passado dia 15 de Fevereiro (o CETA), e textos futuros publicados nesta coluna deverão desenvolver esses temas. Mas a experiência do NAFTA e o impacto que teve no agravamento das desigualdades verificado nos últimos anos é sem dúvida uma delas. O significativo aumento de emissões, derivado do volume de negócios acrescido num contexto em que a humanidade se encontra à beira de uma catástrofe ambiental sem paralelo, é outra.

João Vasco Gama, membro da Plataforma Não ao Tratado Transatlântico

As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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