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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Crianças e jovens institucionalizados entram cada vez mais tarde no sistema de acolhimento

Joana Forte
Joana Forte
Jornalista e activista social. Presidente da associação Integrar Diligente

As crianças e jovens que se encontram nas instituições do Estado “chegam cada vez mais tarde ao sistema de acolhimento”, sendo hoje mais velhas, “mais complexas e mais exigentes” do que eram no passado.

A problemática das crianças e jovens sob custódia do Estado, as ditas “institucionalizadas” por razões de ordem diversa, tem ganho um maior mediatismo e contornos duma maior inquietação social quando nos últimos tempos temos sido confrontados com notícias que dão conta de situações de negligência e falta de ética profissional por parte de funcionários responsáveis pelos seus processos legais e mesmo situações de maus tratos perpetrados por elementos dessas mesmas instituições. Ou da situação de casais alegadamente considerados aptos para adopção, mas que chegam a estar anos sem fim para conseguir efectivamente adoptar uma dessas crianças ou jovens, muito fruto da burocracia extrema e justificativas pouco claras ou razoáveis dadas pelos respectivos organismos competentes.

A esta realidade acrescenta-se agora uma outra que dá conta de novas características e padrões relativamente a esta população “institucionalizada”. De facto e de acordo com dados divulgados num relatório do Instituto da Segurança Social (ISS) entregue ao Parlamento, se no ano passado, estavam à guarda do Estado 8175 crianças e jovens contra 12. 245 em 2006 , destas crianças e jovens em acolhimento, em 2016, 50% tinham entre 15 e 20 anos, quando há uma década esta percentagem era de 37,3%. Já a proporção de crianças entre os 0 e os 5 anos caiu de 12,3% para 6,9%.

As crianças acolhidas nos sistemas de acolhimento são hoje mais velhas

Assim e segundo o relatório Casa — Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens -, se por um lado existem menos crianças e jovens à guarda do Estado por terem sido retirados à família, os que se encontram nas instituições “chegam cada vez mais tarde ao sistema de acolhimento” o que levou a uma mudança das características desta população: as crianças acolhidas são hoje mais velhas, “mais complexas e mais exigentes” do que eram no passado, refere o ISS.

Este “envelhecimento” da população residente nos lares para crianças e jovens acaba também por alterar os seus projectos de vida para o futuro, sendo cada vez menos as que têm a adopção como uma opção e relativamente às mais velhas a preferência vai cada vez mais para o desejo de uma vida autónoma.

Esta mudança no padrão dos que foram retirados às famílias por estarem, de algum modo, em perigo, constitui, para a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, um “novo desafio” para o sistema de acolhimento, que tem agora de saber encontrar respostas adequadas “à cada vez maior afluência de adolescentes e jovens que chegam [às instituições] alguns já com “problemas de comportamento ou hábitos de vida com traços desviantes”. É com esse objectivo, acrescentou, que se vai proceder “à revisão da regulamentação das respostas de acolhimento de modo a adaptá-las” à nova realidade.

Este relatório acrescenta ainda que mais de metade das crianças e jovens que foram retiradas às famílias já tinham tido antes medidas de protecção, que acabaram por não resultar e das crianças e jovens que em 2016 viviam em instituições ou outras respostas, como famílias de acolhimento, existiam 1609 (20% do total) a quem foi prescrita medicação psicotrópica.

De acordo com este mesmo relatório, muitas das crianças e jovens que foram retiradas à família e colocadas sob a custódia do Estado, foram vítimas de maus tratos, negligência ou abusos, e têm muitas vezes outras problemáticas associadas, seja de comportamento, de consumos de substâncias, de doenças físicas, de saúde mental e de debilidade ou deficiência mental ou física. Os problemas de comportamento parecem ser os que assumem maior relevância sendo que 55% dos que apresentavam esta problemática tinham entre 15 e 17 anos.

Entre os jovens em acolhimento, 371 (4,9%) são ainda suspeitos ou estão acusados de terem praticado um crime, estando por isso sujeitos a medidas tutelares educativas, destinadas a menores até aos 16 anos.

Resultado alarmante

Outro resultado alarmante divulgado neste relatório é o facto de das 2936 crianças e jovens que entraram no sistema de acolhimento ao longo do ano de 2016, 485 terem sido encaminhadas em situação de urgência por estar em perigo a sua vida ou integridade física ou psíquica e quase metade já tinha sido alvo também de medidas de protecção anteriores.

Entre as situações de perigo a que muitas estiveram expostas, a negligência é a que assume um número mais significativo (72%), seguida das situações de mau trato psicológico (8,5%), maus tratos físicos (3,4%) e abusos sexuais (2,8%) e, segundo fonte do ISS, trata-se de problemáticas que, cada vez menos, se apresentam ligadas a agregados desfavorecidos, sendo a sua ocorrência “transversal” a toda a sociedade.

A permanência em lares de infância e juventude é a solução mais comum, abrangendo 88,1% das crianças e jovens que estão no sistema. Já as crianças em famílias de acolhimento representam apenas 3,2% dos menores no sistema. Em relação ao 1.º caso, apesar do princípio base da lei ser o de que o acolhimento deva ser uma solução “temporária”, a verdade é que 34% dos que se encontram em lares estão lá há quatro anos ou mais.

Ainda segundo fonte do ISS, o facto de os jovens estarem a chegar cada vez mais tarde ao sistema de acolhimento, dever-se-á a outro dos princípios basilares da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo de tentar manter os menores junto das suas famílias, mesmo quando estas estão assinaladas como podendo constituir um risco para eles.

De facto, e segundo Ana Sofia Antunes, “os jovens só são retirados quando se chega à conclusão que a família reiteradamente não cumpre o plano que lhe foi proposto”. Assim, dos 8175 que ali estavam em 2016, 52,3% já tinham sido alvo, no passado, de “medidas de protecção em meio natural”, ou seja, junto da família, que acabaram por não resultar.

Outro número que se destaca neste relatório é o facto de 2903 (35,5%) já terem estado em lares de acolhimento antes, tendo regressado à família para depois voltarem a ser retirados. Cerca de 600 somam já três ou mais experiências de acolhimento nas suas vidas.

 

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