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Sábado, Abril 20, 2024

Discriminação e racismo em contexto universitário

Joana Forte
Joana Forte
Jornalista e activista social. Presidente da associação Integrar Diligente

Jovens estudantes africanos moçambicanos denunciam situações de discriminação e racismo em contexto universitário.

No âmbito da minha tese de mestrado sobre o acolhimento e integração de jovens moçambicanos em Portugal, um dos resultados mais relevantes foi a constatação de situações de racismo e descriminação nas faculdades que muitos frequentaram e de que tive conhecimento pelos seus testemunhos. Desde não se conseguirem relacionar com os colegas que os excluem chegando a formar-se, e cito uma moçambicana, “os grupos dos brancos e dos africanos”, professores que inferiorizam alunos, questionando como conseguem ter boas notas sendo africanos, darem notas abaixo do merecido alegando que não sabem falar português, haver uma “preferência” por programas de Erasmus em que os alunos ditos “europeus” têm um bom acolhimento mas não existir para alunos dos PALOP, são exemplos enumerados por alguns dos entrevistados que, infelizmente, reflectem um número significativo de experiências negativas por estes vividas e que, em última instância, levam alguns a entrar em depressão e mesmo desistir, voltando para os seus países de origem.

Tendo por base o trabalho de fundo da investigadora moçambicana Sheila Khan sobre o percurso imigratório dos imigrantes africanos moçambicanos para Portugal no Moçambique pós-independência e as suas estratégias de aculturação na sociedade de acolhimento na sua obra “Imigrantes africanos moçambicanos: narrativa de imigração e identidade e estratégias de aculturação em Portugal e na Inglaterra”, este trabalho procurou, num certo sentido, mapear, no presente, a situação dos jovens migrantes moçambicanos em Portugal. Deste modo, através da recolha de dados empíricos qualitativos, procurou-se perceber que sociedade encontram, se de acolhimento ou de exclusão, nomeadamente através dos processos de integração que desenvolvem. São sobretudo jovens que nasceram em Moçambique depois da independência, que não conheceram a realidade da colonização e descolonização e que emigraram não pela emergência do novo Estado Moçambicano ou pelo conflito armado, mas por motivos económicos, sociais e pessoais, muitos deles bolseiros no âmbito da cooperação bilateral Moçambique-Portugal. Trata-se, assim, de jovens que cresceram num mundo globalizado e que reclamam uma maior integração na sociedade portuguesa, nomeadamente, através do acesso ao mercado de trabalho.

E em Portugal?

Tendo em conta o contexto dos estudantes africanos moçambicanos do Ensino Superior durante a sua estadia em Portugal, nos poucos estudos sobre imigrantes moçambicanos em Portugal, Ana Bénard da Costa é, tal como Sheila Khan, uma das principais referências neste trabalho. Entre outras questões, a autora analisou a questão da identidade social dos seus informantes. Nas suas palavras, “…o facto de muitas das identificações e oposições que estruturam a identidade social destes informantes durante a sua estadia em Portugal relacionaram-se com o facto de serem identificados e de se identificarem como africanos e negros e de serem vítimas de racismo ou de práticas discriminatórias nas suas vivências quotidianas”.

No que diz respeito a este grupo específico dos estudantes universitários, e ainda de acordo com Ana Bénard da Costa, a maioria dos seus informantes, como também no caso dos meus entrevistados, mencionaram ter tido algumas dificuldades de adaptação à vida em Portugal nos primeiros tempos e foram apontados como principais problemas situações de descriminação e racismo, questões relacionadas com as diferentes maneiras de falar e escrever português e também o pouco contacto com colegas portugueses que os chegaram a excluir, como relataram alguns dos meus entrevistados. De facto, se com o tempo, alguns conseguiram ultrapassar essas dificuldades e integrar-se nos meios académicos que frequentam, outros acabaram por se isolar e refugiar praticamente só nos estudos e contacto com outros africanos.

No que diz respeito à problemática do racismo, para Fernando Luís Machado, investigador social especialista na área da migração, o racismo em Portugal será um “infra-racismo” ou um “racismo fragmentado”, ou seja, um racismo não político, já que ele não encontra, no campo político ou partidário, os agentes de institucionalização activa que tem tido noutros países, mas o racismo será, ainda assim, um problema também na sociedade portuguesa.

De facto, para este autor e de acordo com sondagens de opinião promovidas pelos media, inquéritos do Eurobarómetro e alguns estudos sobre valores e representações têm, pelo seu lado, ao longo dos últimos dez a quinze anos, produzido um conjunto de resultados que, mesmo sendo contraditórios entre si e também ao nível da comparação europeia, não deixam de indicar a presença de atitudes preconceituosas e discriminatórias em sectores significativos da população portuguesa. Assim, pode-se concluir que o racismo, seja mais ou menos flagrante, é uma componente da sociedade portuguesa, por vezes escamoteada por discursos institucionais que procuram veicular a ideia de que em Portugal não existe racismo, mas as denúncias de racismo contrariam-no.

Relatos

Relativamente a este eixo de investigação sobre situações de descriminação e racismo, através das entrevistas que realizei, foram várias os interlocutores vítimas destas situações. M. foi uma das entrevistadas que as sentiu, tanto na escola como no local de trabalho. Disse-nos: …o que eu sentia na escola, da parte dos colegas, era que olhavam para mim como uma coitadinha que vinha de África e cheguei a sofrer “bullying”; inclusive na faculdade onde andei, no ISCTE, senti-me descriminada por parte de professores em relação aos colegas mesmo na atribuição de notas”

Também outra entrevistada sentiu descriminação ao longo do seu processo de integração, nomeadamente, na faculdade onde estudou. Disse-nos: …senti-me por vezes posta de parte pelos colegas que tinham uma dinâmica própria em termos de trabalho, ao ponto de ter que fazer sozinha trabalhos que eram em grupo. No primeiro ano foi difícil fazer amizades ainda mais que era a única africana na turma…a Escola Superior de Comunicação Social não tem um programa de acolhimento para estudantes que vêm de fora, sobretudo os africanos, só ligam aos do Erasmus…”

Também D. sofreu problemas de descriminação ao longo da sua integração, nomeadamente, na faculdade, onde os colegas não se relacionavam com ele nem com os outros moçambicanos e tinham inclusive: uma imagem de Moçambique como um país paupérrimo que nem sabiam onde era” Outra das situações reportada foi quando andou à procura de casa em que, mesmo com fiador, o senhorio desistiu à última hora quando viu que D. era africano.

Já C. sentiu não propriamente descriminação, mas exclusão, no acesso ao emprego por parte da pessoa que a estava a recrutar pelo facto de ainda não ter o Visto de Residente. Além disso, no dia-a-dia por vezes sentiu que as pessoas a olhavam com receio e desconfiança («desconfiança em relação às pessoas africanas» foi a expressão utilizada) e chegou a ser alvo de racismo, que relacionou como resultado de uma certa ignorância da pessoa que o manifestou por ter seguido o estereótipo do “negro”. Disse-nos C.: foi no Porto, onde quase não se vêem pessoas africanas, num café em que o empregado perguntou se eu iria pagar a conta”

Sim, discriminação e racismo existe em Portugal

Em conclusão, é possível afirmar que estes jovens imigrantes africanos moçambicanos residentes na Área Metropolitana de Lisboa não constituem um grupo bem inserido na sociedade de acolhimento, e sim uma minoria, no sentido de terem um acesso condicionado a alguns contextos de educação, de trabalho e de convívio social em relação ao grupo dominante, o dos portugueses.

À luz do que foi exposto, o presente trabalho mostrou como ainda são fortemente visíveis lógicas discriminatórias e a reprodução de estereótipos pejorativos que condicionam as práticas diárias dos imigrantes, não apenas nos contextos afectados por limitações económicas e sociais, mas também – o que é mais grave – em contextos culturalmente desenvolvidos, nomeadamente nas instituições do ensino superior que muitos desses jovens frequentam diariamente, nos locais de trabalho e mesmo no dia-a-dia. Isto leva-nos, assim, a uma posterior consideração, de que os processos de integração e acolhimento, no que à sociedade civil dizem respeito, ainda estarão num estado algo deficitário. É nesse sentido que se espera que futuros esforços de pesquisa nessa área possam também ter mais ressonâncias fora das paredes das universidades e se traduzir em acções mais efectivas que contribuam para a promoção da inclusão das diferenças.

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