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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Exploração do Trabalho Infantil ajuda carros a brilhar

A denúncia é feita pelo jornal de referência britânico The Guardian, através da publicação de uma peça de investigação que levou Peter Bengtsen e Annie Kelly até Jharkhand e Bihar, na Índia.

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Fonte: The Guardian

 

«A pintura utilizada por construtores de carros como a Vauxhall, a BMW, a Volswagen e a Audi está associada a minas ilegais, localizadas na Índia, que recorrem a trabalho infantil e a um trabalho forçado para pagamento de dívidas contraídas pela população.

Alguns dos maiores construtores de carros, como a Volkswagen, a BMW, a Vauxhall e a Audi estão a investigar as suas redes de fornecimento de tinta para pintura dos veículos, após o The Guardian ter descoberto a interligação entre os seus fornecedores e as minas ilegais, na Índia, onde o trabalho infantil e o trabalho forçado estão a aumentar.»

Para os que achavam que o crime de exploração do trabalho infantil estaria erradicado em pleno  século XXI, desenganem-se. Segundo o The Guardian, «crianças com cerca de 10 anos trabalham nas minas de mica, um mineral que cria uma pintura brilhante para carros, usada em milhões de viaturas em todo o mundo.»

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E acrescenta «Embora não seja do conhecimento da maioria dos consumidores, a mica é muito valorizada pela sua capacidade de reflectir e de refractar a luz. Em 2014, a indústria de cosmética esteve debaixo de fogo devido à utilização de trabalho infantil nas suas redes de fornecimento de mica. No entanto, a mica é também largamente utilizada por outras indústrias globais.

O Governo Indiano comprometeu-se a pôr cobro ao trabalho infantil na sua indústria de mica, ao criar um pequeno mas oficial número de minas de mica que são agora fiscalizadas no que se refere a abusos laborais e ambientais.

Contudo, as minas ilegais continuam a aumentar e, segundo as estimativas dos defensores dos direitos da criança, cerca de vinte mil crianças trabalham em centenas de minas de pequena escala na zona norte, em Jharkhand,e a sul, em Bihar.»

De acordo com o testemunho dos jornalistas do The Guardian, em várias visitas que efectuaram este ano a minas ilegais no sub-distrito de Tsiri no estado indiano de Jharkhand, «documentaram a presença de crianças de 12 anos que extraíam mica do subsolo, em condições perigosas, nos poços das minas, arrancando bocados de rocha brilhante nas paredes e transportando cargas pesadas através de túneis escorregadios. Acima do solo, meninas com cerca de 10 anos separavam a mica dos outros materiais da mina.»

«Muitas destas crianças trabalham nas minas ao lado dos seus pais e irmãos, para os quais a mina é a única fonte de rendimento. Muitas famílias estão presas às minas por grandes dívidas contraídas junto das casas de crédito detidas pelos donos das minas que cobram cerca de 200% de juro anual.

Nuvens pequenas e brilhantes de partículas de mica envolvem a pequena Dharini, de cerca de 13 anos, enquanto ela transporta blocos de mica dos poços da mina até ao local onde grupos de crianças pequenas fazem a escolha entre montes espalhados no chão. Dharini diz que tem trabalhado em minas, extraindo mica das encostas montanhosas, desde que se recorda e que nunca foi à escola.

Diz ela, “tenho ajudado a minha mãe aqui na mina todos os dias porque eles precisam da minha ajuda por causa do dinheiro”. Tal com a sua mãe, Dharini recebe cinco libras por uma semana de seis dias de trabalho.

A sua mãe, Basanti, passou também a sua vida a trabalhar nas minas. “ Todas as noites, nos sentimos doentes, após o trabalho, com náuseas e é difícil respirar devido ao pó, mas não temos alternativa, este é o único trabalho”.

Quando lhe perguntamos se a filha vai à escola, ela diz: “A minha filha trabalha comigo porque precisamos do dinheiro para sustentar a família.”

A umas horas de distância, noutra mina, mais crianças trabalham ao lado das suas famílias. Simitra, uma mãe de duas crianças, de 45 anos, diz que toda a família trabalha apenas para tentar pagar os juros de um empréstimo de duzentas libras que fizeram em 2014, depois de o marido ter contraído tuberculose.

Nenhuma das famílias que aqui trabalha sabe para onde vai a mica que arrancam das paredes de rocha, muito menos sabem que são o primeiro elo de uma rede de abastecimento complexa e global que se espalha por todo o mundo.

“A mica natural integra numerosos produtos sem que as pessoas se apercebam dado que não consta como ingrediente nas tintas para carros, tintas decorativas, produtos plásticos, secadores de cabelo, torradeiras e muitos mais. O trabalho infantil faz parte do nosso dia a dia mas ninguém sabe isso”, disse Aysel Sabahoglu, um responsável pelos direitos da criança, a Terre des Hommes Netherlands, uma ONG holandesa que trabalha para proteger os direitos das crianças.»

Quem faz estas campanhas afirma ser impossível diferenciar a mica proveniente das minas legais da mica proveniente das centenas de pequenas minas ilegais no sub-distritos de Jharkland e de Bihar.

mica

 

A Índia produzia oficialmente cerca de dezanove mil toneladas de mica em bruto e em aparas, em 2013-2014, contudo exportava seis vezes mais – cerca de cento e vinte e oito mil toneladas – de acordo com o último relatório do Ministério das Minas.

A mica extraída das minas ilegais é vendida a redes de comerciantes locais que vendem o mineral a companhias exportadoras indianas. É, em seguida, transportada para Calcutá e despachada para companhias estrangeiras que a transformam nos pigmentos nacarados usados na indústria.

Os jornalistas que desenvolveram esta investigação estabeleceram a ligação de três minas no subdistrito de Tisri a três exportadores indianos: Mohan Mica, Pravin e Mount Hill. Um dos seus maiores clientes será a Fujian Kuncai, uma companhia chinesa, cujo website apresentava uma lista (documentos em pdf agora removidos) de clientes que incluíam gigantes da cosmética, como a L’Oréal, a Proctor & Gamble tal como a PPG e a Axalta, duas das companhias lideres mundiais da indústria de pintura de carros, um negócio de 19 mil milhões de dólares.

«Em e-mails enviados ao The Guardian, a Axalta e a PPG confirmaram que utilizam mica natural nos seus materiais de pintura. A Axalta confirmou ainda que obtém estes pigmentos da Fujian Kuncai. A PPG recusou dizer se era cliente da Fujian Kuncai, afirmando: “Faz parte da política da empresa da PPG não discutir as suas relações com fornecedores específicos”.

A PPG e a Axalta são fornecedores das mais importantes companhias de automóveis. Contactadas pelo The Guardian, algumas dessas empresas afirmaram estar a investigar junto dos seus fornecedores, com base nessas alegações. A BMW, que detém a marca Mini, afirmou que as suas investigações descobriram que dois fornecedores tinham laços directos com a Kuncai e que tinha sido aberta uma investigação interna.

A Fujian Kuncai disse estar a conduzir inquéritos aos seus três fornecedores indianos mencionados na investigação.

“Foi para nós um choque saber que três dos nossos fornecedores foram citados… e que os associou a minas que exploram trabalho infantil”, disse Mike Tijdink, o gestor de marketing para a Europa da Fujian Kuncai.

“Para nós, é totalmente inaceitável a existência de trabalho infantil na nossa rede de abastecimento e nós iremos agir em conformidade. As conclusões apresentadas na vossa investigação diferem das nossas informações dos últimos anos, dado que as nossas inspecções nos locais e os acordos com os nossos fornecedores excluem qualquer envolvimento neste assunto.”

A Axalta declarou: “ A Fujian Kuncai é um dos nossos fornecedores… A Axalta utiliza alguma mica natural que integra os pigmentos nacarados usados em certas fórmulas de tintas. Os contratos e termos de aquisição padrão da Axalta – que estão em vigor com a Fujian Kuncai – estipulam que os seus fornecedores estão proibidos de usar trabalho forçado.

Exigimos que os fornecedores cumpra toda a legislação, códigos, regras, regulamentos, ordens e instruções legais aplicáveis, incluindo as que se referem a protecção ambiental, à energia e ao trabalho e a todos os códigos e padrões da indústria que sejam aplicáveis”.

Um porta-voz da PPG afirmou: “ A PPG não tolera o uso de práticas de trabalho impróprias a qualquer fornecedor. O código de conduta para fornecedor da PPG proíbe o recurso a trabalho infantil e expressa que os fornecedores devem cumprir o limite mínimo da idade de empregabilidade definido pela regulação ou Lei nacional e cumprir com os padrões relevantes da OMT, Organização Mundial do Trabalho.”

Embora a mica seja também extraída na China, nos Estados Unidos e na Europa, Jharkhand e Bihar contribuem com o valor estimado de 25% da produção total mundial. Cerca de 60% da mica extraída nestes distritos são transformados em pigmentos nacarados para exportação

O artigo cita Phil Bloomer, director executivo da Business & Human Rights Centre que afirmou que “as companhias que utilizam mica natural da Índia têm que começar a entender o risco que constitui a entrada de produtos de minas ilegais e não regulamentadas nas suas cadeias de fornecimento.

Existe uma enorme diferença abismal entre o que a Índia aparentemente produz e o que, de facto, exporta, o que indica claramente a existência de mineração e operações ilegais”, disse.

“Ninguém deseja a praga do trabalho forçado ou infantil nas suas redes de fornecimento, mas com a cada vez maior produção encapotada, necessitamos mais do que uma mera fiscalização ao aparente “fornecedor” para eliminar a escravatura moderna das redes de fornecimento. Demasiadas companhias compram com um olho bem aberto para o preço e o outro fechado para os abusos”.

A Fujian Kuncai informou que os seus fornecedores devem assinar um contrato garantindo não haver trabalho infantil nas suas fábricas e minas. E contribuiu com quinhentas mil libras para um projecto com a Terre des Hommes que pretende erradicar o trabalho infantil das comunidades da mica em Jharkhand em três anos.

Respostas das construtoras de automóveis

Volkswagen (que detém a Audi):

O trabalho infantil está proibido pelos nossos padrões de sustentabilidade e não é tolerado no Grupo Volkswagen… Os nossos fornecedores de tinta asseguraram à nossa equipa ad hoc que cumprem esses nossos padrões. Alguns dos nossos fornecedores confirmaram ter negócios com a empresa chinesa Kuncai. Nós estamos empenhados em conjunto com estes importantes fornecedores numa maior avaliação das denúncias e na avaliação da necessidade de implementar um plano de acção para a sua resolução.

Vauxhall (faz parte do grupo GM):

A GM confia que os seus fornecedores sejam honestos, humanos e cumpridores das leis laborais e que exijam o mesmo dos seus sub-contratados. Estes requerimentos constam nos termos e condições dos contratos de compra padrão da GM que estabelecem uma política de tolerância zero no que se refere ao recurso a trabalho infantil, tratamento abusivo aos funcionários ou práticas de negócio corruptas no fornecimento de bens e serviços à GM que irá conduzir uma investigação profunda a esses fornecedores atendendo às denúncias.

BMW:

“ A nossa equipa de controle da rede de fornecimento encontra-se a investigar a vossa queixa. As conclusões iniciais sugerem que dois dos nossos fornecedores podem, de facto, estar a obter, indirectamente, materiais da Fujian Kuncai Fine Chemicals Co. Ltd. De acordo com as nossas linhas de orientação, pedimos a esses dois fornecedores que respondessem a essas denúncias…. O grupo BMW não tolera a utilização de trabalho infantil na sua rede de fornecimento. Se as denúncias forem comprovadas, faremos tudo no sentido de garantir que a empresa em causa não constará, no futuro, da nossa rede de fornecimento.»

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