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Quinta-feira, Abril 18, 2024

Para Fernando, de Christiane: uma história real

Christiane Brito, em São Paulo
Christiane Brito, em São Paulo
Jornalista, escritora e eterna militante pelos direitos humanos; criou a “Biografia do Idoso” contra o ageísmo.  É adepta do Hip-Hop (Rap) como legítima e uma das mais belas expressões culturais da resistência dos povos.

Fernando é português, mora em Trás-os-Montes. Christiane é brasileira, mora em São Paulo.
Fernando tem 19 anos, Christiane tem 14 anos. Fernando manda carta para uma revista no Brasil, diz que tem vontade de se corresponder com uma brasileira.  Christiane lê sempre a revista, gosta da seção de correspondência. Escreve para Fernando. Apresenta-se em poucas linhas, aumenta a idade.

Fernando responde prontamente, em resposta de muitas páginas, num envelope que chega com carimbo do estrangeiro.  Christiane fica enamorada de tanta conversa fluente, tanta cumplicidade, talvez a primeira que estabeleceu com um estranho.

Fernando vai se revelando, diz que só se apaixonou uma vez, pela irmã de um amigo, coincidentemente chamada Fernanda.

Christiane já não se lembra se levava as cartas ao Correio ou se alguém, o pai, levava por ela. Lembra-se muito vividamente da letra redonda de Fernando. Do momento em que recebia a carta nas mãos, ou a pegava depositada à porta de sua casa e lia tanto.

Fernando talvez tenha se apaixonado de novo, platonicamente, pela brasileira que lhe escrevia assiduamente. Propôs que trocassem fotos. Christiane não gostava de tirar fotos. Nem se achava bonita. Fernando enviou a foto.Christiane nunca mais escreveu desde que viu a farda de soldado.

Fernando julgou que a menina o tinha achado feio demais. Fernando era pobre e tinhas traços de negro. Escreveu para Christiane recriminando-a sem clemência. Christiane assustou-se. Não era nada daquilo, deixara de escrever porque achou que Fernando já era homem demais para a menina que ela ainda se sentia e era.

Christiane escreveu explicando tudo. Fernando aceitou as explicações. Então contou que o Exército o havia recrutado para uma guerra em Angola. Christiane percebeu que a situação era muito grave. Respondeu, solidarizou-se, pediu que tivesse muito cuidado.

Trocaram mais duas lindas cartas. Christiane escreveu por último.

Fernando silenciou sem justificativa. Christiane achou que Fernando poderia estar ferido até mesmo morto. Preocupou-se muito!

O tempo e a distância pareceram confirmar a conclusão funesta de Christiane. Que nunca enviou foto, embora houvesse separado uma para enviar ao novo endereço. Desde então a menina passou a viver com Angola no coração.[1]

[1]Passados mais de 40 anos, eu, Christiane, nunca me senti tão luso-angolana quanto agora.

A autora escreve em português do Brasil

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