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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Teremos festa no 8 de maio francês

A França comemora nessa segunda-feira mais uma vitória contra fascistas, racistas, antissemitas e conservadores de todos os matizes. Falo do feriado nacional de 8 de maio, comemoração da vitória contra os nazistas em 1945.

Mas poderia estar falando também da provável vitória contra o Front National, partido fundado por fascistas, racistas, antissemitas e conservadores de todos matizes. Infelizmente, a história demonstra que Brecht, ao se referir ao nazi-fascismo, havia razão ao afirmar que «o ventre ainda está fértil de onde saiu a besta imunda». Pois, se em 2002 Jacques Chirac esmagava a «besta imunda » Jean-Marie com 82% dos votos, pensou-se que a «bestinha» Marine Le Pen ganharia no mínimo o apoio de 40% dos eleitores no domingo, 7 de maio, mais que dobrando o resultado de seu pai. Do que escapamos com a vitória de Emmanuel Macron?

Com Le Pen filha, a repressão aos movimentos populares seria impiedosa. Por quê ? A França vive hoje sob um Estado de Emergência devido à ameaça terrorista. Se esta situação de exceção não chega a abalar o Estado de Direito, ela dá ao Executivo uma larga margem para impedir toda ameaça à ordem pública, incluída aí toda manifestação social ou política. Esta margem fragiliza as liberdades democráticas e, dependendo de quem usa este poder de exceção, suas consequências podem ser nefastas.

Quando a oposição operária e popular fez passeata em Paris contra a lei «El Khomri» que acabou na prática com as 35 horas semanais de trabalho e com a estabilidade no emprego, o governo do PS evitou ao máximo reprimir os manifestantes, mas sofreu críticas da direita e sobretudo da extrema-direita por não «aplicar» o Estado de Emergência contra os manifestantes. O argumento do governo Hollande foi de que a manifestação social não representava perigo terrorista, mas a inspiração fascista que ronda a direita e inspira Le Pen não hesitou em exigir «ordem» no país.

Aqui um causo resume bem o que seria um governo Le Pen. Numa escola primária da grande Paris, em fevereiro deste ano, pais de um aluno pediram um atestado à diretora. Mas eles discordaram dos termos usado no documento que lhes foi fornecido. No hall da escola, eles  insistiram para que ela mudasse o texto. Autoritária, elitista, xenófoba e com reputação de racista, a diretora lhes tomou o atestado das mãos, rasgou-o, jogou-o no lixo e, aos gritos, disse-lhes para saírem da escola. Os pais em nenhum momento tiveram uma posição desrespeitosa ou agressiva, sequer levantaram o tom de voz, mas adivinhe se eles eram brancos e nascidos na França? Obviamente que não… Após saírem da escola, eles foram abordados por uns cinco soldados da operação sentinela, responsável por ações antiterroristas, chamados pela diretora contra o casal. Um zelador saiu da escola e explicou que o casal não era terrorista… O capitão do exército que comandava a ação pediu então para entrar na Escola, deu um sermão na diretora, exigiu que ela reimprimisse o atestado rasgado para entregar aos pais, mesmo que não modificado, e liberou–os para irem embora. Aqui, a lei de exceção poderia levar este inocentes, mas não nascidos na França nem brancos, à cadeia e até a um julgamento por perturbação da ordem pública, não fosse o republicanismo e bom senso do militar.

Com Le Pen no poder, toda a hierarquia do Estado seria colocada à mercê de uma escória racista e xenófoba e as trevas dos anos 1930 podem se abater por todo o país, uma vez que a vitória ainda não está assegurada. O feriado de segunda-feira foi um dos problemas para Macron, porque muitos de seus potenciais eleitores viajam (o voto não é obrigatório). Mas o feriado é menos importante que dois acontecimentos nestes 15 dias que separaram I e II turno. Na primeira semana, diante de uma fábrica de máquinas de lava-roupa que fechava suas portas para ir se instalar na Polônia, Macron e Le Pen foram ao local. Macron se reuniu com os sindicalistas, dentro da fábrica. Le Pen foi ao encontro do povão que estava no estacionamento. De 62% na noite do I turno, Macron passou a 58% e Le Pen subiu para 42%. O medo se instala, e se temos menos de 10% de um lado e mais 10% do outro, uma dinâmica Le Pen estaria se instaurando?

Todavia, veio o debate na TV da última quarta-feira e Le Pen pai parece ter aconselhado a filha a imitá-lo. Misturando risadas vulgares, ironias de mau gosto, a candidata Le Pen se esfarelou diante do sangue-frio e do domínio que Macron apresentou sobre os temas discutidos. Perdida em meio a uma papelada que manipulava sem destreza, a filha da «besta imunda» dava adeus a uma imagem de estadista que nunca teve. A dinâmica das intenções de voto  voltaram a ajudar o antigo ministro da Economia do governo socialista, fazendo-o subir aos primeiros 62%. Como nenhum acontecimento extraordinário ocorreu até domingo, nessa segunda-feira 8 de maio a comemoração antifascista é dupla: por 1945 e por 2017.

Guilherme Cavalheiro, em França
Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e ex-professor da UFRN de 1995 a 2005

O autor escreve em português do Brasil

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