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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Geringonça na Saúde

Pela sua elevada importância para a adequada compreensão de alguns processos menos claros em curso no Serviço Nacional de Saúde publicamos abaixo, na íntegra, um comunicado da Federação Nacional dos Médicos.

A chamada Reforma da Saúde Pública e a destruição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA)

O nosso país está confrontado com um grave problema de consequências imprevisíveis devido a um rocambolesco processo de reforma da Saúde Pública com contornos de que não há memória nos anais da história portuguesa moderna.

Na ausência de qualquer estudo de natureza científica e após mais de um ano de trabalhos contínuos e de comissões sucessivas, a reforma da Saúde Pública traduziu-se num projeto de programa avulso e paralelo à abordagem sistémica (“Literacia e autocuidados”), num documento genérico de âmbito local (“Uma nova ambição para a saúde pública focada nos serviços locais”) e numa tentativa de compilação legislativa.

Em agosto de 2016, a primeira versão desta compilação legislativa estava em vias de ser enviada para o Conselho de Ministros, quando foram tornadas públicas por várias organizações do setor, entre as quais a FNAM, críticas severas ao seu conteúdo.

A proposta foi retirada e em seu lugar foi criada a atual comissão de reforma, presidida pelo Diretor-Geral da Saúde, cuja constituição e funcionamento bem poderia constituir um case study de atropelos e desgoverno.

Esta fase do processo culminou com o envio intempestivo para o gabinete do Ministro da Saúde do mesmo documento revisto, mas não consolidado e, ao contrário daquilo que o referido diretor-geral chegou a afirmar, não mereceu a aprovação unânime dos participantes,

Uma crítica unânime, reiterada e comum a quase todos os participantes na comissão, prendeu-se com o facto do projeto de lei surgir na ausência de um documento enquadrador da organização estratégica do sistema de saúde, constituindo o projeto um documento cego, acéfalo e avulso.

Sem um pensamento estratégico que sustentasse o trabalho a desenvolver, à comissão foi também negada a participação do seu principal parceiro natural: a comissão da reforma dos cuidados de saúde primários.

O projeto de compilação legislativa foi aprovado na generalidade na Assembleia da República em janeiro passado, mas o Diretor-Geral da Saúde, beneficiando de uma impunidade política inexplicável, já colocou a comissão, sub-comissões e sub-sub-comissões a trabalhar árdua e freneticamente na regulamentação desta lei.

Como sempre, esta atividade está a ser efetuada sem qualquer contextualização e sem qualquer articulação entre as várias componentes desta área.

Este conturbado e pouco claro processo de reforma sofreu mais uma severa machadada com a recente proposta de integração do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge na Universidade Nova de Lisboa e a sua dependência do Porto (Centro Gonçalves Ferreira) na Universidade do Porto, com a anuência das duas tutelas.

Assim, a única instituição do País com capacidade para se constituir num verdadeiro instituto nacional de saúde, como a maior parte dos países desenvolvidos e todos os países da União Europeia possuem, é liquidada.

Ficam claras agora quais as reais intenções subjacentes àquela nebulosa comissão de reforma e compreende-se que, enquanto o referido diretor-geral iludia as questões colocadas pelos participantes, desenvolvia silenciosamente o seu efetivo projeto para o desmantelamento das já insuficientes estruturas de Saúde Pública existentes no nosso País.

A FNAM denunciou, em tempo oportuno, todas estas lamentáveis manobras atentatórias da Saúde Pública, que surgem com o objetivo aparente de satisfazer desvios concentracionários e algo frívolos, mas que na realidade visam amputar o sistema de saúde português de instituições e instrumentos que possam comprovar os efeitos negativos na população portuguesa de políticas determinadas por interesses obscuros e subterrâneos.

Com esta inacreditável medida, Portugal regride para lá do sec. XIX, como nenhum país alguma vez regrediu nos tempos modernos. Não temos dúvidas: sem o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, a saúde dos Portugueses passará estar para sempre na “melhor” das situações porque não haverá nenhuma instituição independente que vigie o seu estado, que faça diagnósticos isentos e que desenvolva formas de apoiar técnica e laboratorialmente o trabalho dos profissionais no terreno.

Com uma medida desta enorme gravidade, o que está subjacente é o cumprimento de mais uma etapa no desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, pois não é possível conceber a viabilidade e sustentabilidade de um serviço público de saúde sem fortes e qualificados organismos na área da Saúde Pública.

E o que está a acontecer é o desenvolvimento de uma política de desmantelamento do SNS.

Até quando se manterá esta já escandalosa impunidade de atuação? Até quando iremos ficar sujeitos a políticas irresponsáveis mas de consequências gravíssimas para a saúde e o futuro dos Portugueses?

Lisboa, 11/4/2017

A Comissão Executiva da FNAM

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