Diário
Director

Independente
João de Sousa

Sexta-feira, Março 29, 2024

Good Morning, BREXITERS, are you happy now?

João de Almeida Santos
João de Almeida Santos
Director da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração e do Departamento de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais da ULHT

brexit-vs-europe

A pergunta tem cada vez mais sentido, à medida que vai passando este tempo PÓS-BREXIT. Paira no ar! Mas encontrei-a num artigo do correspondente em Londres do “La Repubblica”, Enrico Franceschini, que, relatando a trajectória recente da libra esterlina, referiu esta pergunta maliciosa que, sobre o assunto, começa a correr nas redes sociais inglesas.

A City em risco

A libra está praticamente igual ao euro, tendo sofrido uma enorme desvalorização depois do BREXIT. Perdeu um quinto do valor em menos de um ano (15%, desde o referendo). Num aeroporto de Londres até já é trocada a 97 cêntimos! Agora é o Presidente e Administrador Delegado da British Bankers’ Association, Anthony Browne, num texto publicado em 22.10, no Observer/Guardian (“Brexit politicians are putting us in a fast track to financial jeopardy”), a alertar para o enorme perigo de se vir a construir – por erro de Londres, mas também de Bruxelas – um muro no Canal (da Mancha) que, “in order to force jobs from London”, divida em dois o mercado financeiro integrado europeu, percorrendo, afinal, com o maior parceiro comercial da União, o Reino Unido, um caminho inverso àquele que normalmente é seguido em qualquer negociação bilateral para desenvolver as trocas comerciais.

Um caminho em sentido oposto ao que, afinal, neste momento, já está em curso com os EUA e o Canadá e que poderá resultar numa perda de cerca de 20% da facturação da CITY. O título do texto de Browne diz tudo: os políticos do BREXIT estão a pôr-nos rapidamente no caminho certo para o risco financeiro. E, na verdade, o resultado do BREXIT (e do modo como já está a ser conduzido o processo da saída) não se fez esperar: os maiores bancos – designadamente o 2.º maior banco russo – já estão a preparar a saída (pelo menos parcial) para o primeiro trimestre de 2017, sendo que os mais pequenos poderão sair já antes do fim do ano. Quem o diz é precisamente este homem da CITY: Anthony Browne.

Não é por acaso que ele, no começo do artigo, refere a atmosfera sombria que se verificou na recente “Banking Industry’s Annual Conference”! Na verdade, é muito o que está em jogo: “os serviços financeiros como um todo empregam mais de um milhão de pessoas, dois terços fora de Londres”, arriscando-se a perder cerca de 70 mil postos de trabalho (com uma perda de cerca de 10 mil milhões de libras em impostos).

Como diz Browne: “Banking is probably more affected by Brexit than any other sector of the economy”. E, segundo informações de um documento reservado do Ministério do Tesouro (revelado pelo “Times”), a saída do Reino Unido da União e do mercado comum europeu implicará globalmente a perda de cerca de 73 mil milhões de euros por ano (em impostos), equivalente a um décimo de todos os impostos arrecadados, e uma queda de cerca de 9,5% do PIB.

Mercado Interno e Migrações

Com este panorama, continuarão, felizes, os BREXITERS a festejar a vitória? A saída deveu-se, como se sabe, a um referendo, esse instrumento malfadado de democracia directa que tantos problemas tem causado ao processo de integração europeia, como aconteceu com a rejeição do Tratado da Constituição Europeia (assinado em 2004) em França e na Holanda, em 2005, por referendo.

A tensão entre Londres e Bruxelas é evidente, como se viu na primeira reunião europeia de Theresa May com os Líderes da União. Quer mostrar-se dura? François Hollande também, e responde no mesmo tom, dizendo que ela terá de pagar um preço pela saída.

Nesse ninho de pombas que, arrulhando, “rosnam”, de que falava Donald Tusk – e a que se referiu Browne –, as negociações serão, de facto, pouco pacíficas, tendo como nó central a permanência do Reino Unido no mercado comum europeu versus livre circulação de trabalhadores e políticas de migração/refugiados. O problema é complexo e difícil, até porque, como diz Browne, “there is a consensus that the EU’s integrated financial market is one of its great success stories”. E do sucesso todos gostam! Muito mais do que de refugiados!

Mas há, de facto, países que não estão na União, como a Suíça ou a Noruega, e que partilham este poderoso espaço económico e financeiro. Espaço decisivo para a CITY, como se viu, mas também para muitas das praças financeiras do continente que não enjeitarão a possibilidade de vir a acolher importantes instituições financeiras internacionais que saiam de Londres.

Por outro lado, ciente do poder e da dimensão do seu mercado interno, a União deverá marcar bem a sua posição naquele que é um dos pontos decisivos da negociação: a livre circulação de trabalhadores. Uma coisa é certa: a União não poderá admitir que o Reino Unido enquiste as negociações pela adopção desse belo e mirífico princípio do “sol na eira e chuva no nabal”.

Mas também deverá agir de modo a que, no futuro, outros países-membros não sejam tentados a adoptar este princípio, entregando nas mãos de problemáticos referendos nacionais a responsabilidade de uma decisão que, afinal, lá no seu íntimo muito ambicionam.

O nacionalismo regressivo estará lá sempre à espreita e aproveitará bem as conjunturas favoráveis. E, neste contexto, é muito urgente responder com eficácia a esse grande e alarmante problema dos refugiados, precisamente um dos grandes responsáveis pelo BREXIT e pelo perigoso fortalecimento da extrema direita na Europa (Hungria, Alemanha, França, Holanda, Áustria, por exemplo).

O caso húngaro ensina. E a própria Itália de Renzi, quando lhe falam desse ridículo 0,1% do défice/PIB em falta (2,2% em vez de 2,3%), pergunta (através de Renzi e do Ministro da Economia e Finanças, Pier Carlo Padoan), retoricamente, se essa Europa, em troca, não quer ficar com o oneroso e difícil problema (europeu, sublinham) dos refugiados. E sem deixar de referir, criticamente, o delicado caso da Hungria.

Relançar o Projecto Europeu

Na verdade, enquanto a difícil vida política e institucional da União corre os seus trâmites, muitas vezes a discutir décimas do défice ou do PIB, não se conhecem avanços significativos na agenda político-institucional e económico-financeira que determinará o futuro da União e a possibilidade de resolução dos problemas em agenda. Tal como não se vê a adopção de um programa claro para a construção de uma cidadania europeia que possa alavancar as reformas político-constitucionais que urge promover, densificando politicamente o processo de (re)construção da União.

Na recente visita de Matteo Renzi aos EUA, o PM italiano viu Barack Obama mostrar-se preocupado precisamente com esta União do pós-Brexit, sublinhando a necessidade de uma rápida resposta com o relançamento do Projecto Europeu e com o crescimento. O caso inglês pode, de facto, vir a ser muito negativo ou pode ajudar ao relançamento da União, até porque vai gerar situações em que se torna decisivo clarificar fronteiras: as que não devem ser ultrapassadas e aquelas que haverá que atravessar para não deixar definhar o processo europeu.

E, todavia, corra como correr este processo, é minha firme convicção que não se poderá resolver estes problemas regressando às fronteiras nacionais, num mundo cada vez mais globalizado e com poderes fácticos organizados a agirem num plano supranacional.

Se dúvidas houvesse, bastaria dar o exemplo do andamento das chamadas dívidas soberanas e do papel que nelas desempenham os mercados financeiros internacionais e as agências de rating. Ou seja, essas novas “constituencies” que já elaboram programas de governo para serem cumpridos escrupulosamente pelos executivos nacionais saídos de eleições!

A resposta só se poderá encontrar num plano também supranacional, o que significa, no nosso caso, no plano europeu.

A verdade é que os momentos de grande dificuldade (como os que vivemos) são também momentos de grandes oportunidades. Serão as nossas lideranças europeias (e nacionais) capazes de as interpretar com eficácia, dando respostas à altura dos desafios?

Nota do Director

Os artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Exit Costa

E agora Marcelo?

Governo Sombra?

A Lava Jato e seu epitáfio

Mais lidos

Exit Costa

E agora Marcelo?

Mentores espirituais

Auto-retrato, Pablo Picasso

- Publicidade -