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Quarta-feira, Março 27, 2024

Isaura Borges Coelho

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

(1926-2019)

Mulher corajosa e de uma grande doçura, desde sempre admirada pela determinação com que, ainda jovem, enfrentou e desafiou o regime, Isaura é uma figura emblemática da luta das enfermeiras e na Resistência contra o fascismo.

Isaura Assunção da Silva (Borges Coelho) foi condenada pelo Tribunal Plenário de Lisboa, no dia 16 de Julho de 1954, a dois anos de prisão maior, à perda de direitos políticos por quinze anos e a «medidas de segurança» prorrogáveis _ por «pertencer ao MUD Juvenil e fazer a sua apologia; por ter acusado a PIDE de infligir torturas morais e físicas aos presos; por ter exigido condições mínimas para o trabalho nos hospitais; por ter protestado contra o facto de as enfermeiras não poderem casar». Esteve presa durante quatro anos, a sua vida esteve por um fio e, quando pesava cerca de 30 quilos, a PIDE viu-se obrigada a interná-la. Após a libertação, a sua acção na resistência contra a ditadura fascista não abrandou.

A vida de Isaura Borges Coelho foi um longo caminho de luta entusiástica e de sofrimento com a repressão, que a atingiu, também, com a prisão do seu companheiro, António Borges Coelho, com quem iria casar no Forte de Peniche.

Biografia

Isaura Assunção da Silva Borges Coelho nasceu em Portimão em 20 de Junho de 1926. Em 1949 matriculou-se na Escola de Enfermagem Artur Ravara e em 1952 iniciou funções nos Hospitais Civis de Lisboa, no Hospital dos Capuchos.

O trabalho nos hospitais era extremamente penoso, com turnos de doze horas que, muito frequentemente, se prolongavam pelas 24 horas. As enfermeiras estavam ainda sujeitas a trinta velas de doze horas consecutivas, apenas intervaladas por uma folga semanal.

Estas condições de trabalho inspiraram a luta de Isauraem defesa da melhoria das condições de trabalho das enfermeiras e dos cuidados de saúde nos hospitais. Um ano depois, ao tomar conhecimento do despedimento de doze enfermeiras do Hospital Júlio de Matos, por terem casado, tomou a iniciativa de encabeçar um abaixo-assinado, dirigido a Salazar, ao Cardeal Cerejeira e ao Enfermeiro-mor dos hospitais.

Foram centenas de assinaturas, na exigência da liberdade de casamento das enfermeiras[1] . Isaura Silva aderiu então ao MUD.

 

Fotografia de arquivo da família de Isaura Borges Coelho

A luta juvenil e a PIDE

Em 13 de Novembro de 1953, na farsa eleitoral para a Assembleia Nacional, quando se dirigiu à sede do MUD Juvenil (aos Anjos), foi presa com outros jovens. Libertados estes, Isaura foi mantida em prisão, por ser identificada pela PIDE como a impulsionadora do «movimento das enfermeiras» – «a casamenteira», no dizer daquela polícia.

Sujeita ao regime de isolamento, foi brutalmente espancada e arrastada pelos cabelos, na presença do seu advogado, Dr. Lopes Correia, também ele barbaramente espancado. A marcação do julgamento de Isaura Silva desencadeou um amplo movimento de protesto com distribuição de panfletos e tarjetas.

Surgiram inscrições nas paredes: «Liberdade para Isaura Silva». Num dos comunicados do MUD Juvenil, publicado em Junho de 1954 e intitulado «Com Isaura Silva, no banco dos réus, estão as enfermeiras e a juventude de Portugal», dizia-se:

Isaura Silva estava à frente da luta pela revogação da lei que proíbe as enfermeiras de casar. Estava na linha da frente das lutas de protesto contra o horário de 12 horas com velas consecutivas, e pela folga semanal e feriados, contra a alimentação miserável e as instalações de caserna”

Foi então julgada em Tribunal Plenário e, durante o julgamento, a PIDE ocupou os lugares destinados ao público, mas não conseguiu impedir que a ré fosse «muito cumprimentada pela assistência», enquanto recebia um ramo de cravos brancos das mãos de uma enfermeira. Entre as testemunhas de Isaura Silva contavam-se duas enfermeiras

e um oficial de escrita dos Hospitais CL, o poeta Alexandre O´Neill, o engenheiro Veiga de Oliveira, Maria Lamas e Maria Isabel Aboim Inglês. Esta antifascista protestou por se encontrarem agentes da PIDE na sala de audiências e na sala das testemunhas, o que levou o juiz Abreu de Mesquita a condená-la a três dias de prisão, por falta de respeito ao tribunal[2].

Prisão

Isaura Borges Coelho ficou em prisão durante quatro anos. A sua vida esteve por um fio quando o seu peso, pelos 30 quilos, obrigou a um internamento no Hospital de Santa Marta, em Setembro de 1955 e, um mês depois em Santa Maria. Até Janeiro de 1956 decorreu uma impressionante vaga de solidariedade com Isaura, por parte de médicos e enfermeiras. Em 1957 foi libertada, sendo-lhe fixada residência em Portimão, na casa de seus pais. Ali, ela, familiares e amigos eram permanentemente vigiada pela PIDE.

Após um ano de residência fixa pôde voltar para Lisboa com o objectivo de fazer formação no IPO, junto do Professor Gentil Martins. Depois, concorreu à Liga dos Hospitais, onde desenvolvia um trabalho muito elogiado, até que o patrão, o almirante Henrique Tenreiro, pediu informações à PIDE e a despediu imediatamente.

Foi com a ajuda do Professor Pulido Valente e do Dr. Pedro Monjardino que conseguiu arranjar emprego numa clínica. Quis especializar-se e concorreu ao Curso de Puericultura e Partos da Maternidade Alfredo da Costa (MAC), mas só depois de muito protestar, por ser sistematicamente impedida na admissão por razões políticas, pôde concluir o curso e entrar na MAC como enfermeira eventual.

Enfermeira-chefe, só após o 25 de Abril

Após o 25 de Abril, quando lhe ofereceram o lugar de enfermeira-chefe nos HCL, recusou, optando pelo seu lugar de enfermeira de 2ª classe na MAC. Subiu, depois, a enfermeira de 1ª e a enfermeira- chefe. Tirou o Curso de Enfermagem Pediátrica e Saúde Infantil e, durante anos, exerceu o cargo de enfermeira-chefe no Serviço de Prematuros. Até à reforma manteve-se como delegada sindical das enfermeiras da Maternidade Alfredo da Costa.

Em 2002, o Presidente da República Jorge Sampaio atribuiu-lhe a Ordem da Liberdade.

António Borges Coelho, seu companheiro, foi preso em 1957, como funcionário do Partido Comunista Português na clandestinidade e só saiu em liberdade em 1962. Casaram no Forte de Peniche. Recorda-a na sua juventude assim:

Antes de a conhecer, já ela, com 11 anos, tinha salvo do mar do Vau uma menina de 12 anos. Aos 16, tirou a blusa vermelha para mandar parar o comboio. Estava uma mula e uma carroça na linha. Moveram-lhe um processo por ter atrasado o comboio”

Ao lado de António Borges Coelho, o grande companheiro da sua vida, com quem casou na prisão. Homenagem a A. Borges Coelho em Murça, 2014

 

 

Poema

Até logo

à Isaura

Há oito meses dissemos:
– Até logo!
Era uma tarde fria de Novembro
uma tarde como qualquer outra
gente regressando a casa do trabalho
lancheiras malas rugas profundas no rosto.

Se houvesse malas de mão
para a saudade a desventura
não havia malas no mundo que



[*] Os oito meses transformaram-se em dez anos. Noutros casos, quinze, vinte anos e mais.

Em António Borges Coelho. Fortaleza, Seara Nova, 1974

[António Borges Coelho entra para funcionário do MUD Juvenil e, depois, do PCP. Em 1955 é preso, condenado em Tribunal Plenário e fica 6 anos na cadeia, dos quais 6 meses no isolamento. Escreve então este poema à namorada, que é decorado e recitado nas festas de jovens antifascistas. A meio da pena, casou-se no Forte de Peniche com a namorada Isaura (até hoje sua companheira), uma enfermeira que havia sido presa em 1953, e porque tinha ficado vários anos na prisão de Caxias não tinha autorização para o visitar ou escrever. . Libertado em 1962 não volta à clandestinidade, decidindo terminar a licenciatura, sem nunca se afastar da luta].

 

 

[1]  O decreto-lei nº 28794, de 1 de Julho de 1938, estabelecia no artigo 60 que «Nos lugares dos serviços de enfermagem e domésticos (serviço interno) a preencher por pessoal feminino, só poderão de futuro ser admitidas mulheres solteiras e viúvas, sem filhos, as quais serão substituídas logo que deixem de verificar-se estas condições». A proibição do casamento das enfermeiras só terminaria, depois de longa luta, com o decreto nº 44923, de Março de 1963.

Na verdade, a proibição do casamento das enfermeiras e a luta pela sua revogação marcam 25 anos da história da enfermagem e dos movimentos feministas durante o Estado Novo.

«Assente numa imagem de mulher limitada ao trabalho doméstico, para quem a família representa o centro exclusivo da sua vida, não é possível dissociar tal imposição legislativa da definição dos papéis sexuais veiculado pelo Estado, bem como do postulado tradicional da função cuidadora e maternal feminina. Além do impedimento do trabalho feminino em certos sectores ou o acesso das mulheres a determinadas profissões, foram ainda impostas restrições de índole vária a algumas profissionais. Por exemplo, para contraírem matrimónio as professoras primárias tinham de solicitar especial autorização ao Ministério da Educação Nacional, ao passo que a proibição do casamento ficou designada às telefonistas da Anglo-Portuguese Telephone Company, às profissionais do Ministério dos Negócios Estrangeiras, às hospedeiras de ar da TAP e às enfermeiras dos Hospitais Civis»

Excerto de um artigo de Ana Sartóris, in O celibato das enfermeiras dos hospitais civis

[2] Ligada ao movimento das enfermeiras, foi também presa Hortênsia da Silva Campos Lima, sua irmã.

Dados biográficos:

  • Autoria de Helena Pato, com a colaboração de António Borges Coelho, que tornou possível a rigorosa enumeração dos factos citados.
  • Fotografia de Isaura Borges Coelho facultada pela própria.

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