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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Manuel João da Palma Carlos

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

(1915 – 2001)

Manuel João da Palma Carlos, antifascista militante e vítima da repressão fascista, foi um dos advogados que mais presos políticos defenderam nos Tribunais Plenários e um dos poucos que intervieram logo nos Tribunais Militares especiais (anteriores a 1945) e, depois, nos Plenários de Lisboa e Porto (desde o seu início até 1974).
Foi também um dos advogados mais destemidos e frontais no desmascaramento da repressão e da torturas aos presos, nos Tribunais e fora deles.

Biografia

Nasceu em Bucelas (Loures) no dia 24 de Junho de 1915 e morreu aos 86 anos, em Cascais a 1 de Novembro de 2001, num incêndio num lar de idosos. Era irmão do primeiro Primeiro Ministro do Governo pós 25 de Abril, Adelino da Palma Carlos.

Ainda na juventude, destacou-se como presidente da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa em 1935-1936 e pertenceu à Associação Anticlerical e Antifascista e à Federação das Juventudes Comunistas. 

Foi preso pela PIDE em Março de 1936 e conduzido para a cadeia do Aljube, onde ficou até ser enviado para a Fortaleza de S. João Baptista, em Angra do Heroísmo. Aí permaneceu deportado até Dezembro do mesmo ano. Concluiu a licenciatura em 1939. 

Foi novamente preso em 14 de Fevereiro de 1949 e enviado para a Cadeia de Caxias, de onde foi libertado a 12 de Março.

De 1946 a 1948, Manuel João da Palma Carlos fez parte, ao lado de Ruy Luís Gomes e Mário Dionísio, de uma Comissão de Apoio à Comissão central do MUD.

Já no exercício da advocacia

Em 1953 foi advogado de algumas das vítimas do “Massacre de Batepá”, em S. Tomé e Príncipe, e teve um papel importante no processo, em defesa das vítimas e na denúncia desta tragédia. A sua deslocação àquela colónia para defesa dos presos e denúncia dos desmandos e crimes cometidos pela administração e roceiros fez cessar “a onda de terror”, como afirmou Alda do Espírito Santo[1].

Ligado ao MUD, envolveu-se activamente na candidatura de Norton de Matos (1949).

Em 23 de Abril de 1957, durante a defesa de um preso político no Tribunal Plenário, Manuel João da Palma Carlos foi preso, ele próprio, em pleno tribunal Plenário e condenado, por desrespeito ao tribunal, a sete meses de prisão, um ano de privação de direitos políticos e um ano de suspensão de exercício de advocacia. Isto, por ter respondido ao juiz: Julgue como quiser, Sua Ex.ª, com ou sem prova, mas o que não podem é deixar de consignar na acta tudo quando na audiência se passa”[2]

Em 1957, Manuel João Palma Carlos foi candidato da Oposição, por Lisboa, às eleições legislativas (lista que foi recusada). Em 1958, apoiou as candidaturas de Arlindo Vicente e Humberto Delgado, participando na negociação para a fusão dessas duas candidaturas.

Em 1959, no «Processo dos 50», que decorreu no Tribunal Territorial Militar de Angola, em Luanda, foi defensor dos cidadãos portugueses Julieta Gandra, Calazans Duarte, José Meireles, António Matos Veloso e outros directamente envolvidos, segundo a acusação, em actividades subversivas de índole independentista.

Integrou a “Comissão de Socorro aos Presos Políticos”, destacando-se na colaboração prestada a esta organização, mesmo antes da sua legalização, em 1969.

Em Janeiro de 1974 começara o julgamento de diversos presos da ARA e Manuel João da Palma Carlos era um dos advogados de defesa. Presidia à sessão o Juiz Fernando Morgado Florindo, que marcou a sessão seguinte para 21 de Março, vindo a ser adiada para 25 de Abril. Nesse dia, e após contactos com a DGS/PIDE, esta afirma que não tem condições para escoltar os presos até ao tribunal, devido a movimentações militares. Ficou adiado “sine die” o julgamento que acabou, assim, por ser o último de MJPC.

No dia 25 de Abril de 1974, integrou a delegação que se empenhou na libertação imediata dos presos políticos e que os recebeu no Forte de Caxias, na madrugada do dia 27.

Após o 25 de Abril

Após o 25 de Abril, aderiu ao PS (em 1977).

Exerceu funções como Procurador-Geral da República, foi embaixador em Cuba e Presidente do Conselho de Administração da RTP.

Foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade em 2000.

Depoimentos e entrevistas

São vários os depoimentos e entrevistas que concedeu à Comunicação Social sobre a Resistência, em que dá a conhecer a repressão exercida pelos tribunais plenários em colaboração directa com a PIDE, e em que salienta o facto de, após o 25 de Abril, membros activos dos plenários terem ascendido ao Supremo Tribunal de Justiça ou terem continuado ali em funções.

Em importantes declarações ao jornal DN, Manuel João da Palma Carlos afirma:

A comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista foi extinta, em Conselho de Ministros de 22 Novembro de 1990. Daí a interrupção da divulgação de documentos indispensáveis para conhecer a repressão exercida pelos tribunais plenários em colaboração directa com a PIDE. (…) Quando Almeida Santos era ministro da Justiça, incumbiu-me de fazer um livro acerca da história e funcionamento dos plenários (…) Não está em causa o empenhamento de Almeida Santos, mas houve um sistemático adiamento, subterfúgios grosseiros ou, então, a recusa do envio de elementos fundamentais que eu solicitava aos arquivos, desde os dos juízos dos tribunais de Lisboa e do Porto até à Comissão de Extinção da PIDE/DGS. (…) Não pude, portanto, concretizar o projecto. Deixei de estar na Procuradoria-Geral da República, mandaram-me para embaixador em Cuba e fiquei a milhas de distância dos julgamentos dos pides. Apesar disto, não está destruída a documentação do meu escritório, a cargo do meu filho, o advogado João Norberto da Palma Carlos. (…) Os mais diversos saneamentos que se registaram em todo o País, no pós-25 de Abril, muitos deles inaceitáveis, não abrangeram os juízes dos tribunais plenários de Lisboa e do Porto. Não foram responsabilizados nem pelo MFA, nem pela Junta de Salvação Nacional nem pelo Ministério da Justiça, cujo titular, em sucessivos governos dos primeiros anos da Revolução foi Salgado Zenha. (…) Com o 25 de Abril, membros activos dos plenários ascenderam ao Supremo Tribunal de Justiça ou continuaram ali em funções.” [3] 

Discurso de Manuel João da Palma Carlos em nome da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos

 

Libertação dos presos políticos

  • À espera que os portões de Caxias se abram para a saída dos presos políticos. As instalações já sob o controlo dos militares. No exterior aguardam a saída dos presos políticos algumas personalidades que se podem ver no filme entre outras: Jorge Sampaio, Salgado Zenha, Francisco Sousa Tavares, Miguel Sousa Tavares, Rogério Paulo, José Cardoso Pires, João Bénard da Costa e Francisco Pereira de Moura, Manuel João da Palma Carlos

  • Várias personalidades dialogam com militar sobre a saída dos presos, podem ver-se: Manuel João da Palma Carlos, João Bénard da Costa, Francisco Pereira de Moura, Salgado Zenha, Jorge Sampaio, Miguel Sousa Tavares, Pedro Coelho.

[1] Em 1953 ocorreu em São Tomé uma tragédia de dimensões incalculáveis, que passou à História com o nome de “Massacre de Batepá”. De acordo com testemunhos da época:

«O Governador Gorgulho lançou-se num vasto programa de construções e melhoramentos públicos recorrendo a rusgas constantes nas povoações nativas por forma a angariar mão-de-obra barata ou gratuita. Todavia, aos africanos não bastava oferecerem-se voluntariamente para o serviço. Depois de aceites, eram despedidos e, mais tarde, caçados como “vadios”, sem direito a qualquer tipo de remuneração. Apenas prevaleciam (…) condições de brutal tratamento (…). Presos e acorrentados, ficavam à mercê de chicote de guardas e capatazes escolhidos, a maior parte, entre condenados por crimes comuns».

Segundo declarações de Mário Soares:

«Houve uma tentativa de revolta dos são-tomenses, que fora abafada em sangue. O Governador instalara uma cadeira eléctrica, não para electrocutar os revoltosos, mas tão só para, dizia ele, lhes administrar alguns choques para os obrigar a falar. Esse acontecimento, que fizera muitas vítimas, deixou um fundo ressentimento na população são-tomense. O advogado Manuel João Palma Carlos, participara no processo, em defesa das vítimas, e falava com frequência das atrocidades cometida».

[2] MJPC deixou este testemunho numa série documental da RTP (pós 25 Abril), narrando casos em que os advogados de defesa passaram a réus e em que réus foram espancados em plena sala, por transformarem as alegações em condenações ao Estado Novo.

[3] Entre outras publicações sobre esta matéria, destacam-se as de Duarte Vidal e Salgado Zenha “Justiça e Política” (1969), apresentada ao congresso de Aveiro e logo apreendida pela PIDE; de Salgado Zenha “Notas sobre a Instrução Criminal” (Braga 1968), também apreendida pela PIDE, mais tarde reproduzida em “Textos Escolhidos de Francisco Salgado Zenha”, seleccionados por Xencora Camotim e António Cândido Oliveira (edição Universidade do Minho, Braga 1998).

Dados biográficos:

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