Diário
Director

Independente
João de Sousa

Sexta-feira, Março 29, 2024

Multiplex 2018: Renato Berta esteve no Porto e deu “masterclass” na “Lusófona”

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

Perguntarão alguns leitores: quem é Renato Berta? Habituados a conhecer nomes de filmes, de actores, de actrizes e de realizadores, muitos dos espectadores de cinema ligam pouca importância a outros intervenientes na feitura dos produtos cinematográficos não obstante o trabalho de alguns deles ser completamente determinante para a qualidade do material exibido. É o caso dos “directores de fotografia” ou de “imagem” para os quais não será necessário invocar qualquer argumento para justificar a sua importância. Afinal não é pela visão das imagens (e pela audição da banda sonora) que o espectador apreende o objecto que vai ‘ver’ à na sala de cinema?

Fotógrafo de cinema

Pois bem. Renato Berta é um dos mais importantes “fotógrafos de cinema” (da Europa e não só) dos últimos cinquenta anos. Nascido na Suíça em 1945, depois da formação no Centro Sperimentale di Cinematografia   em Roma, cidade onde pôde conviver com Pasolini, Rossellini e Visconti, iniciou a sua actividade em 1969 com dois filmes de realizadores do seu país: “Vive la Mort” de Francis Reusser e “Charles Mort ou Vif” de Alain Tanner, vencedor do Festival de Locarno desse ano.

Assim começou uma filmografia de cinco décadas com cerca de 120 filmes de alguns nomes incontornáveis na história do cinema do último meio século. Por exemplo, e sem sermos exaustivos, os já citados Reusser e Tanner, Jean-Marie Straub, Claude Goretta, Daniel Schmid, Thomas Koerfer, Jean-Luc Godard, René Allio, Patrice Chéreau, Éric Rohmer, André Téchiné, Jacques Rivette, Louis Malle, Alain Resnais, Claude Chabrol, Amos Gitai, Philippe Garrel, Fanny Ardant …  Verdadeiramente impressionante! E não estamos a falar alguém com quem esses cineastas tenham trabalhado episodicamente. Depois de fazerem um primeiro filme com Renato Berta, a maior parte destes autores tornaram-se ‘clientes habituais’ e acabaram por fazer com Renato Berta quatro, cinco, ou mais filmes.

Foi o que aconteceu com Manoel de Oliveira. Depois de ‘Party’ (1996), Renato Berta foi o director de fotografia de “Viagem ao Princípio do Mundo” (1997), “Inquietude” (1998), “Palavra e Utopia” (2000), “O Princípio da Incerteza” (2001), “Espelho Mágico” (2005), “O Gebo e a Sombra” (2012) e “O Velho do Restelo” (2015).

E foi pela referência a Manoel de Oliveira que Renato Berta começou a sua conversa no Multiplex 2018, uma iniciativa da Universidade Lusófona do Porto, em colaboração com o RIVOLI – Teatro Municipal do Porto. O mestre português foi definido por Berta como um realizador extremamente exigente e que sabia rigorosamente o que queria que ficasse na imagem, ao ponto de controlar até ao fotograma se o operador tinha ou não respeitado as indicações do que deveria ficar focado dentro do quadro da imagem.

Como exemplo de um posicionamento bastante diferente referiu a sua experiência com Jean-Luc Godard que observando o material filmado de “Sauve qui peut la vie” achou que precisava de mais alguns planos e pediu a Renato Berta que fosse fazer alguns planos avulsos não se dando ao trabalho de o acompanhar. Para além destes dois casos extremos falou do seu trabalho com outros realizadores que deixam ao director de fotografia graus de liberdade muito diferenciados. Ao ouvir estas considerações não pude deixar de pensar que em muitos casos, filmes habitualmente considerados como de um “cinema de autor” serão mais exactamente de um “cinema de autores”, tal é o envolvimento de alguns dos “músicos da orquestra” (fotógrafo, cenógrafo, argumentista, actores, …) que dão a sua colaboração ao “maestro”.

Depois de algumas considerações sobre a “fotografia” e a “imagem” – “mais do que a bela fotografia há que procurar a imagem justa” – Renato Berta falou do seu convívio com personalidades tão distintas como Godard e Pasolini, e da sua experiência de trabalho em ambientes para ele mais estranhos, como Israel (com Amos Gitai) e na Índia (com Raja Amari).

Smoking / No Smoking

Uma abordagem mais profunda do trabalho do director de fotografia e da sua interacção com o realizador, o cenógrafo, os actores, os responsáveis pela iluminação e outros intervenientes foi o tema tratado na segunda da exposição em que Renato Berta mostrou e comentou o seu trabalho em “Smoking / No Smoking” de Alain Resnais (1993) – uma história com inúmeras ramificações, avanços e retrocessos no tempo, e diversos finais – totalmente filmada em estúdio. Um trabalho notável de recriação de diversos ambientes e de variações de condições de clima, da luminosidade e de cor. Uma aula excelente para as muitas dezenas de alunos da “Lusófona” presentes na “masterclass”.

No Multiplex 2018…

O programa deste Multiplex 2018 incluiu ainda a exibição no Teatro RIVOLI de vários filmes com fotografia de Renato Berta: “Sauve qui peut la vie” de Jean-Luc Godard, “No smoking” de Alain Resnais, “Inquietude” de Manoel de Oliveira, “Kippur” de Amos Gitai  e “Quei loro incontri” de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet.

E com uma saudação ao meritório trabalho que o Professor João Sousa Cardoso e os seus colaboradores têm vindo a realizar na Universidade Lusófona do Porto ficamos a aguardar a edição de 2019 do Multiplex, iniciativa que em anos anteriores nos permitiu conhecer mais de perto a obra, os processos de trabalho e a personalidade de nomes tão importantes como Boris Lehman, Edgar Pera, Pedro Costa, Manoel de Oliveira, José Luis Guerín, Agnés Varda e Victor Erice.

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Exit Costa

E agora Marcelo?

Governo Sombra?

A Lava Jato e seu epitáfio

Mais lidos

Exit Costa

E agora Marcelo?

Mentores espirituais

Auto-retrato, Pablo Picasso

- Publicidade -