Os locais atingidos são inundados de flores e de velas, as redes sociais de “je suis”, os principais monumentos iluminados com as cores do país em questão, os responsáveis políticos fazem declarações solenes e nas televisões passam intermináveis reportagens e debates.
Tudo isto é muito interessante e mostra que a opinião pública ainda não está totalmente indiferente à dor dos outros. O terror ainda levanta ondas de indignação. Por isso, são muito positivas todas estas manifestações de solidariedade!
Contudo, era bom que se alargassem, também, à Nigéria, onde o terrorismo fundamentalista islâmico matou 1427 pessoas, ou ao Iémen (220 mortos), à Somália (116 mortos), ao Paquistão (65 mortos) e a todos os lugares do mundo onde o fanatismo mata, espalha o medo e o terror.
São todas estas vítimas, em qualquer território, de qualquer religião ou etnia (que pode ser qualquer um de nós, a qualquer momento), que devemos chorar.
Assim, uma reflexão um pouco mais aprofundada torna claro uma outra faceta do que está a acontecer no mundo: à banalização do mal e do absurdo, à ausência total de racionalidade parece que está a corresponder a banalização da resposta, muito sentida e emotiva nos primeiros dias mas logo esquecida quando a agenda noticiosa muda de tema.
Igualmente, se nos detivermos com mais atenção ao que se passa, vemos, com nitidez a hipocrisia da maior parte dos dirigentes dos países europeus e da comunicação social que lucra com o espectáculo da morte. Em paralelo, assistimos à confusão entre o que é uma religião e a sua interpretação fundamentalista, com o consequente crescimento do ódio em relação aos muçulmanos.
A conjugação de todos estes (e outros) factores constitui-se como cortina que evita compreender a raiz do problema e, assim, poder actuar para o resolver. Com efeito, o problema envolve essencialmente três vertentes: religiosa, política e económica.
De facto, a Europa continua sem rumo, incapaz de estabelecer prioridades, colocando sempre os negócios e o lucro como finalidade última para a qual todos os meios podem ser usados. Esquece os seus princípios fundadores, fazendo dos refugiados “mercadoria” que troca com a Turquia, país que apoia o Daesh, e que reenvia refugiados para cenários de guerra.
Trata-se de uma hipocrisia absoluta, bem expressa na recente condecoração (Legião de Honra) atribuída por François Hollande ao ministro do interior e herdeiro do trono da Arábia Saudita, Mohammed ben Nayef. Foram precisamente a Turquia e a Arábia Saudita que apoiaram a chacina na cidade de Mosul, no norte do Iraque, em 2014.
Aí aconteceu o genocídio de 5 mil pessoas, com decapitações e massacres de cristãos, shiitas, alevis, shabaks, yezidis, numa demonstração insana e apocalíptica de obscurantismo e fanatismo.
Quantas bombas terão ainda de explodir, cá e lá? Quantas?
Até se colocar a questão onde deve ser colocada: quem financia os grupos terroristas, quem lhes compra petróleo e os tesouros arqueológicos que vandalizam, quem lhes vende as armas?
É necessário chorar todas as vítimas! Mas não é suficiente!
[…] Source: Não basta chorar os mortos! – Jornal Tornado […]