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Quinta-feira, Março 28, 2024

O suicídio como doutrina política

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

A estratégia nuclear mais conhecida, nos tempos da guerra fria, era conhecido pela sigla “MAD” que tinha o duplo sentido de “Destruição Mútua Assegurada” e de “Louco”, o que se traduzia no chamado equilíbrio do terror pelo qual ninguém ousaria dar o primeiro passo porque a sua existência ficaria em perigo.

  1. Jihadismo

A explosão de uma criança como bomba humana, na guerra contra o Iraque, em 1980, foi apontada como exemplo a seguir pelo líder supremo da teocracia iraniana e largamente publicitada como a imagem de marca do que o regime espera do seu povo.

Desde os Kamikazes japoneses da segunda guerra mundial que não se assistia à utilização estatal em massa e assumida do suicídio como arma de guerra, e isso levou-me a mim e a muitos dos analistas a ver no suicídio a imagem de marca da lógica jihadista contemporânea.

Walter Laqueur – o mais prolixo e mais acutilante dos analistas do mundo moderno sobre o fenómeno do terrorismo – contribuiu muito para eu alterar a minha visão sobre o assunto. Com efeito, o “suicídio de honra” tradicional no Japão ou o terrorismo dos “assassinos’” da Idade Média (a seita ismaelita dos assassinos estava baseada no Norte do Irão e tinha fortes ramificações no que é hoje o Líbano) e vários outros exemplos históricos de terrorismo, eram actos assumidos por dirigentes, enquanto os “suicídios” organizados pela teocracia instrumentalizavam crianças, mas nenhum dirigente do clero iraniano se ofereceu para fazer rebentar minas ou se fazer explodir contra um tanque.

Como me fez mais recentemente notar o Dr. Kamal Al Labwani – dirigente oposicionista sírio exilado na Europa – o “suicida” na equação jihadista nunca é o doutrinador ou o organizador, é sempre um dos elementos psicologicamente mais frágil no grupo, e por vezes também social ou familiarmente mais frágil.

Por outras palavras, aquilo que nós tomamos como “terrorismo suicida” é com efeito a desumanização, instrumentalização e em última análise a redução a carne para canhão dos elementos mais frágeis da sociedade por doutrinadores que têm pela vida humana (dos outros) um completo desprezo, mas não pelos seus interesses pessoais.

De 1980 até hoje, a utilização de operacionais suicidas em missões de combate irregular ou mesmo de guerra no sentido mais clássico do termo industrializou-se, com resultados espectaculares no 11 de Setembro.

No Iraque e na Síria, as várias facções islamistas (o Califado e as outras) serviram-se de civis como escudos humanos e utilizaram veículos suicidas de forma continuada, até que o seu efeito acabou por deixar de ser eficaz, com a opinião pública a mostrar-se indiferente às notícias, e as vítimas civis passaram a ser ignoradas (só em Mosul, deverão ter mortos dezenas de milhares de civis, e provavelmente milhares de operacionais suicidas morreram).

A única excepção tem sido a dos teatros de guerra com Israel, onde a imprensa internacional onde continua a tornar politicamente rentável utilizar escolas e hospitais ou civis em acções de invasão do território, com a opinião pública a condenar “os sionistas” por todas as vítimas, como aconteceu recentemente por ocasião da celebração dos setenta anos de Israel.

  1. O jogo nuclear

A estratégia nuclear mais conhecida, nos tempos da guerra fria, era conhecido pela sigla “MAD” que tinha o duplo sentido de “Destruição Mútua Assegurada” e de “Louco”, o que se traduzia no chamado equilíbrio do terror pelo qual ninguém ousaria dar o primeiro passo porque a sua existência ficaria em perigo.

Como sabemos hoje, a estratégia esteve várias vezes em risco de não funcionar e a guerra nuclear esteve várias vezes por um fio, frequentemente, apenas por erro de informação, ou se quisermos, pelo louco resultado de um conjunto de acções que tomadas isoladamente podem ser vistas como racionais.

Dos tempos da guerra fria ficámos com um arsenal nuclear capaz de acabar várias vezes com a vida humana na terra e com uma proliferação mal controlada, sendo furada nomeadamente pela rede paquistanesa Khan que para além de ter estado na base da bomba paquistanesa esteve também na base dos programas nucleares iraniano e norte-coreano bem como de outros que já foram descontinuados.

A lógica iraniana foi lapidarmente exposta pelo então Presidente Iraniano Rafsanjani (segundo lugar da hierarquia depois do guia supremo) que explicou que a capacidade nuclear de Israel não ia além da morte de sete milhões de iranianos e esse era também o número que ele pretendia contrapor com o seu programa nuclear. Enquanto sete milhões de mortos se traduziria na aniquilação total de Israel, o sacrifício da vida de sete milhões de iranianos era para ele aceitável.

O Ocidente em geral e os EUA em particular julgaram que a melhor forma de fazer face à ameaça nuclear era a de “comprar” os ditadores, convencendo-os dos benefícios de desistir da bomba nuclear em contrapartida a um vasto programa de auxílios. O primeiro acordo desse tipo foi feito pela Administração Clinton com a Coreia do Norte em 1994, tendo sido depois seguido por outro semelhante da responsabilidade da Administração Bush II, após o colapso do primeiro.

Trata-se de programas irrealistas típicos da psicose do apaziguamento que resultaram apenas no reforço da ditadura da Coreia do Norte e no seu incentivo a utilizar o programa como forma de obter cada vez mais benefícios por parte do Ocidente.

Apesar de ser óbvio o fiasco desta lógica, o Ocidente e os EUA em particular voltaram a usá-la no acordo que fizeram com o Irão, num acordo se possível ainda mais absurdo do que os que tinham sido feitos com a Coreia do Norte.

E chegámos assim à presidência de Donald Trump, e aqui, como por vezes acontece, a simplicidade de raciocínio não é necessariamente sinónimo de simplismo, sendo que tivemos pela primeira vez algum bom senso na matéria, com a administração norte-americana a romper o status quo com o Paquistão, o Irão e a Coreia do Norte.

O problema com o combate à proliferação nuclear é de que não existem boas soluções, e menos ainda soluções sem riscos; existem apenas aquelas que sabemos serem catastróficas e outras que poderão eventualmente dar resultados, mas com grandes riscos. Tudo está portanto ainda por decidir nesta matéria.

  1. O suicídio político europeu

A Europa está sem rumo e em rápida degradação, com forças centrífugas a conquistar cada vez posições mais importantes, com o cerco feito pelo Islamismo a Sul e o Putinismo a Leste a acentuar-se, com uma total lassidão na sua defesa e uma aguda incapacidade de se reformar.

Continua a não querer entender que o “neo-mercantilismo” que resultou da sua União Económica e Monetária afecta a sua coesão interna e deixou de ser aceite externamente; vê a sua capacidade de defesa definhar progressivamente sem se dar conta do que isso significa e julga poder comprar os seus inimigos estratégicos com presentes, quando apenas lhes aguça o apetite.

O aparecimento de Donald Trump – alinhado com o mesmo populismo europeu que ameaça fazer explodir a Europa – veio complicar ainda mais a situação, levando os dirigentes europeus – particularmente os alemães – a adoptar uma posição radicalmente anti-americana.

A Europa prefere pagar à Turquia, a vários países da África Ocidental e, à falta de Khadafi, a vários chefes de guerra locais para estes perseguirem os potenciais imigrantes a enfrentar a necessidade de uma política de promoção do desenvolvimento, de tolerância e de paz a Sul que não torne a fuga uma necessidade imperiosa.

A Europa abandonou Israel, os curdos e todas as minorias a Sudeste (e mesmo a maioria sunita síria), abandona os seus potenciais aliados a Leste, e julga que os seus adversários ficarão satisfeitos com o pagamento que recebem, quando estes apenas vão aguçar o seu apetite.

A eurocracia europeia pretende emular o mandarinato chinês, abandonando cada vez mais no seu discurso os valores democráticos, confundindo realidades que não podem ser confundidas, e, finalmente, não faz um esforço de entendimento sobre a forma como se pode reconciliar com os seus cidadãos e reencontrar um equilíbrio com os seus parceiros atlânticos.

Concluo portanto, que não é o jihadismo, mas a actual política europeia que é plenamente suicidária. Não creio que possamos ir longe a continuar por esta via.

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