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Quinta-feira, Março 28, 2024

Davos |Suspiro ou semente de uma nova ordem económica e social?

DAVOS_2016
Em Davos, é o próprio World Economic Forum (WEF) quem o admite: se não se fizer nada urgentemente, “os governos vão enfrentar um desemprego crescente constante e desigualdades”. N0 Fórum anual que reúne para discutir a economia mundial, ouvem-se alertas sobre a quarta revolução industrial e a consequente perda de cinco milhões de empregos até final de 2020.

Os especialistas em economia vão mesmo mais longe, sustentando que esse desemprego vai provocar “grandes perturbações, não só no modelo de negócios, mas também no mercado de trabalho”, numa espécie de efeito de bola de neve de consequências imprevisíveis.

Mas, estaremos mesmo apenas perante uma vaga de desemprego conjuntural, fruto do avanço da tecnologia? Ou será o início do canto do cisne do sistema capitalista neo-liberal?

A sociedade sempre se foi adaptando às diversas revoluções industriais desde a máquina a vapor. Mas, no limiar da 4ª grande onda de inovação, que passa sobretudo pela análise detalhada de dados e pela comunicação electrónica entre objectos, a organização social parece ter perdido essa capacidade de ajuste.

 

DAVOS_2016

 

Sem uma actuação urgente e focada a partir de agora para gerir esta transição a médio prazo e criar uma mão-de-obra com competências para o futuro, os governos vão enfrentar um desemprego crescente constante e desigualdades”, alerta o presidente e fundador do WEF, Klaus Schwab.

 

Ainda de acordo com o WEF, “o peso da perda de empregos, como consequência da automatização e da desintermediação da quarta revolução industrial, vai ter um impacto relativamente equitativo entre homens e mulheres, já que 52 por cento dos 5,1 milhões de empregos perdidos nos próximos cinco anos afectarão os homens e 48 por cento as mulheres”.

 

Sinais de mudança?

O alerta que vem de dentro faz lembrar uma entrevista de Juan Carlos Monedero Fernández, co-fundador do partido espanhol Podemos, em que o professor aludia ao desemprego como algo estrutural, permanente, um fenómeno que veio para ficar e que deve ser encarado como tal.

A dificuldade em fazer subir a inflação na Europa e as oscilações no mercado bolsista chinês, a fábrica do mundo, podem ser indicadores de que o número dois do Podemos pode ter alguma razão no que sustenta, sobretudo quando defende que os desempregados de longa duração terão de ser ajudados de alguma forma, nomeadamente pelo Estado.

Estaremos realmente perante um novo fenómeno estrutural que exige uma nova organização económica e social?

São várias as pistas que apontam nesse sentido, ainda que o “establishment” enraizado nas grandes nações ocidentais se recuse a deixar de olhar para o próprio umbigo.

Perante este cenário económico em ebulição, começam a ganhar relevância algumas correntes alternativas e ideias de organização social divergentes, baseadas no conceito de comunidade e solidariedade, contrário ao que assistimos nas últimas décadas.

 

Rendimento Básico Incondicional ganha força

O Rendimento Básico Incondicional (RBI) é uma das mais emblemáticas e está a ser debatida em países como o Reino Unido e até implementada em experiências-piloto na Holanda e na Finlândia.

A ideia é que todos os cidadãos, sem excepção, passem a receber “um rendimento, que pode ser semanal, mensal ou pago de uma só vez, de igual valor” e “cuja quantia deve ser suficiente para garantir condições de vida decentes, pago em dinheiro de maneira incondicional, ou seja, sem ter em conta a situação financeira” de quem recebe, explicou ao Tornado, Roberto Merrill, professor investigador de teoria politica que se dedica ao estudo do rendimento básico e à sua implementação e um dos fundadores do movimento RBI Portugal.

Na prática, o RBI é a implementação dum “rendimento distribuído a todos os cidadãos, que seja considerado como um direito universal, individual, incondicional e de uma quantia suficientemente elevada para assegurar a cada cidadão uma existência digna e a participação cívica na sociedade”, sublinha o investigador.

Embora possa ser considerada, por muitos, uma ideia utópica, irrealista e demasiado radical para poder ser concretizada, o RBI é, na opinião de Roberto Merrill, “uma ideia poderosa, que poderá moldar a realidade social no nosso século”. O professor defende que a ideia de um “RBI é perfeitamente plausível e poderia ser implementada quando houver vontade política para o fazer, movida por uma visão completa do que é uma sociedade justa, mas essa visão ainda está por construir”.

 

E como financiar esta ideia?

O debate entre os movimentos RBI espalhados pelo mundo deram origem a uma diversidade de modelos de financiamento da medida. Os dois mais consensuais passam pelo “aumento da massa monetária por acção de um banco central dotado de autonomia no plano da política monetária, e pelo financiamento realizado através da cobrança de impostos sobre os rendimentos e o capital”, explica Pedro Teixeira, doutorando em Filosofia Politica e assistente de investigação do departamento de finanças da London School of Economics.

DAVOS_2016Se a primeira tem alguns pontos de contacto com as operações do denominado “Quantivative Easing”, já a segunda pode colher mais simpatias. Trata-se de “um RBI assente numa pura transferência de rendimentos e/ou capital dos mais ricos para os mais pobres, propondo uma redistribuição de rendimentos comparativamente mais progressiva do que a actual, feita através do Orçamento de Estado e da Segurança Social”, explica Pedro Teixeira.

Há já alguns casos de sucesso da aplicação desta ideia, nomeadamente três exemplos em países totalmente diferentes, adianta André Coelho, membro do movimento RBI Portugal e correspondente da Basic Income Earth Network.

“Em aldeias da região de Madhya Pradesh, na Índia, foi nítida a melhoria das condições de vida com a introdução do RBI durante um ano: melhor alimentação (principalmente nas raparigas), maior frequência escolar, redução nas dívidas, melhoria nas condições sanitárias, melhoria nas condições de iluminação e de cozinha, aquisição de equipamento para trabalho próprio, aumento de produção própria de comida, melhores cuidados com a saúde e redução do trabalho infantil”, revela.

Por outro lado, acrescenta, “na Namíbia houve uma grande melhoria na alimentação, o problema mais crítico na região, mas também no vestuário, nos transportes e geração de poupanças”.

No Canadá, por seu turno, “o programa Mincome, em Dauphin, pagou um RBI às pessoas da localidade durante quatro anos, o que provocou um decréscimo em hospitalizações, maior escolarização e, talvez o mais importante, não se materializou o receio geral de que as pessoas iriam deixar de trabalhar”, desvenda André Coelho.

 

Leia também: Rendimento Básico Incondicional | Utopia do século XXI ou base de um novo modelo social?

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