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Quarta-feira, Abril 17, 2024

Os 10 Giga desaparecidos

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

A ler a descrição da história, pareceria que estávamos perante um papel qualquer esquecido numa gaveta, um desleixo de algum funcionário ou mesmo talvez algo de que é uma falta de educação falar, como afirmou Passos Coelho na Assembleia da República.

Mas estamos antes a falar de dez giga euros (o número 1 seguido de dez zeros, ou se preferirem 10 bilhões) de Euros de fundos que os bancos notificaram às autoridades fiscais terem sido transferidos do país para zonas de fuga fiscal de 2011 e de 2015 – altura em que Passos Coelho era Primeiro-Ministro – e que foram escondidos das contas públicas de forma confessadamente ilegal.

Nesta matéria seria aliás curial começar por saber como foram tratados os 7 gigas que não despareceram, ou seja, aqueles que as autoridades colocaram nos registos como manda a lei. Foi-lhes cobrado que imposto?

E o actual Governo – que trouxe os números a público – que imposto tenciona cobrar e que medidas tenciona tomar para que os responsáveis sejam chamados à justiça, para que o cidadão seja tratado com equidade fiscal ou para amenizar a enorme dívida que sobrecarrega os contribuintes portugueses?

Repare-se que não estamos a falar de fuga ao fisco, estamos a falar de 17 giga Euros de que as autoridades receberam notificação de que foram transferidos para zonas de fuga fiscal, e dos quais 10 as autoridades nem sequer se deram ao trabalho de cumprir a lei registando-os. A fuga ao fisco – ou seja, as verbas que não são sequer declaradas – fica a cargo da imaginação de cada um.

Todos nos lembramos do zelo com que o anterior Governo mobilizou o cidadão para obrigar ao registo – com número fiscal – dos sessenta ou setenta cêntimos pagos por um café, e não podemos deixar de ficar atarantados com tamanha desproporção.

No meio destes gigas todos, é porventura difícil termos em atenção de que estamos a falar de números que – em média anual, e somando os declarados com os não declarados – são superiores ao do faladíssimo défice público deste ano.

São números superiores à generalidade dos saldos das contas externas que temos observado. São números – mesmo apenas na parte não declarada – de tal forma astronómicos que, o facto de nem o Banco de Portugal, nem o INE, nem o FMI, nem as entidades europeias que incessantemente peroram sobre o desempenho das contas portuguesas, se terão dado conta da sua falta põe em dúvida a fiabilidade e o sentido dos restantes números que apresentam.

E, claro, o que faz a Justiça Portuguesa? Quando leio num jornal que um taxista é preso em flagrante delito por multiplicar por dois o frete devido, que polícias chegam a pagar do seu bolso as pequenas somas de quem roubou por necessidade para não terem de prender os infractores, mas que tudo se trata como de uma mera jogada política – ao nível dos célebres SMS alheios que o nosso PR teve o despudor de ler – fico perplexo com o mundo em que vivemos.

Vivemos numa época sem contemplações para o pequeno roubo mas de total compreensão com o giga-roubo; uma época plutocrática como provavelmente a humanidade nunca viveu outra.

E o maior drama é que tudo isto se desenrola sob os nossos olhos, numa sociedade democrática em que nada disto era suposto acontecer, razão mais suficiente para entendermos o profundo desencanto com o sistema democrático que percorre todo o Sul da Europa e para a subida vertiginosa das forças políticas demagógicas.
As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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