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João de Sousa

Quinta-feira, Abril 25, 2024

A pegada humana da bateria do seu smartphone

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Trabalhadores, incluindo crianças, submetem-se a condições duras e perigosas para corresponder à crescente procura mundial de cobalto,um mineral essencial para as baterias que fazem trabalhar veículos eléctricos, computadores portáteis e smartphones, incluindo dispositivos feitos pela Apple.

Estima-se que cerca de 100.000 mineiros de cobalto, no Congo, usam as mãos como ferramenta para escavar, a centenas de pés abaixo do nível do chão, com pouca supervisão e poucas medidas de segurança, de acordo com uma investigação do The Washington Post (TWP), que visitou as minas remotas.

Mortes e ferimentos são comuns. E a actividade de exploração do minério expõe as comunidades locais a níveis de metais tóxicos que parecem estar ligados a doenças do foro respiratório e a defeitos congénitos.

Em reportagem especial, o Post traçou essa conduta do cobalto e, pela primeira vez, mostrou como a extracção do mesmo sob condições tão duras termina em produtos de consumo tão do agrado geral.

A conduta do cobalto

As mortais minas escavadas à mão, no Congo, para consumidores de smartphones e laptops.

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Esta paisagem remota no Sul da África está no cerne da corrida louca do mundo por cobalto barato, um mineral essencial para as baterias de iões de lítio recarregáveis para smartphones, laptops fabricados por empresas como a Apple, a Samsung e pelas principais empresas de montagem de veículos eléctricos.

Tal como a maior parte dos mineiros, Mayamba, 35 anos, desconhece o seu papel nessa cadeia de fornecimento global em crescimento. Utiliza uma pá de metal e um martelo já com a cabeça partida. Sem ferramentas industriais. Nem mesmo um capacete. O risco de desabamento é constante.

O TWP traçou essa conduta do cobalto e, pela primeira vez, mostrou como o cobalto extraído em tais condições termina em produtos de consumo generalizado e muito apreciados.

A conduta, ou pipeline, vai desde minas congolesas em escala reduzida a uma única empresa chinesa — Congo DongFang Internacional de mineração, parte de um dos maiores produtores de cobalto do mundo, Zhejiang Huayou — que desde há anos fornece alguns dos maiores fabricantes de baterias do mundo. Eles, por sua vez, produzem as pilhas encontradas dentro de produtos como iPhones da Apple — resta saber se são capazes de monitorizar as suas cadeias de fornecedores no que diz respeito a violações dos direitos humanos ou trabalho infantil.

O gigante de tecnologia Apple, com sede em Cupertino, Califórnia, em resposta a perguntas do TWP, reconheceu que 20 por cento do cobalt que utiliza vem da Huayou. Paula Pyers, directora da Apple e responsável pela responsabilidade social, disse que a empresa planeia aumentar o controlo sobre a forma como o cobalto que compra é obtido. Pyers informou que a Apple está empenhada em trabalhar com a Huayou para abordar as questões subjacentes, tais como a pobreza extrema, que resultam em condições severas de trabalho e trabalho infantil.

Outro cliente da Huayou, LG Chem, um dos principais fabricantes de baterias do mundo, disse ao TWP que parou de comprar minerais de origem congolesa no ano passado. A Samsung SDI, outro grande fabricante de baterias, disse que tem em curso uma investigação interna, mas que “tanto quanto é do seu conhecimento”, o cobalto que a empresa utiliza proveniente do Congo, não é fornecido pela Huayou.

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Poucas empresas fazem um rastreio regular da proveniência do cobalto que adquirem. É difícil seguir o trajecto que vai da mina ao produto acabado, mas possível, tal como o TWP descobriu. Guardas armados bloqueiam o acesso a muitas das minas do Congo. O cobalto passa por várias empresas e viaja milhares de quilómetros.

60 por cento de cobalto do mundo tem origem no Congo — um país caótico, cheio de corrupção e uma longa história de exploração estrangeira dos recursos naturais. Um século atrás, ainda o Congo era uma colónia belga, as empresas ligadas à indústria da borracha e as que comercializavam as presas de elefante já exploravam o país. Hoje, mais de cinco décadas depois do Congo se tornar independente, são os minerais que atraem as empresas estrangeiras.

A fiscalização é intensa para alguns deles; uma lei dos EUA de 2010 exige que as empresas americanas tentem verificar que qualquer estanho, tungstênio, tântalo e ouro que usam é obtido a partir de minas livres do controlo das milícias na região do Congo. O resultado é um sistema visto como prevenção de violações dos direitos humanos. Alguns dizem que o cobalto deve ser adicionado à lista de conflito-minerais, mesmo que as minas de cobalto não sejam consideradas como financiamento de guerra.

O comércio de cobalto do Congo tem sido alvo de críticas há perto de uma década, principalmente a partir de grupos de defesa. Até mesmo grupos de comércio dos Estados Unidos reconheceram o problema. A Coligação de Cidadania da Indústria Electrónica — cujos membros incluem empresas como a Apple — manifestou preocupações em 2010 sobre o potencial para violações dos direitos humanos na indústria de extração de minerais, incluindo a do cobalto e a dificuldade no rastreio das cadeias de fornecimento. O Departamento do Trabalho dos EUA lista o cobalto proveniente do Congo como um produto que, tem motivos para assim pensar, é produzido pelo trabalho infantil.

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A preocupação sobre como o cobalto está a ser extraído “surge de vez em quando”, disse Guy Darby, um analista que trabalha com a Darton Commodities em Londres. “E é tratado com muita censura e abanar de cabeça — mas logo desaparece de novo.”

No ano passado, o grupo holandês Center for Research on Multinational Corporations (SOMO) e a Amnistia Internacional apresentaram relatórios alegando incongruências incluindo deslocação forçada de aldeias e poluição da água. O relatório da Amnistia, que acusou o Congo DongFang de comprar minerais extraídos por crianças,levou a que, de imediato, uma série de empresas a afirmar que os seus fornecedores de cobalto acabavam de ser vetados.

Mas os problemas permaneceram evidentes quando os jornalistas do TWP visitaram zonas mineiras no Congo, este Verão.

Em Setembro, Chen Hongliang, o presidente da Congo DongFang detentora da Huayou, disse ao TWP que sua empresa nunca questionou como os seus minerais foram extraídos, apesar de operar no Congo e em cidades como Kolwezi durante uma década.

“É a nossa lacuna”, disse Chen em entrevista em Seattle, nos primeiros comentários públicos sobre o tema. “Não percebemos.”

Chen disse que a Huayou planeava mudar a forma de aquisição do cobalto, tinha contratado uma empresa externa para supervisionar o processo e estava a trabalhar com clientes como a Apple para criar um sistema para prevenir abusos.

Mas, a forma como tais problemas puderam persistir por tanto tempo — apesar dos frequentes sinais de aviso — ilustra o que pode acontecer em cadeias de fornecimento difíceis de decifrar, quando são maioritariamente não regulamentadas, o baixo preço é fundamental e o problema ocorre em uma parte distante, tumultuada do mundo.

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