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Quinta-feira, Abril 18, 2024

A propósito do anonimato nas redes sociais

Estrela Serrano
Estrela Serranohttps://vaievem.wordpress.com/
Professora de Jornalismo e Comunicação

O Expresso publicou este Sábado um trabalho da autoria do jornalista Adriano Nobre, sobre a página do Facebook Os truques da Imprensa Portuguesa, página anónima, que “visa denunciar os truques da imprensa portuguesa”.

No citado trabalho, o Expresso cita acusações feitas aos autores da página de serem alimentados por uma máquina de propaganda  do governo e de possuírem uma agenda política, baseados no facto de haver mais posts a desmontar notícias contra o governo do que contra a oposição e equipara esta página a blogs como Câmara Corporativa e Albergue Espanhol que no passado recente estiveram ligados, o primeiro  ao governo de José Sócrates e o segundo a Passos Coelho e ao PSD.

Os autores da página “Os Truques da Imprensa Portuguesa”, numa extensa declaração de interesses, recusam as acusações e afirmam terem todos “profissões liberais, em áreas de saber distintas, nenhuma das quais relacionada com comunicação social” e afirmam que nenhum faz parte de juventudes políticas ou partidos políticos.

O artigo do Expresso centra a discussão no anonimato da página. Porém, mais importante do que saber os nomes dos seus autores será, a meu ver, analisar o conteúdo e a pertinência  dos posts publicados e perceber se de facto eles representam uma análise séria das notícias e de denúncia de erros eventualmente cometidos ou se se trata de mera propaganda política. Em qualquer dos casos, os autores, sejam ou não anónimos, têm o direito de se expressar com ou sem agenda (política ou outra). Se forem violados princípios consagrados na Constituição e na lei cabe aos tribunais actuarem em conformidade.

Há porém uma reflexão que o artigo do Expresso suscita: em primeiro lugar, os jornalistas recorrem frequentemente a fontes anónimas para os mais variados fins, desde citação de opiniões a comunicação de factos. Ora, quando alguém questiona o conteúdo de notícias oriundas desse tipo de fontes (por exemplo, na área judicial) os jornalistas argumentam que o importante é o conteúdo e não a fonte. Do mesmo modo, se poderá afirmar no caso da página “Os Truques…”: o que ali se escreve merece atenção? Os métodos usados são legítimos?

Sobre os autores da citada página terem ou não agenda política, deve notar-se que quando um cidadão, seja político ou de qualquer outra área, escreve num blog , no Face ou noutra rede social, não está sujeito a regras jornalísticas de independência, contraditório, identificação de fontes, etc.. Ora, se os jornalistas citam frequentemente opiniões de fontes sem as identificar (são portanto anónimas para o leitor) e se contratam como comentadores e colunistas políticos e ex-políticos com agenda própria, porque não poderiam  cidadãos, sejam ou não políticos, usar as redes sociais para fins políticos?

É evidente que um cidadão comum tem o direito de escrever sob anonimato ou sob pseudónimo, sendo também legítimo que outros se interroguem e tentem conhecer a sua identidade. Porém, um cidadão que exerça funções públicas está sujeito a um maior escrutínio, o que todavia não o impede de recorrer ao anonimato assumindo os custos daí decorrentes.

No actual mercado dos media o valor de uma opinião ou de uma informação é tanto maior quanto mais mediático for o seu autor. O que é dito de viva voz pelo Presidente da República ou por um membro do governo ou da oposição tem maior “valor-notícia” do que o que é segredado (sob sigilo/anonimato) a um jornalista pelos mesmos protagonistas. Mas não é verdade que muito do que lemos e ouvimos resulta de fontes que não conhecemos?

Porquê então tanto sobressalto por os autores de “Os Truques da Imprensa Portuguesa” não dizerem quem são? Chamem-se José, João, Manuel, … o que escrevem vale a pena ser lido?

Artigo publicado originalmente no blog VAI E VEM

As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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