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Quarta-feira, Março 27, 2024

Querida Fronteira…

José Mateus
José Mateus
Analista e conferencista de Geo-estratégia e Inteligência Económica

“Perdoa-me… Eu amo-te e, está visto, não podemos viver um sem o outro!”. Depois de uns tempitos de zanga e de andar a experimentar “outras coisas”, o Estado regressa ao seu amor de sempre: a fronteira. Sim, a cena é de “perdoa-me” e de “não há ninguém como tu, fomos feitos uma para o outro, o nosso amor é eterno”

José MateusFez agora um ano que do alto da tribuna governamental, no parlamento de Atenas, o ministro grego da Defesa e dirigente do partido de direita radical Gregos Independentes, PanosKammenos, avisou a Alemanha e toda a União Europeia: “Se o Eurogrupo continuar a rejeitar a hipótese de prolongar o empréstimo à Grécia, vão existir consequências. Se eles nos atacam, nós vamos atacá-los. Se a Europa nos deixar nesta crise, vamos inundá-la com imigrantes e o pior é que nesse grupo vão estar ‘jihadistas’ do Estado Islâmico e essa onda humana vai chegar até Berlim.”

Ninguém, na altura, quis entender o que o grego estava a dizer. E muito menos o tomaram a sério. Em cabeça teutónica, o que grego diga não é para tomar a sério. Parcos de conhecimento de geografia e mais parcos ainda na geopolítica (essa mistura explosiva de geografia, história, cultura, simbólico e vontade…) tanto as figuras como os figurões do universo político-mediático como os “analistas” e outros comentadores deixaram passar em branco as palavras do grego. Talvez se tivessem lido uma boa biografia de Lord Byron ou observado o quadro de Delacroix…

Um ano passado sobre o aviso do ministro grego, o espaço Schengen é já uma recordação, a “União” desune-se e fragmenta-se, a Alemanha de Merkel tenta “bunkerizar-se”, as fronteiras ressuscitam, erguem-se muros no coração da Europa e Berlim mercadeja com os islamistas neo-otomanos de Ankara a garantia da segurança na fronteira sudeste da UE e cede a todas as suas exigências.

E, depois da “onda humana” ter chegado a Berlim, Merkel começa a perder eleições, enquanto a extrema-direita, surfando a “onda”, entra nos parlamentos dos “landers” e, facto inédito desde 1945, desponta como terceira força política alemã…“Se a Europa nos deixar nesta crise profunda…”, era esta a condição invocada por um desesperado Panos Kammenos para justificar uma inédita resposta: uma inundação da Europa com imigrantes ilegais, “uma onda humana direitinha para Berlim, uma onda de milhões de migrantes por razões económicas mas, também, alguns jihadistas do Estado Islâmico”.

Cada um recorre às armas que tem à mão… Face à avassaladora guerra económica de Berlim, a única coisa que Atenas tinha para responder era um “baixar da guarda” na fronteira e “laissez faire, laissez passer” (atitude muito liberal…) a multidão que aí pressionava vinda de leste e do sul. Irónico é que os gregos não precisavam de fazer coisa alguma, bastava-lhes não fazer, “descansar” um bocadinho…

Berlim insistiu na sua e não desistiu da imposição à Grécia das contas das suas folhas de “excel”, humilhou o governo de Atenas e… a promessa do grego começou a cumprir-se logo no Verão passado. A inédita vaga de refugiados causa agora à União Europeia problemas muito mais sérios, graves e muito mais caros do que a crise financeira grega que as tais folhas de ‘excel’ alemãs queriam ver resolvida a favor da banca alemã. E, sobretudo, abre para a Europa perspectivas assustadoras porque incontroláveis.

O regresso das fronteiras é apenas o aspecto mais visível e talvez o menos gravoso da evolução da nova situação criada por essa “onda humana” que apanhou de surpresa toda a amblíope “nomenklatura” reinante na “União Europeia”. Porém, como há males que vêm por bem, talvez que algo paradoxal esteja daqui a emergir. Uma adição de “democracias” não tem, necessariamente, um resultado democrático (pois a relação que se estabeleça entre as parcelas da soma pode ser tudo menos democrática…) e a democracia (como é hoje claramente visível a olho nu…) só funciona e resulta no quadro de um Estado soberano. E um Estado soberano pressupõe e exige fronteiras claras e definidas. O tempo dirá se os gregos não terão voltado a prestar um enorme serviço à (sobrevivência da) democracia na Europa…

A mensagem de Panos Kammenos que Angela Merkel não soube traduzir é simples: “É a geopolítica, estúpida!”

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