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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Os malaios da Europa

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Professor Universitário

Reformas laborais?

Como é sabido, as chamadas reformas laborais impostas pela Tróica assentaram em quatro vectores essenciais:

  • facilitação e embaratecimento dos despedimentos e da contratação precária;
  • aumento dos tempos de trabalho e diminuição dos salários e demais prestações remuneratórias;
  • restrição dos direitos sociais dos trabalhadores e dos cidadãos em geral;
  • diminuição das contribuições para a Segurança Social e dos impostos a cargo dos patrões.

Ir além da Tróica… Porque sim

Foi assim que, para além das previstas à partida como transitórias (tais como a da redução da remuneração do trabalho suplementar e a da admissão de duas renovações extraordinárias para os contratos a prazo que estavam então a chegar ao respectivo limite), ficaram as seguintes medidas (e o Governo e o PS já disseram que não é para lhes mexer):

  • a diminuição das compensações de antiguidade para 12 dias por cada ano a partir de Outubro de 2013[1];
  • a criação de uma modalidade de despedimento por alegada inadaptação do trabalhador, não por virtude e relativamente às modificações introduzidas no posto de trabalho mas baseada na mera e alegada diminuição da sua produtividade, simplesmente porque está mais velho, mais cansado ou mais doente[2];
  • a diminuição do número de dias de férias (com a extinção dos 3 dias suplementares previstos como contrapartida da ausência de faltas ao serviço)[3];
  • o alargamento dos três regimes de banco de horas (pelos quais se possibilita “legalmente” o não pagamento do trabalhão extraordinário prestado)[4];
  • as restrições ao acesso e fruição das várias prestações sociais como o subsídio de desemprego, nomeadamente com a redução do seu limite máximo e a sua diminuição automática em 10% ao fim de 6 meses[5], mas também o rendimento social de inserção, o complemento solidário para idosos e o abono de família, bem como os complementos de reforma estabelecidos nos acordos de empresa como o Metro, restrições estas de que resultou a exclusão de tais direitos para mais de meio milhão de beneficiários.

Simultaneamente, enquanto o IRS sobre os trabalhadores por conta de outrém e sobre os reformados não cessava de aumentar, o IRC – imposto sobre os rendimentos do capital foi o único que baixou e, claro, ainda agora se mantém diminuído.

E se se terminou finalmente, em Julho último, com a vexatória obrigação das apresentações quinzenais dos desempregados, a verdade é que, como alguns mais distraídos só agora terão descoberto, permanecem de pé diversas outras igualmente arbitrárias e humilhantes, como aquela que – à semelhança do que sucede com os arguidos em processo penal… – obriga os beneficiários do subsídio de desemprego a, sob pena da sua perda, comunicarem no prazo de 5 dias ao Centro de Emprego a sua ausência do País, seja ela por que razão ou por que período for, nem que seja para ir passar o Natal com o filho emigrado na Inglaterra. Umas e outras medidas policiescas e inconstitucionais primitivamente criadas, relembre-se, por Vieira da Silva em 2006, quando era Ministro do Trabalho de José Sócrates.

Prenda de Natal para os empresários

Mas com se tudo isto não fosse bastante, aos patrões que no corrente ano de 2016 pagaram apenas o salário mínimo nacional em vigor (€530 brutos mensais que representam, não o esqueçamos, somente €471 líquidos) aos respectivos trabalhadores – e estes foram nesse mesmo ano 600 mil, ou seja, 21% do total da força de trabalho do País! – o Governo de António Costa já dera o prémio da redução de 0,75% na TSU – taxa social única patronal, o que representou uma benesse para os mesmos patrões de qualquer coisa como 34 milhões de euros.

Por tal razão e com semelhante prémio, não admira que neste mesmo ano de 2016, 277.100 dos novos contratos de trabalho entretanto celebrados (isto é, 37,1% do total, quando em 2014 tal percentagem fora de 23,1% e em 2015 de 31,5%!) o fossem pelo referido salário mínimo. E isto para mais quando, no período dos 6 anos anteriores (2010-2015), Portugal, segundo um estudo da própria OIT – Organização Internacional do Trabalho, já havia sido o 7º dos 91 países ali comparados em que as empresas mais cortaram nos valores destinados a salários.

Porém, e como se tudo isto já não fosse suficiente, eis que Costa e o seu Governo, incumprindo a promessa eleitoral da subida do salário mínimo nacional para o valor, mesmo assim irrisório, de €600, atirando-o agora para 2019 e fixando o seu valor para o ano de 2017 em €557 ilíquidos (cerca de 490€ líquidos), trataram de conceder uma segunda e ainda maior benesse aos patrões. Como? Reduzindo a respectiva TSU em 1,25%, e isto não apenas para todos aqueles que paguem salários brutos entre €530 e €557 mas também até €700, desde que tal valor se reporte a trabalho extraordinário e/ou nocturno. Medida esta, por consequência, muito mais ampla que a anterior, já que passará a abranger mais de  1 milhão de trabalhadores e representará para os patrões um novo “prémio”, agora de 120 milhões de euros, o qual ou é pago directamente pelos contribuintes ou implicará um novo e drástico agravamento da descapitalização da Segurança Social.

A Europa de segunda classe

Já agora, convirá também recordar que, segundo os próprios dados da Eurostat, o Serviço de Estatística da União Europeia, o salário mínimo em França é de €1467, na Alemanha de €1473, na Holanda de €1508, na Irlanda de €1546 e no Luxemburgo de €1923. E também que o nosso salário mínimo nacional, para representar em 2016 o mesmo poder de compra que o de 1974 mas sem incorporar o aumento de produtividade verificado nestes 42 anos, teria de ser já de mais de €541 e, com a incorporação desse mesmo aumento de produtividade, de cerca de €1330!

Ora quando, segundo os dados do INE – Instituto Nacional de Estatística, temos 2,6 milhões de concidadãos nossos sob ameaça de pobreza e exclusão social (1/5 dos quais são trabalhadores empregados mas com salários de autêntica miséria) e, conforme anunciou entretanto a UTAM – Unidade Técnica de Acompanhamento do Ministério das Finanças, o Estado Português concede anualmente isenções e benefícios fiscais de 1,8 mil milhões de euros (10% dos quais apenas a 3 empresas – à EDP 90 milhões, ao Novo Banco 50 milhões e à empresa da Madeira SAIPEM 43 milhões), mas mantém à viva força o congelamento e a caducidade da contratação colectiva e a possibilidade legal de esta poder conter condições menos favoráveis que as da própria lei, fica bem visível o carácter de classe da política deste Governo e a sua vontade de, descontando ligeiros retoques de cosmética, manter na mesma as principais medidas laborais da Tróica e, não obstante os patéticos discursos natalícios do Primeiro–Ministro acerca da Educação e da Qualificação, continuar a fazer dos trabalhadores portugueses os malaios da Europa…

[1] Artº 366º, nº 1 do Código do Trabalho.
[2] Artº 375º, nº 2.
[3] Artº 238º.
[4] Artº 208º, 208º-A e 208º-B
[5] Artº 28º, nº 2 e artº 29, nº 1 do Dec.-Lei nº 220/06, com a redacção do Dec.-Lei 64/2012, de 15/3.

Nota do Director

As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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