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Sexta-feira, Março 29, 2024

Síria: limpeza étnica com armas químicas

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

É essencial entender que a guerra contra o jihadismo e outros totalitarismos como o de Putin se joga essencialmente no tabuleiro da informação e desinformação. É tempo de deixar de alimentar visões ingénuas do que se passa nesse domínio e entrar no combate de forma séria e decidida.

  1. Memórias do Iraque

Estamos no princípio de Abril de 2004 quando finalmente chego à antiga base transformada em campo de refugiados iranianos no Iraque, situada perto da estrada Bagdade-Kirkuk, na margem esquerda do Tigre.

Na invasão de Março de 2003, apesar das inúmeras mensagens directas e indirectas de não-beligerância, apesar de não terem disparado um tiro, o campo controlado pelo “Conselho Nacional da Resistência Iraniana”, Ashraf, tinha sido duramente atingido pelo bombardeamento aéreo e os sinais de destruição – mau grado o intenso trabalho de reconstrução – continuavam a ser evidentes. No cemitério local, visitei a campa de dezenas de vítimas do bombardeamento.

Campo de Ashraf

As decisões de bombardeamento do campo de Ashraf resultaram de pedidos expressos do Reino Unido, concretamente do seu responsável diplomático, Jack Straw, e da intensa campanha feita entre outros pela baronesa Emma Nicholson.

Graças ao inquérito nacional britânico sobre o Iraque, confirma-se hoje o papel crucial de Jack Straw na invenção das armas de destruição maciça no Iraque, e quem tiver tempo e paciência poderá ver que, publicamente, no Parlamento Europeu, na Câmara dos Lordes ou nas Nações Unidas, a baronesa Nicholson é a personalidade política que mais se distingue na denúncia das armas de destruição maciça de Saddam Hussein que seriam escondidas no Iraque, exactamente em Ashraf, pelos membros do “Conselho Nacional da Resistência Iraniana”.

Na verdade, se lida com mais atenção, constata-se que a baronesa se limita a repetir a extensa propaganda feita publicamente pelos responsáveis iranianos ou pelos seus canais de desinformação.

No meu livro publicado em 2008 “A Outra Invasão do Iraque”’ identifico o percurso da maior parte das efabulações sobre armas de destruição maciça no Iraque e mostro as suas ligações ao aparelho de desinformação iraniano, nomeadamente a mais importante de todas elas, a que passou pelos serviços secretos italianos e foi cozinhada pelo agente duplo iraniano, Manucher Ghorbanifar, que em Portugal usava no passaporte o nome de “Manuel Pereira”.

É um trabalho que infelizmente nunca foi feito nos EUA, provavelmente para não expor as razões pouco edificantes ou a simples falta de discernimento e inteligência de um conjunto de responsáveis políticos sem os quais nunca teria sido possível montar o desastre da efabulação das armas de destruição maciça no Iraque.

  1. A máquina de desinformação em marcha

Como é típico do aparelho de desinformação iraniano, assim que consumado o objectivo da invasão do Iraque, foram eles os primeiros a culpar o Ocidente em geral, ou os líderes americanos em particular, pela efabulação que eles mesmo criaram.

E foram eles também que perante a multiplicação dos ataques químicos do regime fantoche de Assad contra a sua população puseram em marcha o argumento de que se tratava de novo de uma invenção ocidental para justificar a “agressão” ao regime sírio.

Sete anos depois do início da guerra da Síria, depois de milhares de ataques químicos, de vários relatórios concludentes das Nações Unidas e de milhares de testemunhos impossíveis de manipular de forma tão precisa, os patrões da entretanto formada aliança russo-iraniana continuam a repetir que é preciso ‘provas’ e que é tudo uma conspiração ocidental e que são as vitimas que se suicidam com armas químicas.

A forma como, especialmente em Portugal, a imprensa e as redes sociais continuam a ser inundadas por uma campanha feita de teorias da conspiração, ignorância e de uma inesgotável capacidade para mentir sem olhar a meios, é impressionante.

Grande parte dos que participam nestas campanhas de desinformação fazem-no por fé e dogmatismo e são por isso imunes a factos e argumentos, enquanto uma outra parte o faz por interesse, mas a maioria fá-lo por desinformação e pela síndroma do apaziguamento.

Na lógica do apaziguamento, é necessário fechar os olhos aos milhões de vítimas sírias, é necessário fazer de conta que não se sabe que se usam maciçamente armas químicas para matar civis, na esperança de que os fautores dos crimes se saciem com a carnificina que por lá fazem e não venham a fazer o mesmo entre nós.

A psicose do apaziguamento é tão ou mais letal que a psicopatia da conspiração que vê inimigos onde estes não existem. O sucesso de qualquer estratégia de defesa passa por ser capaz de resistir a ambas as psicopatias e nunca perder o sentido do equilíbrio simultaneamente racional e emocional.

  1. A frente ocidental unida no ataque às bases químicas sírias

Em política externa, o traço mais marcante da candidatura de Donald Trump foi a denúncia da invasão do Iraque como o maior desastre da política externa americana, denúncia que lhe valeu o ódio dos clãs Bush e Clinton e de toda a intelligentzia americana, particularmente dos membros do velho clube do “neo-conservadorismo”, hoje inexistente.

Como é tradicional no populismo, Donald Trump acertou mais por instinto que por compreensão, (como foi aliás também o caso da ameaça nuclear) e desdobra-se em iniciativas que fazem sentido táctico mas que falham a visão estratégica.

A verdade é que a total falta de vontade da oposição democrática americana de enveredar por um caminho de reforma, a sua tentação de se esconder atrás de processos judiciais e a sua ausência de perspectivas fazem como os cenários mais prováveis sejam a ascensão de um populismo democrata e o renovar da vitória do actual presidente americano.

O facto de Donald Trump – com a sua notória total ausência de diplomacia – ter conseguido unir todo o Ocidente atrás de si, apesar do intenso bombardeamento da desinformação irano-russa, e do profundo dinamitar das elites ocidentais pelo populismo, é um feito notável.

Posto isto, nesta operação de neutralização do aparelho químico sírio, tudo parece semelhante ao bombardeamentos das bases afegãs da Al-Qaeda por Bill Clinton, saudados pela generalidade do mundo ocidental, como se fosse um fim e não o princípio de uma guerra, e por isso, tudo faz temer a repetição dos mesmos erros.

O primeiro facto a ter em conta é o de o jihadismo ser a ideologia dominante do que resta da chamada oposição síria, que está hoje sob o controlo da Irmandade Muçulmana da Turquia de Erdogan e do Qatar. A Turquia não faz segredo de que prefere fazer um acordo com a aliança russo-síria para esmagar a população curda e bater o Ocidente, abandonando a população árabe sunita ao massacre.

Muitas das minorias – a começar pelas cristãs – foram assim obrigadas a preferir a pata irano-russa às limpezas étnicas dos jihadistas sunistas.

Repare-se que enquanto as forças curdas preferiram render a cidade de Afrin, as organizações jihadistas do Ghouta Oriental preferiram deixar a população ser gaseada pelas forças de Assad a deixar o terreno. É a mesmíssima ideologia do Hamas e de todas as outras organizações jihadistas para quem os civis – e em particular as mulheres e crianças – são carne para canhão se possível a ser utilizados pela propaganda. É absolutamente claro que o Ocidente tem de considerar a Irmandade Muçulmana como sua inimiga estratégica.

Depois, a ideia simplista de que tudo se resolve destruindo meia dúzia de fábricas de armamento químico não é séria e não nos leva a lado nenhum. Se o Presidente Donald Trump reiterar a sua opção de total retirada da região; se o Ocidente não fizer estratégias de longo prazo de colaboração com os países e com os actores que na região ainda não estão submetidos a nenhuma das alianças jihadistas, não há solução possível, e veremos a barbárie implantar-se na região e, obviamente, saltar para a Europa. Desse ponto de vista, a União Europeia tem que aprender com Putin, para quem os tabuleiros do Mar Negro, Báltico ou Mediterrâneo são naturalmente teatros diferentes do mesmo confronto.

Acima de tudo, é essencial entender que a guerra contra o jihadismo e outros totalitarismos como o de Putin se joga essencialmente no tabuleiro da informação e desinformação. É tempo de deixar de alimentar visões ingénuas do que se passa nesse domínio e entrar no combate de forma séria e decidida.

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