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Sexta-feira, Março 29, 2024

Sustentabilidade ou susceptibilidade?

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Voltámos a assistir na semana passada a mais uma bem orquestrada acção de propaganda a propósito da questão da dívida pública.Como em ocasiões anteriores deu-se voz à corrente de opinião que se opõe à ideia (e ao princípio) da reestruturação das dívidas, como se de um anátema se tratasse. Três ex-ministros das Finanças (Luís Campos e Cunha, Fernando Teixeira dos Santos, e Maria Luís Albuquerque) advogaram perante a Comissão Parlamentar de Orçamento que uma hipotética reestruturação seria prejudicial por implicar mais prejuízos que ganhos e, como sempre, nenhum dos três quantificou qualquer um dos cenários, limitando-se à consagrada e desgastada fórmula que antevê o agravamento dos juros em caso de reestruturação.

Já em 2014, Campos e Cunha avançou o mesmo argumento para refutar um trabalho então apresentado por um conjunto de economistas (Ricardo Cabral, Francisco Louçã, Eugénia Pires e Pedro Nuno Santos) sob o título UM PROGRAMA SUSTENTÁVEL PARA A REESTRUTURAÇÃO DA DÍVIDA PORTUGUESA (o texto completo pode ser descarregado aqui) que propunham uma negociação para a redução do valor presente da dívida (reestruturação de dívida), através da redução de juros e aumento dos prazos de amortização. Então, como agora, a contestação nunca mereceu qualquer quantificação, baseando-se sempre na premissa de que qualquer tentativa de renegociação se traduziria fatalmente por um agravamento do custo do serviço da dívida.

É verdade que em 2014 a economia portuguesa ainda estava sob intervenção do FMI e da UE, com uma dívida classificada pela agências de rating como lixo e consequentemente arredada da hipótese de normal acesso aos mercados financeiros. Sucede porém que os grandes apólogos deste modelo de financiamento público (realizado exclusivamente por via dos mercados financeiros) esquecem sempre duas importantes variáveis:

  1. a taxa de juro praticada pelos mercados raramente apresenta uma correlação exclusiva com as condições macroeconómicas das economias que financia;
  2. a grande acumulação e concentração de capital depende totalmente da emissão de nova dívida para ver os seus capitais remunerados;

e assim, como a realidade o tem demonstrado e os gráficos abaixo ilustram, as taxas a que as diferentes economias europeias se financiam tem muito mais a ver com meros jogos de expectativas ou de poder – quando não com a mais que prosaica necessidade absoluta de investimento – do que com a evolução dos principais agregados macroeconómicos.

Evolução da Dívida Pública em valor absoluto e das Taxas de Juro (fonte: Pordata)

Gráfico 1 – Evolução da Dívida Pública em valor absoluto e das Taxas de Juro (Fonte: Pordata)

Gráfico 2 – Evolução da Dívida Pública em % do PIB e das Taxas de Juro fonte: Pordata

Gráfico 2 – Evolução da Dívida Pública em % do PIB e das Taxas de Juro (Fonte: Pordata)

Das imagens conclui-se que Itália e Espanha apresentam taxas de juro muito abaixo do que seria de esperar face aos elevados valores da sua dívida pública, que quando medida em termos da dívida relativa não existe explicação para a grande diferença entre a taxa italiana e a portuguesa e que ultrapassado o pico da “crise” as taxas de juro grega e portuguesa caíram apesar das respectivas dívidas públicas (em valor absoluto ou em percentagem do PIB) não se terem alterado, refutando assim as apreciações alarmistas da corrente monetarista e ultraliberal.

Dito isto, deverão ser outras as razões para justificar a susceptibilidade destes especialistas em debater a questão e a insistência no dogma contra a reestruturação. Por incrível que possa parecer a resposta a esta questão foi dada logo em 2014 por Campos e Cunha quando argumentou que a ideia duma reestruturação provocaria a queda do valor actual da dívida a que se seguiria a necessidade da ajuda estatal ao sector financeiro português, deixando bem claro que o verdadeiro problema radica na indispensabilidade de protecção ao sistema financeiro, nem que seja a expensas das populações.

Será preciso ser ainda mais claro para demonstrar quais os verdadeiros objectivos daqueles que defendem a lógica do financiamento público exclusivamente através do sistema financeiro e a “austeridade expansionista” a qualquer custo?

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