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Quarta-feira, Março 27, 2024

Talvez até eu fosse Luterano sem Martinho Lutero

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

DO AVESSO

Em 2017 assinalam-se os 500 anos passados sobre a data em que um monge agostinho e professor de Teologia, o germânico Martinho Lutero, afixou 95 Teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg – assinando, sem dúvida, uma nova página na história do mundo ocidental.

O meu interesse pelo estudo da História levou-me ao estudo das Religiões, pelo que tenho lido Lutero – e o muito que se escreveu sobre ele – nos últimos anos. Fascinou-me, entre muitas que li, a obra de Lucien Febvre, o grande historiador dos Annales; achei interessante a biografia de Edwin P.Booth, que foi professor de História da Igreja, na Universidade de Boston; e li e reli Os Grandes Escritos Reformadores, na famosa edição Aubier, das Éditions Montaigne, de Paris – lamentando não saber alemão a ponto de me bater com os originais de Martinho Lutero, profeta inspirado, um quase herói, que assinou um dos momentos mais determinantes da história do Ocidente.

O grande defeito de estudar Lutero está nos livros disponíveis. Parece uma contradição, mas não é: boa parte da bibliografia existente sobre a Reforma e, em particular, sobre Martinho Lutero, reveste-se de tom confessional e apologético. Em nome da Ciência há que, portanto, ter cuidados redobrados. Registei com curiosidade a biografia Lutero – Palavra e Fé, escrita por Joaquim Carreira das Neves, padre católico.

Lutero nunca reuniu consensos

Vilipendiado e endeusado, criticado e denegrido, louvado e festejado,  Lutero nunca reuniu consensos. No século XIX, o nacionalismo alemão, elevou Lutero que foi então celebrado como herói nacional, em muitas representações, sem qualquer base histórica na maior parte dos casos.

As suas declarações sobre os judeus foram usadas pelos nazis para justificar a queima de sinagogas. Sobre os Judeus e Suas Mentiras (do alemão Von den Juden und ihren Lügen) é um tratado escrito em Janeiro de 1543 pelo teólogo protestante Martinho Lutero, no qual defende a perseguição dos Judeus, a destruição dos seus bens religiosos, assim como o confisco do seu dinheiro.

Lutero baseia-se no conceito germânico de liberdade, contra a imposição de se reverenciar líderes estrangeiros.

Os ideólogos da comunista República Democrática Alemã intitularam Lutero como indeciso, alguém que, se tinha ideias reformistas, logo alinhou com os poderosos, e não combateu contra eles, como, por exemplo, Thomas Müntzer.

Para a Igreja Católica Romana, Lutero foi um sedicioso, um insubordinado; por sua causa grande parte do ocidente afastou-se do “único caminho a seguir”. Para as igrejas evangélicas, Lutero foi um iluminado pela fé, embora quando se discuta com muitos dos seus membros, nem todas as ideias de Lutero são bem aceites – e o luteranismo é menos Lutero do que se possa pensar.

Movimento reformador europeu

Faço parte da comissão que apadrinha o Congresso Internacional “Um Construtor da Modernidade: 500 anos das Teses de Lutero”, promovido pela Área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona e pela Sociedade Portuguesa da História do Protestantismo, em parceria com a CIDH (Universidade Aberta/CLEPUL), que se realiza em novembro de 2017, em Lisboa, para comemorar o quinto centenário do que pode ser considerada a fundação do movimento reformador europeu.

Convido-os a todos. Pelo menos a não ficarem indiferentes ao evento e a ajudarem a divulgá-lo, com a certeza que indo lá estarão mais perto da compreensão do mundo em que vivemos. E deseja-se o debate – parece que em Portugal há uma quedazinha para o estar contra, o que, sob o ponto de vista académico, deseja-se e é salutar. Posso adiantar-vos duas coisas: uma que preparo uma Comunicação ao Congresso (pelo menos uma), e estou tentado a falar sobre 1917… apresentando uma reflexão em torno do Padre Júlio Maria De Lombaerde, missionário católico belga, presbítero e religioso professo da Congregação dos Missionários da Sagrada Família que era obcecado por Lutero, que considerava um enviado do diabo.

Só por curiosidade, o primeiro biógrafo de Lutero e seu inimigo feroz, foi Johannes Cochlaeus, que, já em 1529, dizia que o Reformador alemão tinha “sete cabeças”, em alusão a demónios apocalípticos.

Quero também deixar a sugestão de que o que me impediria de ser luterano, se alguma vez tivesse essa tentação, era o próprio Lutero.

Vou voltar ao tema, se quiserem.

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90

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