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Quarta-feira, Março 27, 2024

Teixeira de Pascoais

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

O regresso do Poeta e do Filósofo

Portugal, país de povos quase sempre ameaçados, pelos múltiplos medos que a debilidade das suas fronteiras representava, pelos diversos inquisidores que o circunscreviam e matavam, pelos censores que o amordaçavam, pela vigilância política que o anulava, pela mentira que a história lhe impunha (como essa estranha lenda de ser reduto de brandos costumes), pelas guerras travadas, invasoras, civis, imperiais ou coloniais, tremendas e impunes, pelo medo ainda da interculturalidade, e sobretudo pela orfandade, pelos mortos, pelos presos e os sem rasto que deixava pelas quatro partidas do Mundo – foi-se assim gerando e sedimentando como País mais de pensar do que do pensamento, mais das ideias por vezes muito sofridas do que pelas ampliadas.

Como se isso fosse a matriz de uma resistência, toda essa profusão de sentidos e sentir não produziu filósofos, mas em seu lugar deu ao mundo poetas mais ou menos profundos, naquilo que anunciava o que hoje somos: pequena terra de todos à procura de sentido.

Assim, o que em nós é o filósofo, é inequivocamente o poeta. Naqueles que nos pensaram em poesia há nomes tão diferentes como Sá de Miranda, Luís Vaz de Camões, Fernando Pessoa, Herberto Helder (“o poema faz-se contra o tempo e a carne”), Ary dos Santos, Natália Correia, David Mourão Ferreira, até, perdoe-se-me a heresia, Eduardo Lourenço, que esse disse adeus à filosofia pelo poema do pensar.

Entre estes, sobressaindo, com traço de época, está Teixeira de Pascoais aquele que afirmou que Fernando Pessoa, evidentemente, não lhe merecia muita consideração como poeta. (Na sua última entrevista, de 1950, dizia Pascoais: “não digo que foi mau poeta. Digo que não foi poeta, isto é, nem bom nem mau poeta. E se foi poeta, foi-o só com exclusão de todos os outros, desde Homero, até aos nossos dias… Veja a «Tabacaria»: não passa duma brincadeira. Que poesia há ali? Não há nenhuma, como não há nada… nem sequer cigarros!… Fernando Pessoa tentou intelectualizar a poesia e isso é a morte dela. (…) Fernando Pessoa, quanto era lógico na prosa, era ilógico no verso).

“As Biografias no Pensamento Português” e “A Arte de Ser Português e a Renascença Portuguesa”


Porém, o aplauso agora, motivador destas linhas, é a edição de dois volumes centrados em Teixeira de Pascoais, onde um bom punhado de autores discorre sobre o poeta. Falo de “As Biografias no Pensamento Português” e “A Arte de Ser Português e a Renascença Portuguesa”, com lista vasta de autoria, sob orientação que garante a qualidade do conteúdo: Sofia A.Carvalho, que assina a coordenação geral das obras, e Annabela Rita e José Eduardo Franco, que assinam a coordenação científica.

Os livros resultam de um evento, não o esquecemos: a Câmara Municipal de Amarante em parceria com o Instituto de Ciências da Cultura Padre Manuel Antunes, o CLEPUL – Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa -, e a Biblioteca Nacional, apostaram na organização de um evento dedicado a Teixeira de Pascoaes intitulado Triénio Pascoalino 2014 | 2015 | 2017. Tal evento compreende três momentos, consubstanciados em três Congressos Internacionais temáticos. Este primeiro volume torna-se, assim, não apenas o resultado ensaístico desses mesmos anos de encontro académico-científico, mas, sobretudo, a justa e exigida celebração do pensamento de Teixeira de Pascoaes.

Pascoais é nestes dois volumes revisitado por muito daqueles que o estudaram ou que, pelo menos, lhe consagraram alguma atenta e episódica atenção. E os livros são, antes do mais, a oportunidade ímpar de rever um dos grandes da língua portuguesa, essa que não é, realmente, a nossa pátria, como ironicamente sentenciou Pessoa, e se colocarmos a frase no contexto em que a escreveu –  no Livro do Desassossego e travestido em Bernardo Soares – poucos seriam os que voltariam a citá-la.

O erro de errar

Recordo Eduardo Prado Coelho:
O que os simplificadores não entendem é afinal algo que se pode dizer numa frase muito simples: que vale sempre mais correr o risco da obscuridade e da ilegibilidade do que ficar no conforto da acessibilidade. Feitas as contas, foi sempre a obscuridade que venceu.

Teixeira de Pascoaes era um filósofo na sua capa de poeta e produziu a partir da experiência existencial da saudade a sua mais importante reflexão: o ser manifesta uma condição saudosa. Do Ser ao ser, o processo é intense. Quase como em certas correntes de vida e pensamento orientais, também para Teixeira de Pascoais a percepção da condição saudosa de ser é visto como aquela que resulta numa condição dolorosa do mesmo ser. Dor de

privação, dor de saudade, finitude. A experiência da dor (pelo homem saudoso), é simultaneamente individual e universal. O mundo como “uma eterna recordação”, ou a realidade como evocadora de uma outra realidade mais real que aquela. O Saudosismo como Messianismo. Como inevitabilidade da estrutura humana. O filosofo bem merece ser revisto, nos dias de hoje.

A oportunidade que estes dois livros constituem, pode perder-se no véu em que são promovidos. Se forem à Internet procurar o texto de apresentação das obras, ficarão a pensar que há o erro de errar, qualquer coisa como o que se passou com a mulher de César, que para ser tinha de parecer. O texto em que se resume os livros faz o leitor desejar estar muito longe. É uma vontade de parecer, que não é. Repare-se: “Dando prossecução ao primeiro volume, atesta-se pelo género literário das biografias, na terceira década do século XX, e, neste caso, pela prosa poética de Teixeira de Pascoaes, a demarcada índole ficcionada e filosófica de um anúncio radical e extraordinário dos princípios teoréticos fundamentais da sua obra. “ Lá se vai Pascoais e a vontade de ler textos interessantíssimos reunidos na obra, pois a antecâmera é obscura e cinzenta – anúncio radical e teorético, enfim.

Mas não desista: são duas obras fundamentais para entender Pascoais, para o revisitar, para ressuscitar o poeta e entendê-lo.  Uma edição corajosa, também, porque sem o hábito de pensar, os portugueses não são muito ávidos de comprar livros “que pensam”.

«Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente. Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m’a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.»

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90

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