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Sexta-feira, Março 29, 2024

Um exercício de memória e de pedagogia cívica. No Porto, hoje e amanhã

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

Hoje não falo de cinema. Ontem à noite fui ao teatro. E longe de ser um especialista na matéria senti a necessidade de escrever estas linhas. Peço aos leitores desculpa pela ousadia. Mas há coisas que não devemos calar. Conheço o José Leitão há muitos, muitos anos, dos tempos em que ambos tínhamos um papel muito activo no movimento cultural da cidade. Quatro anos depois de eu ter participado na fundação do Cineclube do Norte (do qual ela era um dos associados mais antigos) o José Leitão, nos idos de 1981, fundou com outros amigos, o ‘Teatro Artimagem’ que para além de outras criações haveria se fazer notar pelo seu Festival “Fazer a Festa”. Há uma dúzia de anos o Cineclube do Norte deixou de funcionar enquanto o ‘Artimagem’, continuou a perseguir o sonho até aos dias de hoje. Não digo contra tudo e contra todo porque encontrou na Maia e no seu município o apoio que no Porto lhe tem faltado.

Mas voltemos à noite de ontem e ao espectáculo que pude ver, no Porto, na Casa das Artes – ‘O Fascismo Nunca Existiu’, criação nº 107 (!!!) do ‘Artimagem’. O texto, a dramaturgia, a direcção e a encenação são de José Leitão.  A ‘acção’ começa com o anúncio do fim da 2ª Guerra Mundial e, ao longo de cerca de hora e meia, o espectador pode seguir uma série de episódios que retratam a apagada e vil tristeza, a pobreza e a repressão que, vindas de trás, haveriam de se prolongar por mais quase três décadas. A revolta do movimento estudantil, a violência da PIDE e das suas prisões, as condições de vida das classes menos favorecidas, a exploração, as lutas e a repressão nas minas, nas fábricas e nos campos, a escola no tempo da ditadura, a censura e a resistência no teatro (em particular no Teatro Experimental do Porto), a importância de grupos da igreja católica na oposição ao regime (por exemplo a menção à JOC – Juventude Operária Católica e o ‘quadro’ da oposição com final trágico do povo de Lourosa, nos anos 60, à saída do seu pároco ) e a guerra colonial, são apenas alguns dos temas que são referidos no texto, apresentado numa encenação despretensiosa mas imaginativa e eficaz e representado por um grupo de jovens actores (Flávio Hamilton, Inês Marques, Luís Duarte Moreira, Patrícia Garcez e Susana Paiva) que tendo nascido já num país livre e democrático assumem com energia e autenticidade a vivência daqueles anos de chumbo.

Claro que ao longo do espectáculo surgem também momentos que suscitam alguns sorrisos, como a descrição dos vibrantes jogos de futebol que os miúdos faziam na rua (e em que os mais abastados tinham que tirar os sapatos para que todos estivessem em igualdade de circunstâncias) ou das corridas de ‘sameiras’ (noutras regiões designadas por ‘caricas’) nas bordas dos passeios.

No final do espectáculo, o estertor do fascismo – o processo das três Marias (‘Novas Cartas Portuguesas’), o golpe das Caldas e a madrugada do 25 de Abril. Antes disso, e momento particularmente vibrante, a referência ao Congresso da Oposição Democrática de Aveiro em 1973. Não foi por isso por acaso que este espectáculo estreou, em 18 de Novembro, no Teatro Aveirense.

Duas referências finais: uma para as imagens de arquivo que são projectadas durante todo o espectáculo e que enquadram a representação teatral e outra para as fotografias de cena de Paulo Pimenta, grande fotojornalista, que, com a devida vénia, aqui reproduzimos.

Para os interessados em assistir a este exercício de memória, para aqueles que viveram naquela época, mas também uma oportunidade para os mais novos saberem o que custou a liberdade. ficam aqui os dias e as horas das próximas representações:

Porto

Casa das Artes
Hoje, sábado – 16 de Dezembro – 21h30
Amanhã, domingo – 17 de Dezembro – 16 horas

Famalicão

Casa das Artes
19 e 20 de Janeiro

Viana do Castelo

Teatro Municipal Sá de Miranda 
27 de Janeiro

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