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Sexta-feira, Abril 19, 2024

Um novo paradigma para o socialismo

João de Almeida Santos
João de Almeida Santos
Director da Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração e do Departamento de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais da ULHT

Confinado entre as directivas de uma Europa comandada a partir de Berlim e não raro à deriva e uma Internacional Socialista sem o fulgor de outrora bem como pelos acordos com os parceiros à sua esquerda que no Parlamento o sustentam, o actual governo, e o próprio Partido Socialista, parece não seguir uma linha coerente e orientadora na sua acção chegando a agir de forma algo errática e por vezes mesmo contraditória.

O eclipse dos partidos socialistas em diversos países europeus a par do ocaso do Syriza na Grécia indiciam que é necessária uma profunda reflexão à esquerda que, liderada pelos socialistas, tenha margem para albergar figuras de esquerda independentes e mesmo dos restantes partidos de esquerda que nela revelarem interesse. Mudar o paradigma é a forma de conter a erosão e estancar a hemorragia de cidadãos para o populismo, para o frentismo e para a extrema direita. Esta reflexão deverá incidir sobre os próprios fundamentos filosóficos, ideológicos e políticos permitindo agir em vez de reagir.

O documento abaixo, da pena de João de Almeida Santos, é um contributo valioso e o primeiro de uma série de cinco artigos onde o investigador de Filosofia Política apresenta e defende um conjunto de teses que, indubitavelmente, constituem um excelente ponto de partida para o debate urgente que se impõe.

João de Sousa


Contributo para um debate à esquerda – 1

por João de Almeida Santos

Un nuevo paradigma para el socialismo

LA POLÍTICA está conociendo cambios muy profundos. Todo está cambiando. Pero las formaciones políticas tradicionales no han todavía comprendido lo que está sucediendo! Siguen haciendo política como la hacen desde hace demasiado tiempo. Su componente orgánica sigue siendo decisiva en su organización. Los métodos de selección de los dirigentes no han cambiado ante los profundos cambios producidos por la revolución de la Red y de las TICs. No han todavía comprendido que estamos ante una afirmación de ciudadanía muy fuerte y muy diferente de las que nuestras sociedades han conocido hasta ahora. La red y las Tics están revolucionando las relaciones humanas, las relaciones sociales y también la política.

La perspectiva comunitarista dominante en la visión del mundo de las izquierdas tradicionales no tiene sentido ante la emergencia de los nuevos “prosumers” muy activos en el nuevo espacio digital deliberativo. El dominio absoluto de la lógica de las grandes organizaciones en la política y la comunicación ha terminado, pues que está emergiendo un nuevo tipo de poder, el poder diluido, centrado en un individuo complejo, portador de múltiples pertenencias ideales y de intereses muy diferenciados, capaz de utilizar con eficacia y rapidez los nuevos medios (las TICs) sea para movilizar sea para organizar la ciudadanía en torno a nuevos proyectos políticos.

Propongo, pues, aquí una nueva y estructurada visión global para un cambio y una definición más avanzada de la identidad político-ideal de los partidos socialistas que están conociendo una peligrosa erosión política, cediendo el paso a formaciones populistas sin contenido substantivo, pero muy fuertes y competentes en el uso de los nuevos medios para la auto-movilización e auto-organización de la ciudadanía. Hay, pues, que identificar nuevas líneas ideales, una nueva cartografía política y cognitiva para la ciudadanía y nuevas formas de organización y de movilización que estos partidos tienen que asumir.

La ciudadanía, el tiempo de la política, la comunicación, la naturaleza del poder han cambiado en profundidad y los agentes activos de la política tienen que comprender que si no cambian serán pronto substituidos por otros más competentes y eficaces, pero en muchos casos sin una clara identidad política pues que su afirmación está basada solamente en la crítica y en fórmulas populistas para consumo electoral.

Hace unos meses (enero 2016), António Costa, Secretario General del PS, y Pedro Sánchez, Secretario General del PSOE, han afirmado la necesidad de producir cambios profundos en el panorama europeo de los partidos socialistas que pueda interrumpir con éxito el proceso de creciente afirmación de partidos alternativos y populistas nutriéndose esencialmente de los electorados de estos partidos. Sí, es un paso adelante, pero este proceso es más que publicidad o afirmación de buenas voluntades. Sin embargo hay que producir profundos y substanciales cambios para obtener resultados compatibles con las nuevas exigencias de la ciudadanía.

En Portugal el cambio está siguiendo su recorrido. No ha sido, en Portugal, todavía alcanzada una fórmula que pudiera integrar a los partidos a la izquierda del PS (PCP y Bloque di Izquierda) en una solución de gobierno (y no sólo parlamentaria). El proceso está siguiendo sus trámites, con un gobierno del PS apoyado por estos partidos. En España, Sánchez ha dimitido como secretario general del PSOE que sigue su proceso con una Gestora hasta la elección del nuevo secretario general.

“You might not see things yet on the surface, but underground, it’s already on fire”

Mangunwijaya. Leitmotiv de “No Logo”, de Naomi Klein.

Introdução

Não é necessário ser um especialista em Teoria Política para verificar que, nesta matéria, estamos a conhecer hoje profundas transformações. Que, na verdade, se trata de uma mudança de paradigma que os socialistas não podem desconhecer, limitando-se a propor receitas económicas e financeiras para o mandato ou para a década. Porque se trata de uma mudança profunda. Diria mesmo mudança de paradigma. E, todavia, apesar de esta profunda mudança já estar a acontecer à nossa frente, muitos de nós continuam teimosamente a não a ver. Ou porque não sabem ou porque não querem.  Vou, por isso, tentar caracterizá-la, dando o meu contributo [1].

Sempre, ao longo da sua história, os socialistas se viram confrontados, quando o tempo da História acelerava, com a necessidade de redefinir a sua identidade política. Por um lado, demarcando-se, à esquerda, dos seus directos competidores políticos e ideológicos: o marxismo e o anarquismo. Ao mesmo tempo, demarcavam-se das forças políticas de inspiração liberal e conservadora. Ou, então, tentavam uma síntese construtiva: o socialismo liberal. Uma posição moderada, portanto: nem tradicionalismo nem revolução, nem darwinismo social nem igualitarismo.

Reformas profundas, à altura dos desafios. As grandes lutas sociais pelo progresso, pela inovação, pelo conhecimento, pela emancipação, pela justiça, pelos direitos sociais, pelo sufrágio universal e pela liberdade sempre foram travadas com garra pelos movimentos que se inspiravam no socialismo. Olhando para a história do SPD alemão poderemos ver com nitidez a evolução deste processo: de 1875 a 1989, de Gotha a Berlim, passando pelos Congressos de Erfurt, de Heidelberg (1925, durante a República de Weimar, que assumiu de forma muito aprofundada o Estado Social, dando sequência à inovação de Bismarck, nos anos ’80 do séc. XIX) e de Bad Godesberg, em 1959. Está lá tudo.

Veja-se, por exemplo, o Grundsatzprogramm de Bad Godesberg. Por outro lado, os socialistas também sempre souberam metabolizar politicamente a evolução do processo social, adaptando os seus programas às mudanças verificadas. Por exemplo, no caso do SPD, no Programa Fundamental, aprovado em Berlim (1989), reconhecendo a crise do modelo industrialista e do optimismo que o acompanhava, o papel da mulher na sociedade e na política, o equilíbrio ecológico, a revalorização social da cultura política, entre outras. O Labour fez também – após a tentativa fracassada de Gaitskell, nos anos ’50, inspirada no livro de Tony Crosland, “The future of socialism”, de 1956 (“wealth redistributionnot the end of capitalism, was the goal[2]) – uma profunda redefinição da sua identidade, com o New Labour, saindo finalmente do espartilho sindical. Estes partidos acompanharam o andar dos tempos. E chegaram ao poder na sequência das mudanças.

Hoje estamos de novo perante uma mudança de paradigma. Tento, por isso, fazer uma primeira aproximação à mudança, começando por formular 13 Teses.

I. TESES

PRIMEIRA TESE. As formações políticas clássicas de inspiração socialista, governadas segundo a lógica funcional das grandes organizações, disseminadas territorialmente e com um vasto corpo orgânico, com precisa referência de classe (a “classe gardée”), ideologicamente muito intensas, modeladas ainda, e no essencial, segundo a lógica do industrialismo e das relações sociais daí resultantes, entraram em crise perante os desafios da sociedade pós-industrial, pós-moderna, da informação e da comunicação.

SEGUNDA TESE. A assunção (ainda que implícita) de uma filosofia de inspiração dominantemente comunitária ou neocomunitária (seja de classe ou de grupo) como eixo fundamental da narrativa política da esquerda moderada, contraposta à inspiração liberal, fundada na centralidade do indivíduo singular, deixou de fazer sentido. Aquela assunção – independentemente da sua matriz pré-moderna – sempre foi indutora de desresponsabilização individual do cidadão, que via sempre o seu insucesso como resultado de vícios do sistema (social), afastando-se das próprias responsabilidades. É inspiradora, a este respeito, a afirmação de John Kennedy: não perguntes o que é que o teu País pode fazer por ti, mas o que é que tu podes fazer pelo teu País. 

Se confinada e assumida sectorialmente, a ideia de comunidade pode ser importante, mas não pode dominar o novo paradigma. Porque no centro do paradigma está um indivíduo singular complexo, que se assume como cidadão, como produtor ou como consumidor e que se inscreve em múltiplas e diferenciadas pertenças. Também no centro do sistema representativo e da democracia está o indivíduo singular (um homem, um voto), não as comunidades, as classes ou os grupos sociais. Ou seja, o indivíduo singular é o referente do sistema representativo.

Esta ênfase no indivíduo singular faz subir à cena a questão da relação entre ética da convicção e ética da responsabilidade, sendo certo também que aquela foi sempre a ética dominante à esquerda, pela importância que nela sempre teve a frente ideológica e o sentimento de pertença a comunidades orgânicas. Ora a reposição do indivíduo singular no centro do sistema leva-nos à necessidade de balancear vários princípios.

Em primeiro lugar, a relação entre direitos, liberdades e garantias (perante o Estado/comunidade) e deveres e responsabilidades (do indivíduo singular). Reequilíbrio entre estes princípios, com a revalorização das ideias de dever e de responsabilidade. Em segundo lugar, o recentramento da questão da ética pública: colocá-la mais na esfera da ética da responsabilidade do que na da ética da convicção. O que se compreende, já que a ética pública está mais ancorada nos grandes princípios que enquadram a democracia e o Estado de Direito do que na esfera da ideologia. Está ancorada naquilo que, com Habermas, poderíamos designar por “patriotismo constitucional” (Verfassungspatriotismus).

E é aqui que ganha, à esquerda, uma nova centralidade a ética da responsabilidade, antes de algum modo subalternizada. Um novo equilíbrio, portanto. Ou seja, a ética da convicção, ao elevar-se ao patamar da responsabilidade político-institucional (parlamentar ou governativa, por exemplo), deverá ser sempre balanceada e temperada com as exigências da ética da responsabilidade. Esta diferença poderá encontrar-se, por exemplo, na relação entre um programa de partido, um programa eleitoral e um programa de governo.

[1] Texto – actualizado (a 27.12.2016) – da intervenção na Universidade de Verão da Federação distrital de Santarém do PS – 20.06.2015.

[2] Campbell, 2008: 29, n.1 (Campbell, Alastair (2008). Os anos de Blair. Lisboa: Betrand). Ver sobre o assunto Tudor Jones, «Taking genesis out of the Bible»: Hugh Gaitskell clause IV and labour’s socialist myth», in Contemporary British History, v. 11, iss. 2, 1997, 1-23.

Nova versão, actualizada. Título e Apresentação em espanhol. Texto em língua Portuguesa. Publicado no Blog sobre comunicación, contenidos y redes de Tendencias21. Dezembro de 2016

Nota de edição

Os restantes 4 artigos que completam estas teses serão publicados nos dias 31 de Dezembro de 2016 e 3, 5 e 7 de Janeiro de 2017.

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