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Quarta-feira, Março 27, 2024

Violência contra povos indígenas no Brasil

Caroline Césari, em Minas Gerais
Caroline Césari, em Minas Gerais
Mestre em Antropologia Social e historiadora formada na Universidade Federal de Minas Gerais.
Fonte CEERT

Assim, a situação para o ano de 2017 não apresenta muitas perspectivas de melhora, principalmente se levarmos em conta que o Governo Temer tem uma agenda que prioriza setores que divergem dos interesses relacionados à preservação dos povos indígenas, como o agronegócio, a mineração e a produção de energia hidrelétrica.

Populações indígenas brasileiras mais vulneráveis desde a Constituição, em 1988

Segundo relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado na 33ª Conferência de Direitos Humanos da ONU, em setembro de 2016, as populações indígenas no Brasil se encontram na maior situação de vulnerabilidade desde a promulgação de nossa Constituição, em 1988. A relatora do documento Victoria Tauli-Corpuz, segundo o Jornal Estadão (Dez/2016), fez duras críticas ao atual status de marginalização e de violação aos direitos humanos dos indígenas no Brasil e afirmou que no país os povos indígenas são historicamente tratados pelo Estado como um entrave ao desenvolvimento. O documento aponta ainda a falta de avanço na implementação de políticas e medidas para evitar o aumento da violência e garantir a demarcação das terras indígenas, além de pontuar a falta de preparo das autoridades brasileiras que não estão devidamente capacitadas para tratar e garantir os direitos dos povos tradicionais.

Outro relatório que também denuncia a gravidade da questão indígena atual foi produzido pelo Cimi (Conselho indigenista Missionário) vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O documento intitulado: “Relatório- Violência contra os povos indígenas no Brasil no ano de 2015” foi divulgado também no final de 2016 e  afirma que a situação é de absoluta indignação: “Permanece o quadro de omissão dos poderes públicos, que se negam a respeitar e cumprir a Constituição Federal no que tange à demarcação, proteção e fiscalização das terras; permanece a realidade de agressões às pessoas que lutam por seus legítimos direitos, tais como assassinatos, espancamentos, ameaças de morte; agravam-se os ataques contra comunidades, especialmente aquelas mais fragilizadas e que vivem em acampamentos; permanece a invasão e devastação das terras demarcadas” (CIMI, p.12, 2016).

Aldeias invadidas ou incendiadas e líderes assassinados

Túmulo do cacique Marco Veron: Violência contra indígenas é a pior nos últimos 25 anos. Fonte: Ascom MPF/MS

Tem se tornado ocorrências comuns, cuja incidência cresce a cada ano. A impunidade e a dificuldade de acesso dos indígenas à justiça acaba agravando a situação. Em Estados da federação como o Mato Grosso do Sul onde esses casos de violência vivem um perigoso período de ascensão, apenas as ONGs e instituições envolvidas com a temática, em suas redes sociais, deram ênfase aos episódios de massacre, assassinatos, coação e violação de direitos aos povos indígenas em 2016.

É incrível e de certo modo constrangedor a falta de destaque que o assunto tem tido na grande imprensa nacional. Quando chegam a tornar-se públicos, os casos de violência contra povos indígenas são obliterados em meio a uma avalanche de notícias sobre violência urbana, que recebem destaque, principalmente nos veículos de comunicação em massa. Nesse sentido, a rede mundial de computadores cumpre um papel democratizante, ao tornar acessível informações que a grande mídia parece não ter prioridade em veicular.

Tom de calamidade com o governo Temer

A situação toma tom de calamidade com a polêmica portaria 68/2017 do Ministério da Justiça proposta pelo governo de Michel Temer. Publicada no último dia 18, incorporando as modificações propostas pelo ministro Alexandre de Moraes, a nova portaria, gerou muita polêmica e indignação por parte dos movimentos indígenas. Na verdade a proposta é uma afronta aos direitos já conquistados pelos povos indígenas no país, ao criar o chamado Grupo Técnico Especializado com poder de reavaliar os processos de demarcação feitos pela Funai (Fundação Nacional do Índio) enfraquecendo o poder da instituição e tornando os critérios de demarcação ainda mais burocráticos.

Essa modificação abre o precedente para contratação de equipes que podem não estar capacitadas para tratar adequadamente a temática, e coloca nas mãos do Ministro da Justiça a autoridade de rever ou mesmo contestar os processos de demarcação que eram de responsabilidade da Funai, conforme o decreto 1775/96 que estabelecia os critérios de demarcação de terras indígenas até o surgimento dessa nova portaria. Além disso, o documento também prevê, a transferência da competência sobre as demarcações que deixa de ser do Poder Executivo e passa a ser do Legislativo.

Congresso Nacional é comandado pela bancada ruralista

Porém, não podemos nos esquecer que nosso questionável Congresso Nacional é historicamente comandado pela bancada ruralista, que prioriza o desenvolvimento do agronegócio, que hoje cresce principalmente nas áreas ocupadas pelos nossos valiosos biomas do Cerrado, Floresta Amazônica e Pantanal.  A expansão desse tipo de atividade econômica é um dos principais causadores de conflitos de terras e de invasões nos territórios ocupados pelos povos indígenas no país.

Outra preocupação das lideranças indígenas com relação à portaria se relaciona com a adoção do chamado “marco temporal” que estabelece a data de promulgação da Constituição – 5/10/1988, para a comprovação da efetiva presença de determinada população no território a ser pleiteado na demarcação. Mas, o que dizer da prática de venda de terras pelo Governo dentro de reservas indígenas que aconteceram durante todo o período da Ditadura Militar (1964-1981)? Segundo a portaria, os povos que não provarem que habitavam essas terras em 1988, ficariam sem o direito a pleitear esses territórios tomados e invadidos, inclusive pelo próprio Estado, em datas anteriores.

Portaria foi revogada por ser inconstitucional

Durante a reunião da Câmara das Populações Indígenas e Tradicionais do Ministério Público Federal, no último dia 19, participantes se posicionaram contrários à portaria 68/2017. Fonte: Folha Nobre

Felizmente, nem tudo está perdido. A portaria 68/2017 foi revogada por ser considerada inconstitucional, afinal ela se sobrepõe ao decreto 1775 em vigor desde 1996, que garante o direito à consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas de qualquer mudança na legislação que alterem questões legais relacionadas com essas populações e seus territórios. Porém, acredita-se que outra tentativa de modificação da legislação vigente ainda seja promovida pelo impopular e retrógrado Governo de Michel Temer. O que não nos deixa desanimar é o fato de que nossos povos indígenas, mesmo diante de todos estes ataques, não demonstraram intimidação.

Segundo o relatório supracitado do Cimi mesmo com o aumento da violência nossos indígenas “ mantiveram-se coesos em ações sistemáticas de resistência e insurgência na defesa e pela efetivação de seus direitos e de seus projetos de vida (…) demonstraram a disposição e organização necessárias para vencer os projetos de morte e a própria morte que o agrocrime, um dos sujeitos operadores do Capital, tenta lhes impor” (CIMI, 2016). Só nos resta denunciar e nos engajar nesta luta. Precisamos garantir que os direitos humanos sejam extensivos a todos, sem distinção de cultura, cor e credo. Mas há uma pergunta que não quer calar: No Brasil de hoje, com Temer, isso seria possível?

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