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Quinta-feira, Abril 18, 2024

Carvalho da Silva: Trabalhar e ser pobre

Extensa entrevista com Manuel Carvalho da Silva, coordenador do Polo de Lisboa do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Publicamos hoje a última das três partes que a constituem.O antigo secretário-geral da CGTP deixa avisos ao PS e à maioria parlamentar de esquerda, fala do combate aos baixos salários e à precariedade e diz que Portugal ficou “claramente pior” depois das reformas negociadas com a tróica. Em entrevista ao Jornal Tornado, Manuel Carvalho da Silva lembra ainda que existem alternativas ao neoliberalismo, “mais solidárias”, “mais eficientes”, “e até mais lucrativas”

“As políticas seguidas nas últimas décadas foram desenhadas para asfixiar os sindicatos”

Jornal Tornado: Dirigentes e delegados sindicais, trabalhadores sindicalizados, são geralmente apontados como “os manhosos que não querem trabalhar e pensam que só têm direitos”. É uma acusação que o incomoda?

Carvalho da Silva: Claro que incomoda e parece-me particularmente grave.

Como responde?

Em grande parte das empresas e serviços privados e até públicos deste país, a liberdade sindical é diminuta. Ser delegado sindical, ou somente ser sindicalizado, já é um acto de coragem e de cidadania extraordinário. Esse tipo de acusações entronca muito bem numa lógica de contrainformação que procura desvalorizar, poluir e contrair o papel dos sindicatos como forma organizativa dos trabalhadores. Uma actividade sindical regular, a existência de diálogo e negociação no seio das empresas impulsionam a sua efectiva modernização. Os sindicatos são, além disso, um elemento essencial na resolução dos problemas nacionais. Retirá-los da equação em nada contribui para melhoria social e, comprovadamente, atrofia a democracia.

Custa muito mais a um trabalhador, e aos trabalhadores em geral, fazer uma greve do que a uma empresa ou uma sociedade desvalorizá-la”

A contestação social que se faz é sempre responsável?

Vamos lá ver. Pode julgar-se uma greve pelos motivos, pela sua eficácia, pela sua oportunidade, até pela forma de greve. E há que ter sempre presente o dia seguinte, pois a greve é apenas um momento de expressão de argumentos. E os trabalhadores são os primeiros a aprender e a apreender estas realidades quando a fazem.

… mas na sua perspectiva, todas as greves decretadas serão legítimas ou, por vezes, há algumas censuráveis?

Há uma coisa que não se deve nunca desvalorizar: o esforço pela emancipação dos trabalhadores tem uma pesada História, repleta de vítimas e de vidas sacrificadas em prol de um bem colectivo e não individual do mero interesse. Custa muito mais a um trabalhador, e aos trabalhadores em geral, fazer uma greve do que a uma empresa ou uma sociedade desvalorizá-la.

Quando está instalado o conflito laboral entre patrões e trabalhadores, invariavelmente dá razão aos trabalhadores?

Pelas razões já aventadas, respeito em princípio o esforço que levou um colectivo de trabalhadores a abandonar aquilo que seria o mais fácil de fazer – que seria aceitar o que lhe “oferecem”, sem levantar ondas – e abraçar a possibilidade de melhorar a sua vida, custe o que custar. Esse passo é um salto – até poético – e deve merecer dos cidadãos em geral todo o respeito.

Depois disso, poderemos discutir tudo. Sem esquecer que o conflito é natural nas Relações de Trabalho. É preciso é geri-lo bem, de forma dinâmica, a favor da justiça social e do desenvolvimento da sociedade.

A ‘reinvenção’ dos sindicatos significará a necessidade de os trabalhadores terem de ir a combates que são duros e desiguais”

Os sindicatos são um elemento essencial na resolução dos problemas nacionais. Retirá-los da equação em nada contribui para melhoria social e, comprovadamente, atrofia a democracia”

Por que estão os sindicatos descredibilizados?

As políticas seguidas nas últimas décadas foram desenhadas para, através da desvalorização salarial, através da individualização (na empresa e na sociedade), através da mercadorização do trabalho, da precarização e da subjugação ao consumo asfixiar os sindicatos e, com eles, a capacidade organizativa dos trabalhadores. Estamos perante um combate desigual que requer uma redobrada atenção a uma multiplicidade de circunstâncias. Por outro lado, todas as instâncias e estruturas de mediação estão a ser atacadas para aniquilar a democracia.

Mas o sector sindical não precisa de ser reinventado?

A “reinvenção” dos sindicatos – já foram várias vezes reinventados nos dois últimos séculos – significará a necessidade de os trabalhadores terem de ir a combates que são duros e desiguais, de discutirem as melhores formas de afirmar a sua vontade e de reduzirem os efeitos de uma imensa ofensiva que foi desenhada contra eles.

Trabalhar e ser pobre

De que se arrepende nos 25 anos que esteve como secretário-geral da GCTP-IN?

Sinceramente de nada. Consciente de que dei o que melhor soube e pude, de que por certo cometi erros como qualquer ser humano em qualquer actividade, e de que o sindicalismo é por excelência acção de coletivos.

Ainda é quadro de uma multinacional alemã?

Actualmente não.

Pode dizer o nome da empresa?

Fui trabalhador da Electromecânica Portuguesa Preh até ao início de 2011. Nessa altura iniciei compromissos de trabalho com a Universidade Lusófona e com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, entidade com que hoje mantenho vínculo laboral.

Memorando de entendimento português com a Comissão Europeia, o BCE e o FMI, “Ajuda financeira”, “Auxílio”, “Programa de assistência” … em ciclos privados, como se referia ao resgate?

Genericamente “Programa de Austeridade”.

Qual a média salarial dos funcionários do Observatório sobre Crises e Alternativas?

Sinceramente, em pormenor, não sei. O Observatório é uma estrutura do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES). Tem de perguntar aos seus dirigentes executivos.

É a favor do Rendimento Básico Incondicional?

Não. Devemos pugnar para que todos os activos tenham um trabalho porque o Trabalho é a actividade que integra os cidadãos na sociedade, que os valoriza como pessoas, como seres humanos, como seres sociais. Que lhes dá direitos e deveres estabilizados indispensáveis a uma sociedade moderna e democrática.

Retribuição Mínima Horária Garantida para os trabalhadores independentes, sim ou não?

Para os falsos trabalhadores independentes, claro que sim. Mas melhor seria legalizar a sua situação, de acordo com a lei vigente.

Com a actual conjuntura económica até onde pode ir o valor Salário Mínimo Nacional?

É difícil definir. Pode ter-se uma discussão superficial e julgar apenas os aumentos do SMN pelo poder de compra perdido. Há que juntar outros factores associados ao crescimento económico, à distribuição da riqueza produzida.

Se houvesse uma real intenção de discutir aprofundadamente esse tema, procurando analisar o que poderia ser uma justa remuneração mínima garantida, sem peias nem constrangimentos externos, o valor do salário mínimo seria aquele que permitisse dar uma vida digna a quem trabalhasse, sem que ainda fosse pobre apesar de trabalhar, tal como hoje acontece a mais de 10% dos trabalhadores nacionais. Talvez essa definição ajudasse a assumir-se outras políticas que providenciassem, nomeadamente, um largo acesso a uma habitação, à saúde, à educação, à justiça. A remuneração tem alcances que pouco se esperaria, porque uns são directos e outros indirectos.

Talvez seja de pensar que a definição do SMN é apenas a última linha de defesa de uma existência em que quem trabalha não seja pobre.

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