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Quinta-feira, Abril 25, 2024

França: as raízes da radicalização

É a opinião de sociólogos e académicos franceses que estudam o fenómeno de radicalização islâmica e trabalham com as populações de origem imigrante, pobre e dividida pelo recrutamento do fundamentalismo religioso, habitantes de bairros problemáticos e guetizados das áreas urbanas e suburbanas.

Na sequência do ataque em Nice, do passado 14 de Julho, a imprensa francesa ficou-se pelo relato imediatista e simplificador, sem dar aos leitores o recuo histórico que permitiria compreender que factores contribuíram para a tragédia. “Seria útil recordar que a situação que hoje vivemos em França era tristemente previsível”, diz Yasmina Touaibia, docente e investigadora em Ciências Políticas na Faculdade de Direito de Nice.

“Durante anos, os governos de França, Inglaterra, Estados Unidos, nomeadamente, encorajaram directa ou indirectamente a constituição e reforço do Islão político em numerosos países. Enquanto os terroristas islâmicos assassinavam na Argélia, os líderes e militantes do Frente Islâmica da Salvação (FIS) beneficiavam em França do estatuto de refugiados políticos. Nos Estados Unidos contavam com uma representação quase-diplomática a partir da qual justificavam os seus assassinatos e atentados”, ressalva a investigadora.

Nice, Marselha e Lyon eram territórios onde o FIS e o GIA (Grupo Islâmico Armado) implantaram bases secundárias. “No departamento de Alpes-Maritimes, o mais exposto à radicalização em França, houve uma forte implantação de fundamentalistas argelinos do FIS e do GIA que deixaram a Argélia em 1995-1996 e se instalaram em território francês com o seu proselitismo”, lembra Patrick Amoyel, especialista em radicalização e membro da associação “Entr’Autres”, que colabora com entidades públicas em projectos de mediação dirigidos à população jovem em situação de ruptura social e familiar.

“Não deveríamos falar de radicalização do Islão mas de islamização da radicalidade. O primeiro critério de adesão é uma procura de violência. Os autores destes atentados são muito frequentemente antes de mais pequenos delinquentes antes de serem radicais islâmicos”, defende Vincent Geisser, sociólogo do Islão e investigador do CNRS (Centro francês de Investigação Científica).

 

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Ouisa Kies, socióloga e especialista em radicalização na EHESS (Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais, instituto de investigação criado pelo governo francês em 1975), lamenta que o Estado francês tenha ignorado durante anos os factores de risco e se tenha demitido do seu papel de coordenação social. “Em algumas cidades, foram suprimidas estruturas que faziam a prevenção e mesmo postos de educadores de rua, que faziam a ligação aos jovens e às comunidades.”

“Muitos deles são jovens fragilizados por violências sociais e familiares que encontram neste combate armado uma forma de se projectarem, de se tornarem conhecidos e temidos. Não é por acaso que têm todos o mesmo perfil, desde o caso Merah”, sublinha a socióloga.

Mohammed Merah foi o autor dos atentados de Março de 2012 em Toulouse e Montauban, morto durante a operação das forças anti-terroristas. O caso foi objecto de uma controversa cobertura mediática que tinha como pano de fundo a campanha para as presidenciais francesas de 2012.

O papel da comunicação social torna-se também parte do problema, pois joga na ambiguidade, tirando partido da sensação, denuncia Ouisa Kies: “Quando damos exposição mediática aos vídeos do Daesh ou emitimos directos de ataques terroristas, estamos a suscitar novas vocações e a reforçar a passagem à acção. O terrorista torna-se o herói que levou às últimas consequências as frustrações ressentidas por numerosos jovens”.

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