O ciberespaço tornou-se de tal forma vital para a humanidade que as suas epidemias virais se tornaram tão ou mais ameaçadoras que as mais antigas que ameaçam todas as espécies sociais.
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A morte e a eternidade
A obra de 1968 de Stanley Kubrick que inspira estas linhas, quando a vi pouco depois da sua estreia em Portugal, fascinou-me mais pelos efeitos visuais e banda sonora do que pela questão existencial da ameaça da máquina ao homem que a criou, colocada pelo argumentista Arthur C. Clarke.
Ao pensar na procura da eternidade pela humanidade através de um sem número de criações artificiais, vêm-me no entanto cada vez mais à memória as cenas do filme relativas à revolta de Hal, o supercomputador, contra os humanos que o controlavam.
A questão tem sido frequentemente equacionada a partir do medo da morte numa civilização que deixou de acreditar no sobrenatural e que procura nos seus permanentes progressos a forma de a evitar ou adiar.
A artificialização do homem e do seu ambiente como alternativa ao sobrenatural corre necessariamente o risco de pôr em causa a sobrevivência da humanidade no que ela tem de mais essencial sem com isso assegurar a sobrevivência do que quer que seja que resulte dessa transformação.
Este é no fundo o desafio colocado ao progresso, que quer preservar a vida humana (e a sua qualidade) mas que tem também de definir os limites do que prossegue, na medida em que a morte é indissociável da vida.
A forma extraordinária como a humanidade está a encarar a presente pandemia tem colocado em relevo as crenças apocalípticas, o medo e a morte, mas também a inteligência artificial e duas das suas mais interessantes dimensões, o ciberespaço e a dimensão binária do pensamento.
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Medo, racionalidade e pânico
A diferença entre medo e pânico está na racionalidade. O medo é racional em muitas circunstâncias, e noutras pode ser caracterizado mais como traço de personalidade do que como ausência de racionalidade. Ter medo de se deslocar num veículo a alta velocidade é um dos mais óbvios exemplos do primeiro caso, como o medo de ratos ou baratas para além do razoável pode ser exemplo do segundo, mas o pânico é algo de substancialmente diverso: é o medo irracional que nos impede de nos proteger racionalmente da ameaça real ou imaginada, e que por esse meio acentua os efeitos dessa ameaça.
Que a pandemia nos trouxe pânico e não medo é algo que observei aqui em Maio, mas nem o facto de os estudos publicados pela Ordem dos Médicos confirmarem que se morreu mais pelo pânico do vírus do que pelo vírus mudou o que quer que fosse e, de lá para cá, nada nos trouxe um mínimo de racionalidade, acentuando-se a multiplicação de medidas em nome da saúde nos vão trazer prejuízos adicionais, nomeadamente à nossa saúde.
A opinião pública tornou-se imune a qualquer forma de racionalidade, ignora tudo o que não contribua para confirmar as razões que invoca para o pânico, e exige medidas cada vez mais draconianas que confirmem a razão que assiste a esse pânico.
A esta crise da busca da eternidade, junta-se a desinformação propagada por regimes que querem desestabilizar as sociedades democráticas; a lógica do dinheiro e o poder dos monopólios farmacêuticos; a degenerescência oligárquica das instituições internacionais ou nacionais, públicas ou da sociedade civil; e sobretudo dois ângulos do domínio da inteligência artificial: o raciocínio binário e o domínio do ciberespaço. É esta última que me vem agora ao pensamento.
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A psicose viral e a imposição do ciberespaço
O ciberespaço tornou-se de tal forma vital para a humanidade que as suas epidemias virais se tornaram tão ou mais ameaçadoras que as mais antigas que ameaçam todas as espécies sociais. O fenómeno convive com a sua impressionante desumanização levando a que a popularidade de qualquer mensagem seja apreciada como viral, como se fosse igual a propagação mecânica de destruição da informação e o fazer de consensos humanos.
A ciberguerra ultrapassa assim em importância a guerra biológica, mas o que a presente crise pandémica nos veio a revelar é que a pandemia se tornou um motor extraordinário para a nova etapa da odisseia cibernética.
O ciber-trabalho, claro, mas também a ciber-convivência; a ciber-política; a ciber-censura; o ciber-dinheiro; o ciber-desporto; toda a espécie de ciber-diversão; a ciber-amizade ou o ciber-sexo.
Não podemos por isso estranhar que os patrões do ciber-oligopólio tenham sido dos mais entusiastas partidários do corona pânico e que tenham começado a mostrar aquilo de que são capazes a propósito da pandemia.
O ciberespaço começou por democratizar a opinião e informação, algo visto de forma negativa por parte importante das nossas elites, e é acusado de muitas coisas de que não é responsável, como o de reproduzir o que de menos bom existe na humanidade.
O problema que se tornou claro com a presente pandemia é outro; é o de ele poder assumir-se como alternativa ao espaço humano, tornando-se um poderoso instrumento de desumanização. O ciberespaço foi uma maravilhosa criação humana que, como é infelizmente o caso de muitas outras, corre o risco de se tornar um dos mais importantes, se não o mais importante, ‘admirável mundo novo’.
Hora de pensar em controlar esta criação humana que corre o risco de se tornar num monstro pronto a engoli-la.
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