Enquanto a generalidade da imprensa mantém a nossa atenção centrada na guerra comercial, iniciada pela administração Trump, ou na guerra da Ucrânia (agitando o perigo russo para justificar a inevitabilidade dos massivos investimentos europeus na defesa), alastram os sinais da aproximação de mais uma crise.
Só neste século, a Europa já enfrentou quatro grandes crises. Primeiro, a crise global provocada pelo rebentamento da bolha do subprime norte-americano – crise financeira desencadeada em meados de 2007, em resultado da concessão de empréstimos hipotecários de alto risco (subprime) por empresas como a Fannie Mae e o Freddie Mac, controladas pelo governo norte-americano, cuja titularização e disseminação pelo sistema financeiro, a par com as evidentes falhas na regulação bancárias, arrastou alguns bancos para uma situação de insolvência fortemente repercutida sobre as bolsas de valores mundiais –, depois a crise do euro – mais correctamente a crise da dívida pública europeia, que colocou alguns países do sul da Zona Euro em situação de impossibilidade de pagamento ou refinanciamento, normalmente atribuída ao seu excessivo endividamento e nunca à excessiva exposição da banca a esse tipo de dívida, que tornou difícil ou mesmo impossível, o pagamento ou o refinanciamento da sua dívida pública sem a ajuda externa.
A terceira foi a crise da Covid-19, situação infecciosa a que os vários governos responderam com políticas de confinamento que geraram problemas de produção e de ruptura das cadeias de distribuição a nível global. Por último e ainda mal refeitos dos efeitos das três primeiras crises, surgiu a partir de 2022 a crise gerada pela guerra da Ucrânia e especialmente pela resposta ocidental com a aplicação de sansões económicas à Rússia que era apenas a principal fornecedora de energia barata à Europa… com os resultados sobejamente conhecidos: a mais completa ineficácia no plano militar (a guerra continua e a Ucrânia estará cada vez mais longe de conseguir resolver a situação por essa via) enquanto no campo económico as populações europeias se viram condenadas a suportar uma inflação e uma quebra na sua produção industrial grandemente originada no desnecessário encarecimento da energia.
Neste primeiro quartel do século, enquanto os europeus viveram esta sucessão de crises que lhes roubaram disponibilidades financeiras e a fragilização dos mecanismos do estado social como o conheciam, os norte-americanos viram elevar a sua dívida federal acima dos 120% do PIB (em vinte anos passou de 5% para 123% do PIB) que já os obriga a suportar um encargo anual com o serviço da dívida de quase 900 mil milhões de dólares, ao mesmo tempo que o desempenho bolsista da GAFA (grupo de empresas do sector tecnológico onde pontificam a Alphabet (Google), a Aple, a Meta (Facebook, WhatsApp e Instagram), a Amazon e a Microsoft) registavam valorizações estratosféricas, completamente desligadas da realidade económica norte-americana e mundial, como o comprovou a reacção desproporcionada ao aparecimento de um do concorrente chinês no mercado da IA, DeepSeek, que provocou uma queda de 17% na cotação da Nvidia (principal fabricante mundial de semicondutores e actualmente muito focada no campo da Inteligência Artificial), assim reacendendo a possibilidade de rebentamento de uma nova bolha tecnológica.
Embora este possa não ser o evento percursor de uma nova crise financeira mundial, tal como a guerra na Ucrânia não se deverá transformar numa guerra mundial, já a crise financeira que os EUA atravessam, que os esforços de Trump tentam esconder enquanto a sua política de tarifas a procura disseminar pelo resto do mundo, poderá atingir outra dimensão – porque os choques tarifários vão ter seguros reflexos nas economias reais e no cada vez mais precário rendimento das famílias, enquanto a flutuação das cotações bolsistas fazem desaparecer milhões que na realidade nunca existiram –, tanto mais que o sector financeiro não estará muito melhor preparado – leiam-se as recentes declarações do secretário de estado do tesouro norte-americano em prol do abandono das regras bancárias criadas na sequência da crise do subprime – nem muito mais diversificado do que em 2008.
A financeirização das economias trouxe-nos a um ponto onde o dinheiro gera mais dinheiro sem a menor ligação à economia real, mas sendo nesta que as pessoas vivem (ou apenas sobrevivem…) está a deixar-nos agora perante uma encruzilhada de onde podemos perceber os escombros por ela criados e mal antever o que nos trará um novo paradigma financeiro, que nos prometem assente em criptomoedas e numa IA ainda em desenvolvimento, tendo como pano de fundo o estertor do império norte-americano que ameaça não desaparecer sem tudo tentar destruir à sua volta.