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Terça-feira, Maio 6, 2025

A batalha contra o Covid-19

Martins Guerreiro
Martins Guerreiro
Contra-almirante na reforma. Capitão de Abril. Foi chefe de gabinete do Chefe do Estado-Maior da Armada (1974-1975) e Conselheiro da Revolução (1975-1982). É sócio-fundador da Associação 25 de Abril e director da revista da A25A, O Referencial

O Estado e os cidadãos – II

Depois de um primeiro texto, em meados de Março, sobre a pandemia do Covid-19 e o que se considerava a melhor forma de a combater em Portugal, fazemos, passadas três semanas, o ponto de situação.

A União Europeia ainda não conseguiu superar as visões nacionalistas, redutoras e egoístas por parte de alguns países que se preocupam sobretudo com o seu interesse e com os Mercados, esquecendo que, sem forte solidariedade entre todos, a União está mesmo em causa.

São necessárias mudanças profundas, nas regras monetárias, fiscais e financeiras e na obediência cega à lógica do mercado, para que a solidariedade e cooperação latentes nos povos tenham condições para serem assumidas inteiramente por todos com todas as suas consequências.

Sem esse aprofundamento e compromisso os cidadãos, em especial os mais expostos e atingidos, não terão confiança nas Instituições da U.E.; sem a confiança das pessoas a U.E. perde legitimidade e razão de ser.

Portugal no âmbito da U.E. tem assumido uma posição na linha da frente, corajosa e batalhadora na defesa de uma U.E. solidária e cooperativa; importa também aplicá-la no âmbito interno

No âmbito do combate específico ao novo coronavírus em Portugal, como estamos?

Pelos resultados conseguidos até agora poderemos dizer que temos conduzido o combate com sucesso relativo, temos conseguido evitar o pior – rutura do Serviço Nacional de Saúde e um assustador número de baixas, evidenciaram-se algumas das nossas qualidades, capacidades e fraquezas.

Alguns países citam o caso português, nomeadamente a França, interroga-se sobre a exceção portuguesa. Razões do relativo sucesso:

  • Beneficiamos com o facto de existir em Portugal um poder político estável e de termos sido atingidos pelo vírus depois da Itália, o que nos permitiu antecipar decisões de contenção e isolamento social
  • Houve capacidade e clarividência para tomar decisões oportunas e rápidas de fecho das escolas, restrição da mobilidade, declaração do estado de emergência, diferenciação dos locais de tratamento dos doentes, conforme a sua gravidade
  • As pessoas de uma maneira geral reagiram bem, compreenderam a necessidade das medidas e respeitaram-nas sem indisciplina ou protestos, ainda que tenham aflorado interesses de grupo ou individualismos.
  • Não houve alarme social, apesar da excessiva carga, superficialidade, negatividade das notícias, e de alguma corrida inicial aos supermercados, à aquisição de máscaras, luvas, gel e álcool, acompanhados da especulação de preços dos produtos esgotados: máscaras e gel
  • Os profissionais de saúde, nomeadamente do Serviço Nacional de Saúde, manifestaram grande capacidade profissional, forte sentido do dever e de cooperação que permitiu superar falhas e debilidades existentes no SNS e nos hospitais – falta de profissionais e de material adequado – reorganizaram serviços, retirando espaço aos críticos do Estado e dos Serviços Públicos. A sua capacidade de trabalho e resposta evidenciou, mais uma vez, o profissionalismo, a dedicação e as qualidades humanas e profissionais de médicos, enfermeiros, técnicos, assistentes e auxiliares
  • Bom desempenho da Direção Geral de Saúde, responsável pela orientação técnico científico da batalha
  • Bom desempenho das Instituições e serviços públicos chamados diretamente à ação: Instituto Ricardo Jorge, INFARMED, INEM Forças de Segurança, Forças Armadas, Proteção civil, Bombeiros ….
  • A comunidade científica e as instituições de investigação manifestaram grande qualidade e capacidade desconhecidas de quase todos até agora, afirmaram-se como elemento ativo e determinante na definição das linhas orientadoras do combate ao vírus
  • Diferentes serviços do Aparelho de Estado central e autárquico, que viabilizam as condições de vida em sociedade, responderam de forma muito positiva mesmo em situação de excesso de trabalho e de falta dos necessários meios de proteção
  • O poder local nas zonas duramente atingidas reagiu em apoio da comunidade utilizando os meios próprios e apelou ao Poder Central e aos cidadãos para os apoiarem e aumentarem a sua capacidade de resposta
  • Crescente e espontânea manifestação de voluntariado e de reorientação de atividade produtiva. Muitos cidadãos, Entidades e Empresas disponibilizaram recursos e capacidades para ajudarem a resolver problemas graves, devido a faltas prementes e urgentes: ventiladores, fatos e material de proteção, camas hospitalares, máscaras, material de testes…

Mas porquê os portugueses, em grande maioria, reagiram bem às orientações e decisões do poder político nesta situação difícil?

Uma das razões é idêntica à que explica porque aguentaram os portugueses 13 anos de guerra colonial em 3 frentes, coisa que franceses, ingleses e americanos não conseguiram dispondo de recursos incomparavelmente superiores, tal deve-se à nossa grande resiliência e capacidade de adaptação a novas e difíceis situações: guerra colonial, emigração em massa com rápida integração em novas e desconhecidas formas de viver e trabalhar.

Outra razão é que Portugal, além da experiência histórica da guerra em condições muito penosas, dispõe ainda de uma percentagem grande da população que viveu diretamente essa situação, sem dúvida bem mais difícil do que a que estamos a passar agora. Sabemos, pois, suportar e vencer condições muito desfavoráveis.

O setor populacional mais vulnerável é um setor duramente experimentado, sabe resistir, quase não se queixa, mesmo se alvo de injustiça ou menor atenção.

Também se manifestaram algumas das nossas fraquezas, embora com consequências negativas limitadas, em parte atenuadas pelo sentido colaborativo e de boa vontade geral:

  • Dificuldade na definição clara de uma visão estratégica consistente o que levou aos erros por não terem sido identificados: o poder autárquico como estando na frente do combate, os lares como pontos importantes a proteger e reforçar, a necessidade de deslocar rapidamente para as zonas mais atingidas, em especial zona Norte e distrito de Aveiro, recursos extra
  • Dificuldade e falhas na organização, articulação e coordenação aos níveis mais elevados, o que limitou o alcance e o resultado de medidas, decisões e orientações acertadas
  • Desarticulação logística nas aquisições e distribuição; fraca articulação entre o poder central e o poder municipal de que resultaram falhas e evidente falta de clareza nas linhas de autoridade e responsabilidade; esta debilidade é particularmente sensível, pode pôr em causa a solidariedade, fluidez da informação e a cooperação imprescindíveis entre as estruturas do Poder central e do poder Municipal, enfraquece a democracia, põe em causa a unidade de comando fundamental em qualquer batalha
  • Fraca qualidade de utilização do serviço público de informação (RTP e Antena 1), não obstante a boa prática de conferência diária, numa situação de crise é indispensável uma boa comunicação social para manter a moral e a confiança das pessoas em quem dirige a batalha.

Convém acautelar e superar as nossas debilidades melhorando a organização logística e operacional, clarificando a estratégia e normalizando o funcionamento das estruturas e órgãos essenciais nos diferentes níveis- Central e Regional/Municipal- e áreas- saúde, trabalho e segurança social, educação, economia, infraestruturas, ciência, educação, serviços públicos e serviços essenciais à vida em sociedade -de modo a vencermos esta batalha com o menor número de baixas possível, reforçarmos a democracia e ficarmos preparados para a próxima vaga.

 

Em conclusão

Para vencermos temos de saber tirar o melhor partido das nossas capacidades: profissionais, investigação e criatividade, qualidades humanas de solidariedade, cooperação e respeito pelo outro, adaptação a novas situações, acautelando as debilidades de organização e planeamento, protagonismos pessoais e mal dizer, conseguir que todos se sintam parte integrante de modo a reforçarmos o sentido de pertença e a nossa democracia.

Uma situação anormal não pode ser combatida apenas com as estruturas, disposições, processos organizativos e logísticos dos tempos normais, há que congregar num sistema único devidamente articulado, para o fim em vista, as valências específicas dos ministérios diretamente envolvidos no combate – Saúde, MAI, Segurança Social, Defesa, Economia, Ciência, e Infraestruturas …,tanto mais que uma situação anormal (senão para todos pelo menos para uma parte muito significativa exatamente a parte mais vulnerável da população), se vai prolongar por meses talvez muitos meses.

Se para a monitorização acompanhamento e recolha de informação se encontraram soluções e estruturas específicas, com maioria de razão se têm de encontrar para a condução da ação no terreno na frente ou na retaguarda e para a logística do processo.

Há que encontrar uma resposta articulada: nacional, regional e local para a grave situação de debilidade dos lares, encontrando infraestruturas, profissionais e meios logísticos para a separação das diferentes situações de infetados, não infetados e para receber os doentes que tiverem alta

Para melhorar a organização e capacidade logística, haverá que aproveitar e recorrer, sem preconceitos, às capacidades de quem tem formação específica para essas funções e sabe atuar em tempo de crise ou situações de emergência é o caso, entre outros, das Forças Armadas ou de elementos seus, que poderão ser melhor aproveitados

Para o sucesso são indispensáveis:

  • Boa organização, saber, solidariedade, cooperação, sentido de responsabilidade, informação responsável, confiança, resistência e disciplina, sem esquecer que o exemplo vem de cima. Não são admissíveis disputas entre poderes ou guerrilhas corporativas e de interesses que desanimam os combatentes e enfraquecem a nossa democracia representativa e participativa.


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


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