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Sexta-feira, Outubro 4, 2024

A promiscuidade público-privada está a destruir o SNS

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é fundamental para a esmagadora maioria dos portugueses, para não dizer mesmo para todos os portugueses. É ele que permite a milhões de portugueses o acesso a cuidados de saúde, vitais para poderem ter uma vida com mais qualidade e para poderem viver mais anos.

As dificuldades do SNS vão aumentar em 2019, porque a promiscuidade público-privada e o subfinanciamento continuam

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é fundamental para a esmagadora maioria dos portugueses, para não dizer mesmo para todos os portugueses. É ele que permite a milhões de portugueses o acesso a cuidados de saúde, vitais para poderem ter uma vida com mais qualidade e para poderem viver mais anos. Sem ele, a esmagadora maioria dos portugueses não teriam acesso aos cuidados de saúde. E isto porque os custos com saúde são cada vez mais elevados, e só os que tivessem dinheiro para os pagar é que teriam acesso a eles. E não se pense que seria com um seguro de saúde que se resolveria o problema pois quando os custos aumentam muito, devido ao tipo de doenças (ex.: oncológicas), ou em idades mais avançadas, os seguros de saúde expulsam os que já não dão lucro através dos “plafonds”, ou seja, de limites máximo de despesa acima dos quais deixam de pagar seja o que for, ou por meio de imposição de prémios cujos valores são incomportáveis para a esmagadora maioria dos portugueses. E se não existisse o SNS, estes portugueses ficariam sem acesso aos cuidados médicos. É isso o que acontece em países como os Estado Unidos que não têm um Serviço Nacional.

A promiscuidade público-privada está a destruir o SNS

 Em Portugal o SNS enfrenta dificuldades crescentes. E elas têm várias causas. Uma delas que ninguém tem a coragem de enfrentar é promiscuidade público-privada. E esta não se limita, como muitos pretendem fazer crer, à entrega da gestão de unidades públicas de saúde a grupos privados de saúde (as chamadas PPP), como acontece com os Hospitais de Loures, Cascais, Vila Franca de Xira e Braga. A promiscuidade público-privada inclui também a dos profissionais de saúde que trabalham simultaneamente no SNS e nos hospitais dos grandes grupos privados de saúde (LUZ, José Mello Saúde, Lusíadas,  Trofa, HPA, etc.), mas que ninguém tem a coragem de denunciar e enfrentar. A prova recente disso está no facto das propostas de nova Lei de bases de saúde, apresentadas pelos diferentes partidos políticos e por uma comissão nomeada pelo governo, ignorarem esta questão fundamental para garantir a sustentabilidade do SNS e a prestação de cuidados de saúde de qualidade a todos os portugueses.

Parafraseando o ditado popular ninguém poder servir bem simultaneamente o SNS, que tem como objectivo é obter ganhos de saúde para os portugueses, e o negócio privado da saúde cujo objectivo principal é alcançar lucros para os accionistas privados. Dizer que isso é possível é iludir os portugueses. Os profissionais de saúde devem ter a liberdade de escolha entre o publico e o privado, mas não devem ter a liberdade para estar simultaneamente nos dois pois, a continuar, o SNS será destruído (corroído) por dentro, pois  mais dinheiro que se “despeje” nele, pois a boa gestão e utilização desses recursos que tem como origem os impostos pagos pelos portugueses estará sempre comprometida. Em contrapartida da exclusividade a exigir, deve-se oferecer aos profissionais de saúde uma carreira digna e salários dignos o que actualmente não acontece.

As dificuldades financeiras do SNS vão aumentar ainda mais em 2019

As dificuldades financeiras do SNS vão aumentar ainda mais em 2019, contrariamente ao que pretende fazer crer o actual governo. E isto porque, para além das dificuldades criadas pela promiscuidade público-privada que vai continuar e que aumenta a ineficiência e a despesa do SNS, as transferências do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde serão em 2019, de acordo com Nota Explicativa disponibilizada pelo Ministério da Saúde aos deputados, aquando do debate do OE para o próximo ano, manifestamente insuficientes para cobrir as despesas. O subfinanciamento do SNS vai continuar em 2019 e previsivelmente até se agravará. Para concluir isso basta ter presente o seguinte.

Na “Nota explicativa” apresentada pelo governo na Assembleia da República pode-se ler, na pág. 27, o seguinte: “Em comparação com o OE 2018, o orçamento do SNS em 2019 beneficiará de um aumento com origem nas transferências do OE de 612 milhões de euros”. Este valor, se não se dispuser da informação necessária, pode enganar muita gente, como já a acontecer, devido à sua dimensão. No entanto é preciso ter presente o que a seguir se refere para se poder fazer uma avaliação correta desse valor.

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que este aumento de 612 milhões € para 2019 é obtido, não comparando o valor efectivamente gasto em 2018 pelo SNS, mas sim fazendo a comparação com o Orçamento inicial de 2018, portanto com um valor significativamente inferior à despesa efectiva do Serviço Nacional em 2018 como prova o gráfico 1 apresentado pelo actual governo na Assembleia da República.

Quadro 1 – Evolução da divida e dos pagamentos em atraso a fornecedores externos do SNS – Milhões €

FONTE: Ministério da Saúde – Nota explicativa OE-2019 –Novembro de 2018

Segundo o próprio governo (gráfico 1), no fim do 3º Trimestre de 2018, as dividas do Serviço Nacional de Saúde (Hospitais, Centros de Saúde, etc.) aos fornecedores privados já somava 1.950 milhões €. Deste total 862 milhões € eram já considerados pagamentos em atraso por ser divida com mais de 90 dias. E isto acontece, como é fácil de concluir, porque as transferências previstas no Orçamento do Estado inicial para o SNS eram claramente insuficientes.

E a pergunta que agora se coloca naturalmente  é a seguinte: Como é que um aumento das transferências do Orçamento do Estado em 2019 em apenas 612 milhões €, quando comparado com o valor de 2018, se poderá pagar uma divida que, no fim do 3º Trimestre de 2018, já atingia, segundo o próprio governo, 1.950 milhões €, e melhorar o financiamento do SNS e a quantidade e a qualidade dos serviços de saúde prestados aos portugueses? – É uma pergunta que o governo nem o Orçamento do Estado para 2019 respondem.

O subfinanciamento e a suborçamentação do SNS vão continuar em 2019, e as dificuldades do SNS vão aumentar ainda mais em 2019, assim como as dificuldades que os portugueses já enfrentam para marcar uma consulta ou fazer uma cirurgia no SNS.

Enquanto o SNS enfrenta dificuldades crescente devido à promiscuidade público-privada e à suborçamentação,  o negócio privado da saúde floresce e aumenta à custa do SNS e dos subsistemas públicos de saúde (ex. ADSE), registando-se no sector privado de saúde uma concentração cada vez maior em cinco  grandes grupos privados de saúde (LUZ, José Mello Saúde, Lusíadas, Trofa, e HPA), que estão cartelizados na Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, agindo de uma forma organizada com a consequente eliminação dos pequenos e médios prestadores de saúde. Mas nada de é feito, quer pelo governo quer pelas  Ordens e sindicatos dos profissionais de saúde, para enfrentar esta ofensiva do negócio privado da saúde, e  para que o SNS possa resistir com êxito esta ofensiva dos grandes grupos privados de saúde interessados em obter multiplicar os lucros à custa da saúde dos portugueses; pelo contrário o que se assiste é à fragilização crescente do SNS com consequências graves para todos os portugueses.

 

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