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João de Sousa

Sábado, Abril 27, 2024

A quinta coluna!

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Desinformação islamista nos meios de comunicação ocidentais

A análise David Zweig (2023.10.28)(1) da campanha de desinformação da imprensa ocidental sobre a agora famosa ‘explosão israelita no Hospital de Gaza (que) mata mais de 500’ é um marco da forma como o mundo institucional mediático ocidental foi capturado pelo fanatismo islâmico na sua guerra contra os valores humanitários.

Depois de uma análise sólida, bem documentada e fascinante, este jornalista independente, que publica o seu próprio boletim, mostrou a mecânica essencial desta peça de desinformação antissemita que segue o padrão da ‘difamação pelo sangue’.

Como Zweig explica, mesmo para os padrões de propaganda do Hamas, a reivindicação de mais de quinhentas mortes resultantes da queda de um rocket no pátio do hospital era exagerada. Por essa razão, ele decidiu investigar o assunto e descobriu que a alegação resultou quase seguramente de uma notícia da Al Jazeera em inglês que, na verdade, traduziu erroneamente em ‘fatalidades’ a alegação original do porta-voz do Hamas de ‘atingidos’ transmitidas em árabe pela Al-Jazeera.

Tal erro de tradução é um erro que, com toda a probabilidade, não foi intencional. Nenhum de nós que trabalha nos negócios de informação ou análise, está livre de cometer tais erros. O mais grave, claro, é não ter corrigido o erro quando detetado e não pedir desculpas por isso.

Mas a pesquisa de Zweig mostrou que as mentiras iam além disso. Toda a imprensa que analisou: ‘O New York Times, o Washington Post, o Wall Street Journal, o New York Post, a ABC, NBC, CBS, FOX, CNN, NPR, PBS, a Associated Press, o Guardian’, falsamente atribuíram a uma alegação inexistente do Hamas o que provavelmente era uma fonte inglesa da Al-Jazeera e recusaram-se a reconhecer a verdadeira fonte e ou pedir desculpa por não a ter revelado.

Apenas o New York Times respondeu à consulta de Zweig, admitindo que tinha retirado a alegação original, mas nunca admitindo que escondeu a verdadeira fonte da história original que relatava.

Zweig cita tanto o Presidente Biden (não tinha ‘noção de que os palestinianos estão a dizer a verdade sobre quantas pessoas são mortas’) como o Atlantic criticando ‘meios de comunicação de prestígio que noticiam credulamente as alegações do Hamas’.

As Forças de Defesa de Israel comprovaram para além de qualquer dúvida razoável que o massacre foi o resultado de um rocket enviado por um grupo islâmico em Gaza que se extraviou, o que acontece com cerca de um quarto dos foguetes que eles lançam sobre Israel. Ainda assim, quem quer que vá pesquisar no Google o assunto será afogado por alegações de conspiração (dentro e fora dos media institucionais ocidentais) tentando provar o contrário.

O cerne da questão é que praticamente todo o sistema mediático ocidental (por exemplo, os media portugueses que acompanhei sobre o assunto repetiram fundamentalmente a mesma mantra da Al-Jazeera sem citar a fonte real) transformaram a Al Jazeera numa espécie de Bíblia sobre Assuntos Islâmicos.

A Al Jazeera é o principal canal não oficial do Emirado do Catar. O Catar é praticamente o centro de todos os movimentos extremistas islâmicos no mundo. Sendo o único país a seguir o culto wahabi, depois de Mohammad Bin Salman, o príncipe regente saudita, se ter dissociado publicamente dele, alberga líderes da Irmandade Muçulmana – em particular a liderança do Hamas – e albergou outros grupos jihadistas como os talibã.

O Catar tem uma relação próxima (que não exclui conflitos periódicos) com o mais poderoso centro jihadista, o Irão, uma cooperação que envolve a promoção do terrorismo. Isto levou o Conselho de Cooperação do Golfo a cancelar os laços com o Emirado até que a pressão ocidental exercida o obrigou a recuar.

Num briefing realizado a 17 de outubro, o diretor do ‘Instituto Transatlântico‘, Daniel Scwhammenthal, declarou que as evidências apontavam para um impacto maior da Al Jazeera na doutrinação fanática dos migrantes muçulmanos na Europa do que todas as redes sociais juntas.

O antissemitismo radical no Ocidente é consequência da conquista no terreno institucional – em particular dos meios de comunicação social – pelo extremismo islâmico. Não podemos ficar surpresos ao ver setores crescentes da juventude ocidental ser contaminados por ela, às vezes ressuscitando os velhos ícones nazis usados no movimento que levou ao holocausto.

A captura dos centros de decisão ocidentais pelo extremismo islâmico tem sido muito mais ampla do que a captura dos meios de comunicação social, embora estes tenham sido o principal alvo, uma vez que o Catar compreendeu corretamente a sua importância nas sociedades livres.

Uma questão que é crucial ter em consideração nesta fase é a chamada islamofobia. O Fórum do Médio Oriente –  que tem estado na vanguarda da análise do papel pernicioso do Catar no Ocidente – analisou um estudo feito para provar como a “islamofobia” era generalizada nos EUA.

O estudo mostrou, ao contrário do que era suposto, que os muçulmanos são os mais conhecedores do impacto pernicioso do islamismo. Na verdade, o que todos tendem a ignorar – a começar por aqueles que criaram o mito da ‘guerra das civilizações’ – é que as principais vítimas dos islamitas são os muçulmanos. Isso inclui o atual conflito em Gaza, onde os moradores locais são usados pelo Hamas como escudos descartáveis para esconder as suas operações militares.

Uma das referências mais importantes que utilizei em vários dos meus escritos é o Relatório da Comissão 9/11 (2004).

Publicado apenas um ano após a invasão do Iraque, o relatório mostra em detalhe como o regime de Saddam no Iraque nada teve a ver com o onze de setembro. As ligações entre um grande número de individualidades sauditas que viviam nos EUA, bem como o aparelho de Estado do Paquistão e do Irão, com o atentado, eram, no entanto, bastante claras.

A principal questão que trouxe à tona no meu livro “A invasão oculta do Iraque” foi exatamente como o Irão capturou o aparato ocidental para obter os seus objetivos estratégicos: livrar-se de Saddam e lançar um império islâmico no Oriente Médio e, claro, ameaçar as mesmas potências ocidentais que o permitiram.

Mas, apesar do relatório, nada foi aprendido pelas elites ocidentais sobre a importância de impedir a penetração e, em última análise, a captura por potências e ideologias hostis.

O dia sete de outubro é sobretudo uma consequência das lições não aprendidas do onze de setembro.

 

Nota

(1) Estou muito grato ao meu amigo José Mateus Cavaco Silva por ter visto este artigo mo ter enviado. Durante décadas, desde que fomos colegas na faculdade, foi ele quem me chamou a atenção para várias obras seminais que moldaram muitos dos meus pensamentos.

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