Em 14 de julho, por ocasião da primeira reunião de líderes do Grupo (I2U2) – Índia, Israel, Emirados Árabes Unidos e Estados Unidos – estes reafirmaram no comunicado final o ‘apoio do grupo aos Acordos de Abraão e a outros acordos de paz e normalização com Israel’.
De acordo com a “Voz da América“, o Presidente Biden, à sua chegada à região em 13 de julho, e na preparação da cimeira da I2U2, declarou: ‘A única coisa pior do que o Irão que existe agora é um Irão com armas nucleares.’ Além disso, questionado sobre o uso da força militar contra o Irão, Biden disse: ‘Se esse fosse o último recurso, sim.’ Além disso, o Presidente dos EUA disse que não retiraria os Guardas Revolucionários Islâmicos (Irão) da lista de organizações terroristas dos EUA, mesmo que isso implicasse a recusa do Irão em aderir ao acordo nuclear.
Trata-se da inversão das intenções originais da administração do Presidente Biden relativamente à confirmação do acordo com o Irão de 2015. Como a ARCHumankind (entre outros) afirmou na altura, em nome de um adiamento acordado do enriquecimento de urânio necessário para o programa nuclear iraniano, o acordo fez vista grossa aos outros aspectos do programa nuclear – e, mais importante, ao desrespeito iraniano pelos direitos humanos no interior das suas fronteiras e à agressão militar na região.
Como é quase consensual, e como foi explicado com pormenor, por exemplo, pelo Instituto de Ciência e Segurança Internacional, reafirmar agora os termos literais do acordo iraniano de 2015 equivaleria a autorizar o plano nuclear iraniano a desenvolver-se sem entraves dentro de alguns anos.
A posição do Presidente Biden parece, portanto, em termos práticos, a retomar a posição defendida pelo seu antecessor – valorizando a paz e a estabilidade no Médio Oriente, e especialmente na região do Golfo, como o objetivo estratégico mais importante a atingir, em prejuízo do apaziguamento da agressão iraniana!
O sucesso de Biden ao trazer para junto dos EUA os mais importantes protagonistas regionais (incluindo na vizinhança sul-asiática) é importante, sendo a questão pendente mais relevante agora a de convencer a União Europeia a aderir a esta ampla coligação – isolando assim o Irão, que de outra forma é apenas sustentado tanto pela Rússia como pela China.
Enquanto espera que a UE adira a esta vasta coligação regional, a região do Golfo goza já, para além do Antigo Conselho de Cooperação para os Estados Árabes do Golfo, (CCG) de uma rede forte de acordos bilaterais e multilaterais destinados a preservar a paz e a enfrentar tentativas de desestabilização.
O CCG tem já uma rica história de medidas de integração económica e política, algumas dessas medidas mais bem-sucedidas do que outras. A criação do Conselho ‘em 1981 envolveu uma narrativa política comum e uma busca para combater mutuamente as ameaças à segurança regional’ (Niazy, 2022, p.3). No entanto, após uma contenção bem-sucedida do imperialismo iraniano, a invasão do Kuwait pelo Iraque deu rumo a uma sucessão de acontecimentos desastrosos que acabaram por aumentar a ameaça iraniana original.
O regime clerical iraniano conseguiu infiltrar-se com sucesso nos EUA e noutros países ocidentais – materializando assim uma ‘Invasão Oculta do Iraque” (Casaca, 2008). Em 2004, usando como representante o grupo Ansar Allah Zaidi (também conhecido como Houthis), os Guardas Revolucionários Islâmicos, geridos pelo Irão, iniciaram uma luta armada contra as autoridades iemenitas e a Arábia Saudita (Montgomery, 2021).
Enquanto o regime iraniano sempre manteve uma estreita aliança com a ditadura síria, o conjunto de acontecimentos que se sucedeu em 2011 ao movimento de protesto civil democrático em massa contra o regime ditatorial da Síria levou a um sério reforço do controlo do Irão sobre o país. O Ocidente abandonou o movimento de protesto original e permitiu que as forças extremistas islâmicas o manipulassem, preparando o palco para um desenvolvimento semelhante ao que se tinha observado no Iraque.
A minha avaliação feita no ‘Terrorism Revisited’, constante das observações finais sobre os dramas sírio e iraquiano, (Casaca, et.al, 2017, p. 216) ainda é válida hoje em dia:
“Tanto no Iraque como na Síria, a teocracia iraniana promoveu as suas organizações jihadistas filiadas, mas também favoreceu o desenvolvimento de organizações jihadistas entre a população sunita muçulmana numa primeira fase. Este desenvolvimento do jihadismo entre a população sunita permitiu a eliminação da elite da sociedade civil e, posteriormente, permitiu que as forças iranianas promovessem uma brutal limpeza étnica de populações hostis em nome da ‘guerra ao terrorismo’.
As populações visadas pelo expansionismo iraniano são, por isso, duas vezes vítimas: serão expulsas das suas terras e a sua sociedade será altamente contaminada pela doutrinação jihadista. Aqueles que se enquadram no ‘gestalt paranoico jihadista’ serão então utilizados para desestabilizar tanto os Estados vizinhos – em particular, os Estados do Golfo – como o Ocidente, à medida que chegam a estas regiões como refugiados.
Entretanto, na Síria, o Irão forjou um exército internacional de mercenários com membros do Líbano, Afeganistão, Paquistão, Palestina e Iraque, o que será bastante útil para futuras operações nos respetivos países de onde esses mercenários são nativos.’
A nova posição desta administração norte-americana de confrontar todas as dimensões da ameaça iraniana no Golfo, e os laços cuidadosos de uma rede de alianças dentro e fora da região, é o progresso mais importante a que estamos a assistir. Espero que a União Europeia adira em breve a esta construção.
Agora é necessário apresentar uma alternativa clara e atractiva aos povos da região, especialmente às populações dos países que são vítimas directas da agressão dos Guardas Revolucionários Islâmicos e das suas filiais locais. É necessário dar-lhes como alternativa o respeito dos direitos humanos, da liberdade, da democracia, da paz e do desenvolvimento.
(versão portuguesa de um artigo que publiquei para o South Asia Democratic Forum que se pode encontrar aqui)