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Sexta-feira, Março 29, 2024

A revolta dos Malês: O levante e o heroísmo dos protagonistas

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

Na noite de 24 de janeiro de 1835, um sábado, um heróico evento ligado à luta pela liberdade aconteceu, em Salvador (BA) – foi o maior levante urbano registrado na longa história da luta escrava no Brasil: aquele que ficou conhecido como a revolta dos Malês. Entre 1804 e 1844 houve série de levantes escravos em Salvador e seu recôncavo – e a revolta de 1835 foi o maior e mais organizado entre eles.Foi liderado por negros de religião muçulmana (daí a designação malê, como eram conhecidos na Bahia os fiéis do Islã); eram negros cultos, alfabetizados (em árabe) e que organizaram “clubes” em vários bairros de Salvador e regiões do Recôncavo Baiano, nos quais debatiam a organização do movimento; neles funcionava o fundo monetário que criaram para financiar a revolta – e também escolas islâmicas dedicadas, entre outras coisas, à alfabetização de africanos (sempre em árabe) e à difusão de sua fé.

Muçulmanos em sua maioria, os lideres do levante dos Malês estavam em contato com os escravos e negros forros de Salvador, em cuja população o segmento de origem africana era amplamente dominante. Clóvis Moura, em seu clássico Rebeliões da Senzala, cita dados para o conjunto da Bahia e Sergipe, em 1824, e mostra que naquelas províncias havia 858.000 habitantes, dos quais 524.000 eram escravos.

Os historiadores calculam que o movimento envolveu cerca de 600 revoltosos em Salvador e no Recôncavo. E não teve propriamente um programa político, diz Clóvis Moura – a luta era contra a escravidão e pela liberdade dos cativos. “A única consigna capaz de uni-los era – segundo pensamos – a conquista da liberdade, o fim do cativeiro”, escreveu historiador.

O levante ocorrido na noite daquele sábado foi logo derrotado pela repressão policial e militar. Não chegou a durar 24 horas. Mas não é pela curta duração dos eventos que aquela revolta se distingue, mas pela longa e cuidadosa preparação entre os escravos, indicando a grande capacidade de organização na luta contra a escravidão. Merecem serem lidas, neste particular, as obras de Clóvis Moura (Rebeliões da Senzala) e de João José Reis (Rebelião Escrava no Brasil – A História do Levante dos Malês em 1835). São obras ricas em detalhes sobre o levante e o heroísmo de seus protagonistas.

A repressão foi brutal. Foram mortos em combate mais de cem revoltosos. Centenas foram presos, submetidos quase todos a penas de açoites (o número de chibatadas era contado às centenas para cada réu), prisões, deportações e fuzilamento. Como registrou Clóvis Moura, cinco líderes da rebelião foram condenados à morte, e fuzilados (pois não houve quem os enforcasse) em 14 de maio de 1835: “os libertos Jorge da Cunha Barbosa e José Francisco Gonçalves e os escravos Gonçalo, Joaquim e Pedro. Condenados à forca, não encontrou o governo carrascos que os executassem. Tiveram de ser fuzilados, com as honras de soldados”.

O heroísmo dos prisioneiros surpreendeu inclusive aos agentes da repressão. “Quase ninguém se acovarda, delata, acusa. Negam conhecer os companheiros de insurreição. O nagô Joaquim diz desconhecer até o seu companheiro de residência. O nagô Henrique, gravemente ferido e já sentindo os sintomas do tétano que o mataria horas depois, impossibilitado de sentar-se, já preso de convulsões, declarou que não conhecia os negros que o convidaram a tomar parte da insurreição e que mais não dizia por não ser gente de dizer duas coisas. “O que disse está dito até morrer”.

Aquela luta, cujo objetivo claro era a liberdade, foi, organizada por lideres populares como o alufá (sacerdote) Pacífico Licutã, Manuel Calafate, Elesbão Dandará, Luís Sanim, Belchior da Silva Cunha e muitos outros, que vivem perpetuamente no coração dos democratas e lutadores do povo no Brasil. Foram homens que, como o nagô Henrique, só tinham uma palavra: não aceitavam a escravidão.

Texto original em português do Brasil

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