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João de Sousa

Sábado, Dezembro 14, 2024

Ai, Sr. Dr., que me sinto tão morto…

João Vasco AlmeidaNinguém crê que só ao fim de quatro anos os médicos repararam que trabalham nas ruínas. O silêncio destes profissionais é preocupante e assustador. As recentes notícias dos desmandos nas urgências completam com factos um quadro mental que alguns portugueses têm bem assente: Portugal passou e passa um período de decadência em todos os serviços essenciais do Estado, com permanente desvalorização da coisa pública.

Só esta semana parece que o susto acordou a maioria. Há pessoas que morrem porque os médicos, mal pagos na sua percepção subjectiva do capital, se recusam a trabalhar. Ou, se não recusam, não podem salvar vidas por causa dos “cortes” orçamentais que levam a “cortes” em horas de serviço e escalas essenciais.

Jogar com a morte, a dinheiro, é um exercício proibido. Foi feito nos últimos anos pelo governo PSD/PP com a conivência de uma esmagadora maioria de médicos, que continuam a recusar-se a ser exclusivos do Serviço Nacional de Saúde ou mostram relutância em ir trabalhar para a província sem serem pagos como um Nababo emigrado em Helsínquia.

Os médicos, como os juízes e os pilotos de avião, são dos poucos que sabem ter a vida das pessoas nas mãos e usam essa prerrogativa para benefício pessoal e corporativo. Numa sociedade aberta esta atitude é um atentado ao bem comum e à dignidade. A posição de poder só deve ser entregue a quem dela não possa abusar. O que se viu nos últimos anos, no entanto, foi uma ética do “cada um por si” entre a generalidade daqueles profissionais. Médicos que ganham 10 mil euros por mês não se deviam queixar muito, apenas exercer a sua pressão social para que o sistema funcione.

Pensemos apenas nisto: uma das profissões mais nobres que a evolução social criou é a de professor. Ensinar é tão importante como curar, porque um cidadão estúpido e sem cultura ou conhecimentos é um animal perdido. Os professores, que deviam ser pagos como os médicos e os pilotos, aceitam hoje viajar quase trezentos quilómetros por dia para dar aulas a preço de saldo e levar para casa uns míseros 700 euros. Não estou a imaginar um exemplo: isto existe, basta procurar nas escolas dos vossos filhos.

Uma sociedade que aceita este tratamento desigual é aquela que está de bem com a exploração do homem pelo homem, uma sociedade de fidalguias adquiridas pelo “respeitinho” serôdio, uma sociedade que perdeu a vontade de reagir. Quando se aceita que um homem morra num Hospital sem que nada tenha sido feito para o salvar ou que um professor faça centenas de quilómetros para ensinar os antónimos, e aceita pelo voto manter tal coisa, então quem está em coma é a própria sociedade.

 

 

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