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Sexta-feira, Abril 26, 2024

As meninas gaseadas do Irão

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

De acordo com uma reportagem publicada pela BBC e largamente confirmada por todas as fontes envolvidas, a presente campanha de envenenamento de escolas femininas E de dormitórios femininos de universidades, começou a 30 de novembro na cidade de Qom.

De acordo com os números fornecidos pelo ‘Conselho Nacional da Resistência Iraniana’ (CNRI) o número de ataques registado ontem ultrapassava já as quatro centenas e estendia-se a quase todo o território iraniano.

Ainda de acordo com a BBC, a presente onda de ataques assemelha-se à que teve lugar no Afeganistão, na província de Herat, entre 2012 e 2015, onda de ataques cujas responsabilidades nunca foram convenientemente investigadas. Na altura, os Taliban negaram qualquer responsabilidade. Registe-se que a província de Herat é a que faz fronteira com o Irão e que a facção Taliban aí dominante é tributária dos Guardas Revolucionários Iranianos (webinar promovido pelo SADF, análise de Antonio Giustozzi).

De acordo ainda com a supracitada reportagem da BBC, é virtualmente impossível saber qual o elemento químico usado para envenenar as meninas iranianas sem estar presente no terreno, dado que há centenas de milhares de compostos químicos que podem ter resultados semelhantes, juntando a essa análise a possibilidade de se tratar de ‘psicose colectiva’, afirmação absurda e ofensiva que, como uma nota final da mais recente versão do artigo reconhece, levou a uma onda de protestos.

O que a reportagem da BBC não diz, e que é escamoteado pela generalidade da imprensa ocidental, é que é virtualmente impossível que as autoridades não tenham até hoje sido capazes de identificar qualquer suspeito pelos crimes repetidos centenas de vezes em mais de três meses no país inteiro, se porventura estivessem interessadas em fazê-lo. Registe-se que as autoridades policiais não têm tido qualquer falta de zelo na repressão e na prisão dos progenitores das vítimas que têm protestado contra este crime abominável.

O CNRI, num artigo dedicado ao tema, mostra como a linguagem do regime é de uma extrema duplicidade, vagueando entre o reconhecimento de que se trata de um crime, a acusação de que é a oposição a responsável por ele e a persistente insinuação de que nada disto aconteceria se as vítimas não tivessem posto em causa o símbolo da sua opressão que é o véu obrigatório.

Supor que algo com esta dimensão possa ser fruto de psicose colectiva, de que é natural que nada se venha a saber ao certo, o tomar como sérias as declarações das autoridades, são tudo elementos essenciais de uma lógica de condicionamento das vítimas. Este condicionamento pretende obstar a que estas possam contestar os crimes de que são alvo por um lado, mas que sejam obrigadas a entender que se querem evitar ser vítimas do gás têm de deixar de fazer o que as terá levado a ser vítimas: a sua revolta!

Não é possível falar-se em direitos das mulheres sem colocar as mulheres iranianas e a sua luta pelas mais elementares condições de liberdade no centro do debate.

Não pode haver aqui qualquer equívoco ou qualquer forma de legitimação do discurso falso do poder: a responsabilidade pelos ataques químicos às meninas e jovens iranianas é do poder teocrático!

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