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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Banca detém 115.388 milhões € de divida pública

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

A bomba relógio que é a enorme divida pública detida pela banca, a incapacidade revelada pelo estado e pelos privados para utilizarem de uma forma atempada e eficiente os fundos comunitários, e os atrasos na execução do “Portugal 2020”, do “PPR” e do “Portugal 2030”

Neste estudo analiso o risco que representa para a banca por deter 115.388 milhões € de divida pública, pois se a taxa de juro continuar a aumentar significativamente, poderá causar à banca enormes menos-valias (prejuízos) que destruirão os seus rácios de capital, causando uma profunda destabilização do sistema financeiro a que o Estado naturalmente acudirá o que pode contribuir para uma recessão económica. A juntar a tudo isto, o Estado e as empresas revelam incapacidade para utilizar atempada e de uma forma eficiente os fundos comunitários atribuídos a Portugal apesar do investimento insuficiente quer a nível do país quer na Administração Pública o que está a contribuir para agravar ainda mais a crise económica e social que o país enfrenta atualmente.

 

Estudo

A bomba relógio que é a enorme divida publica detida pela banca, a incapacidade revelada pelo estado e pelos privados para utilizarem de uma forma atempada e eficiente os fundos comunitários, e os atrasos na execução do “Portugal 2020”, do “PPR” e do “Portugal 2030”

Nos primeiros estudos que publicamos, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, chamamos a atenção para o facto de que nos países ocidentais, em que domina economia capitalista, esta tem as suas leis de funcionamento, e que ignorá-las era perigoso. Isto a propósito das consequências graves que, por efeito bumerangue, a multiplicação de sanções teria nas economias e na vida dos europeus, e para a necessidade de ter cuidado na sua aplicação, e analisar com rigor o impacto de cada sanção se não se quisesse arruinar a Europa e a vida dos europeus. A multiplicação de sanções causaria uma escalada de preços, o retrocesso na recuperação económica que estava no início após a pandemia, desigualdades e pobreza, como está já a acontecer. E se a guerra se prolongasse, como era previsível e está a suceder, seriam inevitáveis a fadiga e a revolta dos europeus contra os enormes sacrifícios que isso causaria, assim como divisões, conflitos sociais, e criação de condições para a ascensão da extrema-direita. Os governos da U.E. têm sido autênticos “aprendizes de feiticeiro”, brincam com o fogo e com a vida dos europeus.

Em Portugal, o governo e seus defensores, por ignorância ou deliberadamente, procuraram vender à opinião publica a ideia de que as sanções não teriam consequências para Portugal, pois as importações e exportações da e para a Rússia, incluindo a energia, eram diminutas. Mario Centeno, utilizando o Banco Portugal, procurou vender a ideia de que o aumento de preços seria temporário. “Esqueceram-se”, por ignorância ou deliberadamente, que vivemos numa economia capitalista globalizada, e o que acontece num país repercute-se rapidamente em todos os outros países. A exclusão dos maiores produtores de petróleo, gás e cereais e de outras matérias-primas (Rússia e Ucrânia) do mercado onde ocidentais adquirem estas matérias-primas indispensáveis à alimentação das suas populações e ao funcionamento das suas economias, devido à redução da oferta e aos desequilíbrios que criaria nos mercados, teria efeitos dramáticos nas economias e sociedades europeias. É o que está a acontecer devido à miopia política e à ignorância dos líderes europeus que desconhecem como funcionam os mercados no capitalismo.

Quando as “teorias” de que as consequências das sanções seriam reduzidas ou mesmo nulas para os países ocidentais e, em particular, para Portugal, e que só a Rússia sofreria com elas, ruíram perante a realidade (escalada de preços, quebra no crescimento económico, crise energética, crise alimentar, crise de cereais, agravamento nas cadeias de abastecimento, especulação desenfreada que faz aumentar os preços dos combustíveis todas as semanas, subida das taxas de juro, etc.) e as entidades internacionais (FMI, Banco Mundial, OCDE) afirmarem, contrariando os governos, que inflação elevada vai perdurar, e substituíram as anteriores previsões de crescimento económico por outras muito mais baixas (o BM, em jan.2022 previa que a economia mundial crescesse este ano 4,1% e agora 2,9%, e a da Zona euro crescesse 4,2% e agora apenas 2,5% e é de prever que a realidade final seja pior), é que o governo, o presidente da republica, e a comunicação social acordaram para a realidade. O presidente pede aos portugueses para aguentarem mais sacríficos (aguenta, aguenta, já dizia o banqueiro do BPI), a comunicação social grita contra a escalada de preços e contra os salários médios baixos que só agora descobriram (em 7/11/2021, no estudo 46-2021 fomos os primeiros a alertar que Portugal estava a se transformar num país de salários mínimos porque ele já quase era igual ao salário médio). Mas esta crise não se limita apenas aos aspetos já sentidos por todos. Há ainda outros ignorados pelos medias que são autênticas bombas-relógio que rebentarão se a guerra continuar. Dois deles:(1) O efeito para a banca do aumento das taxas de juro da divida pública; (2) A deficiente utilização dos fundos comunitários.

A DIVIDA PUBLICA ERA DE 115.388 MILHÕES €. À BANCA JÁ EM MARÇO.2022, É UMA BOMBA-RELÓGIO QUE, SE REBENTAR, PODE DESTABILIZAR O SISTEMA FINANCEIRO E O ESTADO, QUE TERÁ DE ACUDIR, E MAIS RECESSÃO

O gráfico 1, com dados do Banco de Portugal, mostra o aumento da divida pública à banca entre 2011/2022.

Para que o leitor possa compreender o risco para o sistema financeiro desta enorme divida publica na posse da banca se a taxa de juro aumentar muito, como está a acontecer, vamos apresentar alguns dados e cálculos.

Em jun.2022, o IGCP responsável pela emissão de divida, numa emissão a 9 anos teve de pagar uma taxa de 2,33% quando, em fev.2022, pagou uma taxa de 1%, e há um ano 0,3%. Suponha-se que a taxa juro média da divida na posse da banca é 1%, portanto a banca recebe do Estado por aquela divida de 115.388 milhões €, 1.153,9 milhões € de juros/ano. Mas se taxa fosse 2,3%, que é a que o IGCP pagou pela nova divida (mas não pela divida antiga na posse da banca, que continua a pagar em média 1%), a receita de juros de uma divida de 115.388 milhões já seria 2.653,9 milhões €. Fazendo cálculos conclui-se que, com uma taxa de 2,3%, bastava a banca ter em sua posse uma divida publica no montante de 50.162 milhões € para obter a mesma receita que obtém com os 115.388 milhões € a uma taxa de 1%.

Isto determina que, no mercado secundário, se a banca quiser vender a divida publica de 115.388 milhões € que tem na sua carteira de títulos, só lhe darão 50.162 milhões €, e teria de registar, como prejuízo, a diferença que seria enorme, o que destruiria os rácios de capital de muitos bancos (tudo depende da taxa de juros da divida que a banca possui, quanto baixa for em relação à nova taxa paga pelo IGCP maior será o prejuízo). No fim do 1º trim.2022, a CGD tinha aplicado em títulos 20.705 milhões € (19,9% do seu Ativo), e o Banco Montepio 3.238,6 milhões € (16,4% do Ativo), a maioria deverá ser divida pública. Uma subida acentuada na taxa de juro da divida pública poderá causar elevados prejuízos a estes bancos. Uma das formas de adiar o problema é registar a divida em “Ativos financeiros ao custo amortizado”, como já fez o Banco Montepio (3.004,2 milhões €), o que significa que só será reembolsado na data do seu pagamento pelo devedor. O inconveniente é que esses meios financeiros ficarão imobilizados com um rendimento inferior ao que o mercado paga, e não poderão ser utilizados para conceder crédito, a atividade “core” do banco. Tanto a CGD como o Banco Montepio não são bancos de investimento, orientados para a especulação e obtenção de mais-valias. Apesar disso têm aplicado uma parcela das suas disponibilidades em ativos financeiros, no lugar de as utilizar na concessão de crédito e no apoio ao crescimento económico e desenvolvimento do país.

O IMPACTO PARA O ESTADO E PARA OS CONTRIBUINTES DO AUMENTO DA TAXA DE JUROS DA DIVIDA, E A SOLUÇÃO “MILAGROSA” DEFENDIDA PELO MINISTRO DAS FINANÇAS, FERNADO MEDINA

Reagindo ao aumento significativo das taxas de juro da divida portuguesa (em 2022, o OE-2022 aprovado prevê a emissão de divida no montante de 52.994 milhões €), Fernando Medina, em declarações aos media em 10/6/2022, afirmou que “haverá impactos” dos aumentos das taxas de juro anunciadas pelo BCE, e que só a redução da dívida pública os pode combater”. A miopia política e a ignorância económica de Fernando Medina traduzem bem a do governo. E isto porque, entre 2021 e 2022, a redução do défice orçamental de 2,8% para 1,9% e da divida pública de 127,4% do PIB para 120,7% do PIB prevista no OE-2022 aprovado por este governo por serem enormes, num período de grave crise económica e social, vão agravar ainda mais a crise e a situação dramática dos portugueses. E a receita de Fernando Medina não é combater a crise, promovendo o crescimento económico e o combate à pobreza e às desigualdades, mas sim reduzir ainda mais a despesa pública para assim reduzir a divida publica, ou seja, congelando salários, cortando na despesa social (SNS e pensões) e no investimento público pois só assim é que consegue reduzir ainda mais a divida. As consequências dramáticas desta política míope e caraterizada pela insensibilidade social é já sentida pelos portugueses no SNS, cujo orçamento para 2022 aprovado pelo governo apresenta, logo no início, um saldo negativo de -1.121 milhões € (veja-se o nosso estudo de 23-2022 de maio deste ano). Como é que o SNS poderá assim funcionar e contratar os médicos e os enfermeiros que necessita para responder as necessidades da população. Mas esta é a política defendida por Fernando Medina e pelo governo em todo o seu esplendor. Eis o resultado da maioria absoluta cujo preço já se está a pagar.

O INVESTIMENTO INSUFICIENTE É UM PROBEMA GRAVE EM PORTUGAL, O QUE DETERMINA QUE A ECONOMIA SEJA FRAGIL, POUCO DESENVOLVIDA, SENDO DOMINANTE OS SETORES DE 7 BAIXA TECNOLOGIA E DE BAIXOS SALÁRIOS

Para que se possa compreender a debilidade da economia portuguesa, os baixos salários e a baixa produtividade que a caraterizam-se observem-se os dados do INE sobre o investimento em Portugal nos últimos anos

Quadro 1 – Investimento total e investimento público, consumo de capital fixo total e publico – 2011/2021

A partir de 2011 e até 2018, e também em 2020, o investimento total feito no país (FBCF) foi sempre inferior ao Consumo de Capital Fixo, ou seja, àquele que desapareceu pelo uso e pela obsolescência (o Consumo de Capital Fixo a nível do país corresponde aquilo que, a nível das empresas, se designa por Amortizações). Entre 2012 e 2021, o novo investimento feito no país foi inferior ao “Consumido” em 18.607,8 milhões €, isto significa que nem foi suficiente para compensar aquele que desapareceu devido ao uso e à obsolescência. Mas a situação mais grave foi o que aconteceu nas Administrações Publicas. Entre 2011 e 2021, o Investimento Publico foi inferior ao Consumo de Capital Fixo Público em 14.939 milhões €, portanto 80% da quebra do investimento total no país deve-se à redução do investimento público.

A degradação dos equipamentos públicos foi dramática (o que acontece no SNS onde falta tudo e os profissionais de saúde se queixam de falta de condições para poderem trabalhar, levando muitos a trocar o SNS pelo privado, é apenas um ex. entre muitos). Foi desta forma que Costa/Centeno/Leão reduziram o défice e obtiveram o elogio dos eurocratas de Bruxelas, destruindo a Administração Pública e impedindo a modernização do país. E Medina quer continuar essa política de destruição e de atraso mesmo com a grave crise económica e social.

MESMO DISPONDO DE ELEVADOS FUNDOS COMUNITÁRIOS, O ESTADO E EMPRESAS PRIVADAS, POR INCAPACIDADE, NÃO CONSEGUEM UTILIZAR, DE UMA FORMA ATEMPADA E EFICIENTE, ESSES FUNDOS

A falta de investimento tem obrigado o país a se limitar a atividades de baixa tecnologia, de baixa produtividade e de baixos salários como é o turismo. E apesar dos elevados fundos comunitários que, por incapacidade quer do Estado quer de muitas empresas privadas, são utilizados com atraso e de uma forma ineficiente (ex. o “Portugal 2020”, quadro 2).

Quadro 2 – Nível de execução do Portugal 2020 em 31/3/2022 segundo o Instituto Público responsável pelo seu controlo


Segundo a ADC, IP, no fim do 1º Trim.2022 ainda estavam por utilizar 7.638 milhões € de fundos comunitários do “Portugal 2020” (28,8% do total para o 2014/2020). A tão falada “bazuca” (o PRR), que segundo António Costa, iria resolver os problemas estruturais do país (o que já foi desmentido por um estudo publicado pelo Banco de Portugal), de um total de 16.644 milhões €, até 8/6/2022 tinham sido pagos aos beneficiários apenas 698 milhões €, ou seja, 4% (“site” “Recuperar Portugal”).

E isto ao fim de um ano após a aprovação pela Comissão Europeia do PRR (tivemos conhecimento que há empresas que entregaram projetos há vários meses e que ainda não tiveram qualquer resposta certamente por falta de técnicos para os analisar), e os 16.644 milhões € terão de ser utilizados imperativamente até 2026. E não haverá adiamentos como acontece com o “Portugal 2020”. O que não for utilizado até 2026 estará definitivamente perdido. Na 1ª semana de jun./2022, o “coordenador da Comissão de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), Pedro Dominguinhos, admitiu que a inflação e o aumento do preço dos combustíveis colocam em risco a execução do programa”. E o “PORTUGAL 2030” que é Programa plurianual para 2021/2027, em que a U.E. financia com 22.995 milhões € ainda não se iniciou. No início (PRR) ou antes do seu início (Portugal 2030), o presidente da República, governo e os próprios responsáveis destes programas já vieram dizer que, devido aos enormes atrasos, era preciso pedir à União Europeia mais adiamentos.

Para além de ser uma prova da incapacidade do Estado e das empresas privadas para utilizar atempada e eficientemente os fundos comunitários, os contínuos adiamentos causam enormes prejuízos ao país nomeadamente em períodos de elevada inflação. Isto porque, para além de não se criar emprego e capacidade produtiva, e consequentemente mais riqueza, no ano em que podia ser criado, o adiamento na utilização dos fundos comunitários causa que, com esses fundos se realize menos pois, com o passar dos anos, menos equipamentos e menos ações se podem fazer. E isto porque com inflação os preços sobem, e os fundos comunitários atribuídos ao nosso país perdem valor. Por ex., os 22.995 milhões €, com uma inflação média anual de 8%, o seu poder de compra reduz-se em 1.703 milhões €. Em 2023 com os 22.995 milhões € adquiro aquilo que em 2022 comprava com 21.292 milhões €. Quanto maior for o adiamento na utilização de fundos comunitários, maiores serão os prejuízos para o país, porque menos se conseguirá realizar e menos atividades com elevada tecnologia se criará.

O congelamento das remunerações dos trabalhadores da Administração Pública (desde 2010, apenas foi feita duas atualizações, uma de 0,3% em 2020 e outra de 0,9% em 2022, o aumento de 56€ que o governo quer fazer na remuneração dos técnicos surge neste contexto como uma provocação), a destruição das suas carreiras, e um sistema de avaliação que determina que 75% dos trabalhadores só ao fim de 10 anos é que sobem de escalão remuneratório, junto a um sistema burocrático de concursos para a contratação de trabalhadores que chegam a demorar dois ano para terminar, tudo isto está a destruir a Administração Publica, tornando-a não atrativa, sendo em várias áreas praticamente impossível contratar trabalhadores qualificados e com as competências que a Administração Pública necessita para fornecer os serviços de qualidade que a população necessita e responder aos desafios futuros, nomeadamente os colocados pelo “Portugal 2020”, “PRR” e “Portugal 2030”.


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