Através de redes sociais, os entregadores de aplicativos de todo o Brasil organizam a sua primeira greve a nível nacional. As trabalhadoras e os trabalhadores reclamam da intensa jornada de trabalho e da queda de rendimentos, apesar do aumento de entregas durante a pandemia. Eles prometem parar as entregas em todo o Brasil no próximo dia 1º.
O presidente Adilson Araújo, da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), vê o processo como um “fenômeno mundial” diante do crescimento acelerado, descontrolado e desregrado da exploração do capital sobre o trabalho após à crise de 2008, principalmente. Essa ideia “de compartilhamento vem promovendo profunda mudança na formação social do trabalho”, afirma.
Ele cita o economista norte-americano Tom Peters que defende a ideia de que as empresas precisam operar em um ambiente saudável, onde “os trabalhadores tenham condições decentes de trabalho com jornada e salários justos para viver com dignidade”, aponta o sindicalista.
Reportagem da BBC News Brasil mostra que esses trabalhadores querem “maior transparência sobre as formas de pagamento adotadas pelas plataformas, aumento dos valores mínimos para cada entrega, mais segurança e fim dos sistemas de pontuação, bloqueios e ‘exclusões indevidas’”.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018 haviam no Brasil, 13,7 milhões de motoristas e entregadores de aplicativos. “Fruto do desemprego crescente causado pelo projeto neoliberal implantado no país a partir de 2016”, diz Adilson.
Estudos revelam crescimento do número de trabalhadores nessa modalidade no período da quarentena para combate à Covid-19. Mas “infelizmente a indústria da tecnologia não vê o contrato social como algo importante”, assinala Adilson.
O estudo “E-commerce: evolução nos hábitos do consumidor em tempos de Covid-19”, elaborado entre 24 de fevereiro e 3 de maio de 2020, mostra que os supermercados e as farmácias cresceram quase 300% em vendas eletrônicas. Esse tipo de comercialização cresceu 164% em bens de consumo e alimentos, 84% em casa, móveis e jardim, 61% na indústria do entretenimento e fitness e 55% na indústria da computação, nesse período, mesmo em meio à crise econômica.
Precisamos retomar os contratos de trabalho com os pressupostos da OIT (Organização Internacional do Trabalho) de trabalho digno com a garantia do meio ambiente de trabalho saudável, com igualdade de oportunidades e equidade e sobretudo na atenção para as normas de proteção e segurança do trabalho”.
Para ele, na atualidade, “a lógica de assistência, de seguridade social e de um regramento das relações de trabalho inexistem” porque “não se compreende a necessidade de dignidade social produzida por um ambiente saudável no trabalho”.
Segundo o sindicalista, a história da relação entre capital e trabalho é repleta de lutas da classe trabalhadora para melhorar as suas condições de vida. Ele cita a “Revolta de Haymarket”, acontecida em 1886, em Chicago, nos Estados Unidos. Com a greve dos trabalhadores por jornada de trabalho de 8 horas diárias. “Eles trabalhavam, 16, 17 e até 20 horas por dia, além da exploração do trabalho infantil e das péssimas condições de trabalho”, explica.
O movimento foi ressaltado na Segunda Internacional Socialista, em 1889, por iniciativa do pensador Friedrich Engels (1820-1895). Quando foi proclamado o 1º de maio como Dia Mundial da Classe Trabalhadora. “Essa lutas dos operários norte-americanos como todas as lutas promovidas pela dignidade da classe trabalhadora nos levam a reflexões sobre o que está acontecendo no mundo do trabalho e as situações agravadas pela pandemia”, alega Adilson.
Para ele, o fenômeno ganha dimensão no país por causa da falta de um projeto nacional de desenvolvimento que contemple o trabalho digno e o combate às desigualdades. “A sepultura da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e a profundidade do nível de desregulamentação do trabalho resulta num tipo de escravidão contemporânea”.
Então, salienta, “o que tem de moderno nessas relações de trabalho?” Porque “as pessoas estão trabalhando 14, 15, 16 horas por dia e nos fins de semana chegando a trabalhar até 20 horas para conseguir sustentar a família com grande dificuldade”.
A pandemia piorou ainda mais a situação. Cerca de 90% desses trabalhadores se viram sem o ganha pão de uma hora para outra. “Imagine se não tivéssemos o SUS (Sistema Único de Saúde) como seria a vida desses trabalhadores expostos à sobrecarga de trabalho, ao estresse elevado, e às precárias condições de trabalho, diuturnamente?”, questiona Adilson.
A carga excessiva de horas trabalhadas causa adoecimentos e mortes. Como o que aconteceu com o entregador da Rappi, Thiago Dias. Ele morreu de “mal súbito” enquanto fazia um serviço de entrega. Apesar da tentativa de socorro, segundo a advogada Ana Luísa Pinto, ele não resistiu e veio a óbito.
São quase 40 milhões de trabalhadoras e trabalhadores em situação precária no país, além de mais de 13 milhões de desempregados e aproximadamente 5 milhões de desalentados (desistiram de procurar emprego), todos sem direitos. E na pandemia, empresários suspendem contratos de trabalho, demitem e diminuem salários.
“São vidas humanas em busca de sobrevivência. Infelizmente submetidos ao trabalho degradante e desumano. Tudo isso aliado a um governo descompromissado com um projeto nacional de desenvolvimento atento para a geração de emprego e renda para gerenciar a economia capaz de resolver a grave crise sanitária e econômica que, sem isso, pode levar o país ao caos.
Adilson lembra que sem um projeto consolidado de desenvolvimento nacional, o Brasil chegou a ser a sexta economia do mundo, “imagine com um Estado que trabalhe a favor do país?”, pergunta.
O movimento dos entregadores é visto pelo sindicalista como uma reação ao desregulamento das relações de trabalho no país. “A população não pode ser refém de um governo que defende somente os interesses da classe dominante aumentando ainda mais a concentração de renda e de outro lado a extrema pobreza”.
As dificuldades dos entregadores de aplicativos incidem na falta de contratos de trabalho que atendam seus direitos. Mesmo assim, diz o motoboy Paulo Lima, à BBC Brasil, que “queremos mostrar que as empresas dependem de nós, trabalhadores. Vamos provar para eles que sem nós eles não ganham dinheiro, que não somos apenas números”.
De acordo com Adilson, a CTB está atenta e presta “solidariedade à luta que reclama o fim da exploração, saúde, segurança, condições de trabalho e salários dignos. Afinal a dignidade e a vida não têm preço”.
Texto em português do Brasil
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