A Crimeia começou mal, viu-se invadida e ninguém acreditava no Tri. Mas depois de muita luta e algum panache, que sempre faz falta, venceu com toda a justiça e, ainda por cima, fez-se notar em todo o mundo.
Deste tri, que se celebra, há que notar que o principal adversário esteve sempre em vantagem no início. Primeiro, em 1853, quando este destruiu a frota otomana no porto de Sinope, no Mar Negro; depois, em 1944, quando os atacantes entraram casa adentro em ataques forjados. E, por fim, em 2014, quando ocuparam o campo inteiro e mais uma vez queriam, contra a vontade de todos, dobrar as regras e instalar-se rumo à vitória. Desta, mais recente, não nos íamos livrando.
Mas o povo não esquece e pela terceira vez vingou-se dos perseguidores. Num golpe magistral, com a melhor preparação possível, uma equipa de profissionais excelentíssimos derrotou os piores preconceitos e, defendendo as cores vermelha e branca (com pouco azul) lançou pelo planeta o grito esperado da vitória.
Eram pouco mais de onze e picos quando em Kiev se soltou o suspiro de alívio e drapejaram as bandeiras. Jamala, na fria Helsínquia, conquistava o grande prémio da canção europeia, com um arrepiante poema e uma fusão de pop com música tradicional. Por todo o continente e até na Austrália (vero, vero, a Austrália participou), sentiu-se o frémito da vingança cultural, que colocou a nu a fragilidade política e burocrática.
O adversário, como se disse, seguia logo atrás: a Rússia ia ganhando, não fosse o povo sair em defesa de uma canção que fala da deportação das mulheres e homens da Crimeia, durante a Segunda Guerra Mundial, para os frios gulag da Sibéria. Claro que o cantor russo não tem culpa de que o seu país se porte como outrora, em Yalta, o Zé do Bigode se portou: separatista, agregador, abocanhante.
A pena é que em Portugal este festival de músicas se tenha tornado uma piada, sem a graça dos comentários da BBC (que são os melhores do mundo, desculpa Eládio). Podíamos ter um momento monumental a cada ano, mostrando aos C4Pedros deste planeta e ás gajas de cuecas que vão cantar pimba que os dispensamos. Há muita Jamala aí espalhada pelo país que sabe cantar coisas assim (tradução livre):
1944
Jamala
“Quando os estranhos se aproximam
Vêm a tua casa
Matam-te
e dizem:
Não temos culpa,
Não temos.
Onde têm a cabeça?
Pergunta a humanidade.
Pensam que são deuses,
Todos perecem.
Não engulas mi’nhalma
Nossas almas.”