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Quinta-feira, Abril 25, 2024

Darcy Ribeiro, um intelectual radical

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

Darcy Ribeiro apresenta uma visão ousadamente renovadora da história de nosso povo, que decorre do esforço militante para entender o Brasil. Darcy Ribeiro foi uma mistura de antropólogo, historiador, escritor e ativista político. Ele partiu do desafio de compreender o atraso brasileiro e, unindo teoria e prática, produziu obras teóricas para a intervenção política. Esta sexta-feira (17) marcou os 20 anos da morte de um dos maiores pensadores do Brasil e seu povo.

A confiança na capacidade popular para enfrentar e superar os graves desafios que a história lhe coloca dá o tom otimista da obra de Darcy Ribeiro. No prefácio ao livro Os brasileiros, de 1978, indagou: “, por que uma nação tão populosa – a maior de todas as latinas e a segunda do Ocidente – e das mais ricas em recursos naturais, permanece subdesenvolvida e só é capaz de promover uma prosperidade de minorias, não generalizável ao grosso da população?”.

Reconheceu, no mesmo diapasão, a “impotência do reformismo e a fragilidade das instituições políticas chamadas a defender os interesses nacionais e populares, em face do poderio dos interesses patronais e da alienação do patriciado político e militar que sempre governaram o Brasil”.

O que me interessa, escreveu, “é contribuir para que se instrumente o brasileiro comum com um discurso mais realista e mais convincente sobre o Brasil, a fim de mostrá-lo e capacitá-lo a atuar de forma mais urgente e mais eficaz na transformação da nossa sociedade”.

Esta opção foi reafirmada naquele que foi um de seus últimos livros, O povo brasileiro, publicado em 1995: “Faço política e faço ciência movido por razões éticas e por um fundo patriotismo” Este “é um livro que quer ser participante, que aspira influir sobre as pessoas, que aspira ajudar o Brasil a encontrar-se a si mesmo”.

Neste livro, denunciou: não há ainda uma compreensão clara “da história vivida, como necessária nas circunstâncias em que ocorreu, e um projeto alternativo de ordenação social, lucidamente formulado, que seja apoiado e adotado como seu pelas grandes maiorias”.

Esta compreensão clara, Darcy Ribeiro a procurou em obras como Os índios e a civilização (1970), um relato escrito com o coração na ponta dos dedos, humanamente comovente e crú da extrema violência do massacre e extermínio das populações autoctónes. Ou em trabalhos como Os brasileiros (1972), ou As Américas e a civilização (1970), nos quais as habilidades de historiador e antropólogo se juntaram para produzir uma descrição geral da evolução social não só do Brasil mas também dos demais países latino-americanos.

Darcy Ribeiro foi um intelectual radical. Apesar de amplamente apoiado no marxismo, ele não aceitou o papel da luta de classes como motor da história, embora reconhecesse seu papel dinamizador, escreveu em O Processo civilizatório (1968). Por outro lado, modificou os conceitos marxistas de modo de produção e formação econômico social, enfatizando os aspectos tecnológicos em detrimento das determinantes políticas, sociais e ideológicas. Assim, para ele, a evolução das sociedades resulta de revoluções tecnológicas e não da luta de classes ou da sucessão dos modos de produção.

Ele defendeu também, em Os Dilemas da América Latina (1978) um programa de desenvolvimento nacional autônomo e auto-sustentado ligado às necessidades nacionais. Esbanjou,aliás, simpatias pelos brasileiros, como deixou claro em O povo brasileiro, livro em que, fugindo dos maneirismos antropológicos e acadêmicos tradicionais, tem no centro de sua análise a ação contraditória, muitas vezes cruel, de europeus dominantes que reduziram ao trabalho forçado as populações autóctones ou africanos sequestrados em sua terra.

Para ele, é a análise da luta do povo que revela a natureza íntima do processo histórico em nosso país, com seus dois traços marcantes, o classista e o racial. Assim, para ele, se a estrutura de classes “desgarra e separa os brasileiros em componentes opostos”, ao mesmo tempo ela unifica e articula, do lado de baixo dessa estrutura, “como brasileiros, as imensas massas predominantemente escuras”, escreveu em O povo brasileiro.

A confiança na capacidade popular para enfrentar e superar os graves desafios que a história lhe coloca dá o tom otimista da obra de Darcy Ribeiro, e marca O povo brasileiro, ao lado da denúncia reiterada do descaso dos setores retrógrados das classes dominantes pelo povo e pela nação.

Como outros autores, ele pensa que a reordenação social do país poderia ser feita “sem convulsão social, por via de um reformismo democrático”. Mas, conhecendo o caráter da classe dominante brasileira e, ao contrário daqueles que temem a revolução, ele pensa também que essa mudança pacífica “é muitíssimo improvável neste país em que uns poucos milhares de grandes proprietários podem açambarcar a maior parte de seu território, compelindo milhões de trabalhadores a se urbanizarem para viver a vida famélica das favelas, por força da manutenção de umas velhas leis”.
O autor escreve em português do Brasil

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