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Terça-feira, Abril 16, 2024

Estados Unidos: A greve dos profissionais de saúde em Ohio

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

Iniciada no último dia 6 de maio, a greve dos profissionais de saúde no Mercy Health St. Vincent Medical Center, em Toledo, Ohio (EUA), que prossegue, é significativa por várias razões.Toledo é, historicamente, um centro da luta dos trabalhadores nos EUA. Lá ocorreu, por exemplo, uma grande greve em 1934, cuja repressão sangrenta deixou dois mortos e 200 feridos. E está na origem da tradição de luta daquela cidade que se tornou um dos principais cenários da ação dos sindical no Meio Oeste e também a nível nacional nos EUA. Tradição que, nos últimos anos foi afetada pela ofensiva do governo e dos patrões. Em 2018 apenas 8.7% dos trabalhadores do setor privado eram sindicalizados – muito abaixo do pico de 23% em 2001.

Nesse sentido, embora relativamente pequena – envolvendo 2 mil enfermeiros, técnicos e pessoal de apoio – a greve no hospital Mercy revela a importância do trabalho sindical em defesa de melhores condições e cumprimento da jornada de trabalho, melhores salários e, sobretudo, de melhor atendimento aos pacientes.

O sistema de saúde nos EUA, com ênfase no serviço privado, tem sido grande fonte de lucros para as empresas, gerando uma crise que envolve pacientes e trabalhadores da área. Foi em reação a esta situação que, em 6 de maio, os profissionais do Mercy Health St. Vincent Medical Center iniciaram a Semana Nacional das Enfermeiras, e sua greve, depois de quase um ano de negociações com a empresa – que, até a sexta-feira (10), não havia dado nenhuma resposta às reivindicações apresentadas. E a greve continuava, contou a dirigente sindical (da UAW Local 2213) Sue Pratt, citada na reportagem “America Makes a Lot of Money off the Sick” (“A América ganha muito dinheiro com a doença”), de Simon Nyi – vice-presidente local dos Socialistas Democratas América – na revista eletrônica Jacobin. Ele entrevistou as sindicalistas e lideranças da greve Dawn Thakur-Lyon, enfermeira, e Jessica Crowder, paramédica.

Naquela cidade, 17% dos trabalhadores do setor privado atuam em serviços de educação e saúde, e isso torna o potencial impacto econômico e político da greve é ainda mais significativo.

O Mercy tornou-se uma das maiores redes hospitalares católicas dos EUA depois de sua fusão, em 2018, com o Bon Secours Health Systems, que tem receita operacional de 8 bilhões de dólares.

Um dos objetivos da greve no hospital Mercy é exposto nas faixas apresentadas nas manifestações: “Pacientes acima dos lucros”.

Jessica Crowder explicou que estão em greve por alguns motivos. Um deles é o horário de trabalho excessivo, que causa prejuízo ao atendimento aos pacientes.

Dawn Thakur-Lyon, por sua vez, acusa os plantões obrigatórios de piorar, e muito, o atendimento. “O hospital está constantemente com poucos funcionários. Há muito ‘congelamento’ ocorrendo. Se você trabalha num turno de 12 horas, eles podem não ter pessoas suficientes, então você pode ser ‘congelado” . Eles só podem segurar você no trabalho por mais quatro horas – você só pode trabalhar dezesseis horas, e pode ter que voltar na manhã seguinte. Ficaria ‘congelado’ até as 11:30 da noite”.

Jessica explica que “não há um intervalo de oito horas entre os turnos”. Esta situação, diz ela, “afeta o atendimento ao paciente em geral. As enfermeiras estão sobrecarregadas. Estão cansadas. A equipe de flebotomia está sobrecarregada. Eles estão cansados. O serviço de limpeza está sobrecarregado, eles estão cansados. Estamos todos sobrecarregados, o que pode afetar o atendimento ao paciente de baixo para cima. Se você está trabalhando em cada um dos departamentos no hospital apenas com a equipe mínima possível, você vai afetar todo mundo, da enfermagem para a limpeza, o pessoal da nutrição, e então você vai ter muitos plantões, porque as pessoas estão cansadas e exaustas. Então é só uma grande bagunça”, conclui.

A enfermeira Dawn explica que a greve visa o bom atendimento aos pacientes, “porque quando a equipe não está funcionando em um nível alto, erros são cometidos”. Ela lembra que há “dez ou quinze anos atrás, para o mesmo número de leitos, costumávamos ter mais enfermeiras. Hoje, com o mesmo número de pacientes, temos cerca de novecentas, quando costumávamos ter mais de 1.200 enfermeiras para o mesmo número de pacientes”. “Tudo está piorando”, diz ela. “Até mesmo os suprimentos – você precisa fazer mais com menos”. A empresa, denuncia ela, “realmente tenta maximizar o atendimento com recursos mínimos, incluindo pessoal, suprimentos, tudo…”

A enfermeira Dawn conta que houve insegurança e mesmo medo entre os trabalhadores antes da greve. “À medida que as coisas se aproximavam, as pessoas ficavam nervosas sem saber quanto tempo isso poderia durar – financeiramente preocupadas. Todos sentiram que, se vamos fazer isso, precisamos de uma boa resposta. Precisamos ter o maior número de pessoas possível para agir, ou isso não significará nada”. Mas houve também muita solidariedade, as “pessoas se sentiram mobilizadas para realmente ir lá e mostrar seu apoio porque, novamente, isso também é para a segurança do paciente”.

Jessica lembra que, há uns dois anos e meio ou três anos atrás, seu departamento esteve sob a fiscalização de uma empresa contratada pelo hospital para “analisar todo o nosso processo. Eles querem cortar empregos, querem cortar custos. Então, estamos sob estresse desde antes da greve”.

Jessica e Dawn contam como o Mercy Hospital reprime os grevistas não poupando dinheiro para contratar fura-greves. Dawn denuncia o emprego de fura-greves profissionais. Diz ser “realmente um insulto que as pessoas que nos substituem, furando a greve ganhem de duas a três vezes o salário que temos. Eles viajam de greve para greve, e é assim que ganham a vida. Se isso é dinheiro para , o que parece que é, estão pagando enormes quantias para essas pessoas”. “Estão pagando uma tonelada de dinheiro para essas pessoas – apenas o que eles ganham por hora, sem incluir hotel, comida, estipêndios que nos disseram que estão oferecendo. O que estávamos pedindo não era tanto assim. É muito mais custoso para os patrões ter a greve, cancelar cirurgias e enviar bebês para outros hospitais. Então, para mim, isso não é apenas sobre o dinheiro. Isso é outra coisa”. E denunciam a ação patronal contra o sindicato.

Para Jessica, “há mais do que o que está sendo dito. Tivemos uma pequena reunião em nosso departamento com apenas os funcionários e eu disse: ‘Aposto que eles estão tentando levar o sindicato à falência’. Acho que esse é o principal objetivo deles”.

No final da entrevista, em uma avaliação do sistema de saúde nos EUA, que é privado, Jessica diz a frase em que foi baseado o título original da entrevista publicada em Jacobin. “Os EUA ganham dinheiro com os doentes. A forma como os cuidados de saúde são geridos não é adequada. Nenhuma vida é melhor que outra. Só porque você tem dinheiro não significa que você possa se curar. Todos devemos ter o mesmo sistema de saúde, se ganhamos dez dólares por semana ou se ganhamos milhões”.


Texto em português do Brasil. Por José Carlos Ruy, a partir de informações publicadas em Jacobin


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