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Sexta-feira, Abril 26, 2024

Governo Sombra?

Nuno Ivo Gonçalves
Nuno Ivo Gonçalves
Economista, Mestre em Administração e Políticas Públicas, Doutor em Sociologia Política. Exerceu actividade em Gestão Pública, Recuperação de Empresas, Auditoria e Fiscalização e foi docente no ISE e no ISG. Investiga em História Contemporânea.

À partida tenderia a dizer que existiriam condições para o Partido Socialista, que saiu das eleições legislativas de 2024 com um número de deputados praticamente igual ao alcançado pelo Partido Social Democrata, cujo Presidente vai ser indigitado para formar governo, que apresentou um programa mais consistente, alicerçado na experiência dos últimos oito anos, formar um “Governo Sombra” (não estou a referir-me ao programa humorístico cujo nome foi registado pela TSF) e intervir organizadamente, no Parlamento ou fora dele, com propostas próprias e com mobilização da opinião pública.

Afinal de contas tanto na área da Economia como na área do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social vimos surgirem numerosas novas intervenções públicas que uma vez ou outra não encontram eco nos destinatários, mas que criaram a expectativa de que o Estado continue a intervir. Do mesmo modo embora a capacidade de concretização de mudanças anunciadas fique aquém das expectativas, algumas medidas de simplificação acabam por ser efectivamente introduzidas. E mesmo onde as coisas não corriam de feição, o problema não parecia ser a falta de dinheiro, antes erros de concepção ou falta de capacidade de realização. Havia dinheiro para tudo …

Ou seja, no ambiente em que se desenrolaram as eleições, ficou-se com a ideia que no debate político estará sobretudo em causa o que o Estado deve fazer e como o deve fazer. É claro que também se fala de redução da carga fiscal. Mas ninguém vai dizer que para reduzir impostos se deve cortar, aqui, ali e acolá. O que é provável é que se relance a ideia de pagar a privados para que os resultados apareçam. Mas sobre este e outros aspectos o Tribunal de Contas acaba de produzir uma lista de recomendações “de experiência feitas” muito judiciosas.

Não sendo, como já expliquei, eleitor do Partido Socialista, não me parece que este tenha abusado da maioria absoluta e julgo que, com uma experiência assinalável de Governo, após ter sido administrador, poderá vir a ser também, em certas áreas e SE o quiser, um lutador por causas. De modo geral a maioria dos ex-ministros continuará a manter um relacionamento com o PS e alguns terão a subsistência assegurada como deputados, e poderá levar consigo muita informação digitalizada, hoje em dia o próprio Paulo Portas já não teria de andar a fotocopiar as pastas relativas a submarinos.

 

Algumas dificuldades têm contudo de ser tidas em conta

A chamada liderança da oposição

Parlamento

Pedro Nuno Santos ao anunciar que o PS iria ficar na oposição, acrescentou que iria “liderar a oposição”. No início da nossa democracia parlamentar a Assembleia da República foi levada a aprovar uma Lei sobre o Estatuto da Oposição Democrática – Lei 59/77, substituída vinte anos depois – Lei nº 24/98. Embora na altura se tenha falado em que o líder do maior partido da oposição seria considerado líder da oposição, essa especificação não consta da lei. Aliás ao menos tecnicamente o partido de André Ventura não ficará no Governo e portanto será considerado de oposição. Propõe-se o PS liderar essa parte da oposição? Quanto aos pequenos partidos de centro e de esquerda, eles é que têm ideias de como a oposição, PS incluído, deveria ser liderada…

 

A própria liderança do Partido Socialista

Parlamento

Um Governo Sombra, pelo menos inicialmente, deveria funcionar sob a orientação do novo Secretário-Geral e contar com os ainda titulares das pastas das Finanças e da Administração Interna, Fernando Medina e José Luís Carneiro. Ora estes, já posteriormente à eleição do Secretário-Geral foram produzindo declarações – e não só eles como Augusto Santos Silva, ainda Presidente da Assembleia da República, e Francisco de Assis, de quem se dizia iria ser Presidente da Assembleia da República se o PS ganhasse – sobre o que o PS deveria fazer na Assembleia Legislativa Regional dos Açores e/ na Assembleia da República se a chamada direita democrática, como se vem chamando à AD, ganhasse com maioria relativa. Passou assim o PS a ter quatro ou cinco secretários-gerais, hipnotizados em maior ou menor grau pelas supostas intenções de André Ventura e com soluções próprias quanto às relações com a recém descoberta (ou inventada) “direita democrática”. Não há razão para pensar que com a constituição de um Governo Sombra a balbúrdia não continue.

A organização interna do Universo PS

Parlamento

Importaria assegurar a articulação da actividade do Governo Sombra com a actividade do Grupo Parlamentar, com as estruturas do PS no terreno, designadamente as autárquicas e laborais, e com os órgãos de direcção daquele partido, sendo provavelmente mais fácil dizê-lo do que fazê-lo.

Em algumas das intervenções que o partido entendesse assumir seria também de assegurar uma articulação com as outras forças de esquerda ou de centro tanto no quadro parlamentar como no terreno, o que não está na tradição da esquerda portuguesa. Os partidos só dialogam no quadro parlamentar e em torno de iniciativas legislativas.

 

A estrutura do Governo Sombra

Os Governos de António Costa foram inovando sucessivamente em termos de estrutura a ponto de o chamado Ministério das Infraestruturas não incluir os Metropolitanos de Lisboa e Porto, enquadrados no Ministério do Ambiente o que fez de Matos Fernandes o decisor sobre a expansão da rede do Metro de Lisboa e da chamada Linha Circular. A inovação mais atrevida ainda terá sido a criação de um Ministério da Coesão com a responsabilidade de tutela das Autarquias Locais.

Caso o Governo do Partido Social Democrata reverta para uma estrutura mais tradicional a organização de um Governo Sombra criará ao Partido Socialista dificuldades acrescidas.

 

A escolha de rostos do Governo Sombra

Parlamento

Aspecto evidentemente crucial. Já referi que, pelo menos numa primeira fase, se justificaria a inclusão de Medina e de José Luís Carneiro. E para ajudar a desfazer confusões, por ele criadas ou propiciadas, de Pizzaro como ministro-sombra da Saúde. Para conjugar esforços com o PSD sobre os apoios à Ucrânia, os actuais titulares da Defesa e dos Negócios Estrangeiros. “Todos não somosdemais” como alguém dizia em tempos. Como exemplo de quem tentou actuar correctamente no terreno, Ana Mendes Godinho, Duarte Cordeiro (com a limitação de ter querido ficar fora das listas de deputados), Ana Abrunhosa e Marina Gonçalves. Dariam, na minha opinião, bons ministros-sombra.

A excluir, gente que nunca deveria ter feito parte de um Governo. Como a ministra da justiça “incumbente” de quem nem quero recordar o nome. Como a Justiça vai ser objecto de uma reforma “salvadora” negociada entre PSD e PS, facilmente se arranjarão braços para essa seara, como diria Almeida Santos.

Um processo que permitiria testar esta metodologia de actuação seria o da nova privatização da TAP, que carece ainda de um decreto-lei regulador, que possivelmente será chamado a apreciação parlamentar.

Por ORibatejo – “Entrevista com Francisco Assis, candidato do PS às eleições europeias” – ORibatejo (via YouTube) (1 m 53 s), CC BY 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=48785208

Não me parece contudo provável que o Partido Socialista enverede por uma via como a descrita.

Creio entretanto que depois dos resultados portugueses só restam na área do poder na União Europeia alguns países com liderança de partidos socialistas ou sociais democratas, todos no quadro de coligações(i): os de Espanha, da Alemanha e da Dinamarca,(ii) sendo este último país o que ofereceu toda a sua artilharia à Ucrânia por não precisar dela, o que faz todo o sentido, na expectativa de que a sua Primeira-Ministra viesse a suceder ao social democrata norueguês Jens Stolberg na secretaria-geral da Nato. Os tempos a seguir à criação da Nato em 1949 em que o comando das forças na Europa incumbia a um militar norte-americano e a secretaria-geral a um socialista ou social democrata europeu estarão ultrapassados e aparentemente será o ainda primeiro-ministro liberal holandês demissionário, Mark Rutte, que irá suceder a Stolberg.

Se o PS português ficar à espera que o vento mude, pode ser que nunca tenha ocasião de voltar a provar dos frutos da árvore do poder.

 

Notas

(i) Julgo que em Malta ainda estará no poder um partido trabalhista, se Ana Gomes não o conseguiu expulsar do convívio da Internacional Socialista, e que na Roménia existirá uma coligação com alternância de primeiros-ministros durante a legislatura.

(ii) Foi na Dinamarca que se terá decidido apreender joias e valores pessoais dos imigrantes para ressarcir o Estado das despesas com eles incorridas. Nem o “1143” se lembrou disso…

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