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Ora, na presença do sanguinário Macbeth o nível de expectativa, bem como de exigência, torna-se agudo. Sobretudo quando motiva necessariamente a comparação com as obras mestras já produzidas e que incluem a visão homónima de Orson Welles ou Trono de Sangue, de Kurosawa, para citar apenas as mais gritantes. Talvez por isso mesmo a opção do australiano Justin Kurzel pareça bem calhada.
Esta visão fresca sobre uma das peças mais cinematográficas do dramaturgo pelo autor do inquietante Snowtown, um filme muito indie sobre os crimes em série ocorridos na cidade de Snowtown, na Austrália, até começa bem, tirando o máximo partido do efeito cinematográfico da batalha em que vemos o Macbeth nas montanhas das Highlands, já depois do enterro do filho.
Naturalmente, este é um papel à medida de Michael Fassbender, um dos poucos atores capazes de transparecer a alma de guerreiro, de um homem bom que acaba transfigurado em diversas nuances que vão do sofrimento à pura ambição. O mesmo se diga de Marion Cotillard, num inglês BBC irrepreensível, sem uma pontinha de sotaque, francês ou escocês, se bem que numa prestação estranhamente mais relativizada. Pena que por vezes a cadência do filme careça de um ritmo que acentue os contornos trágicos e dramáticos do filme.
A câmara de Adam Arkpaw, que já concebera atmosferas tão trágicas e exuberantes, como em Reino Animal, Snowtown, bem como o genial Lore, já estabelecera o ambiente intrigante de neblina a fundir-se com o branco nas neves, onde as três irmãs emergem e se somem. E o som poderoso do score de Jed Kurzel, mano do realizador, já acentuara a gravidade da trama.
Numa aproximação muito visual e estilizada à obra de Shakespeare, Fassbender tem espaço de sobra para ganhar a personagem, ainda que o mesmo não suceda com Cotillard, a quem fica reservado mais o final pungente, ainda que insuficiente para suportar o desaire do casal. Para além destes temos ainda um enorme David Thewlis, como o Rei Duncan, e Paddy Considine, como Banquo. Numa das peças mais rica em termos dramáticos, ficamos no final com a ideia que algo se perdeu na encruzilhada de um guião tocado a seis mãos.
Nota: A nossa avaliação de * a *****